Adriano Benayon: O Brasil como vassalo dos banqueiros

Tempo de leitura: 5 min

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Fattorelli já denunciou o “sistema da dívida”: sanguessugas

Prosperar ou sucumbir

por Adriano Benayon* 

20.07.2015

O caso da Grécia ajuda a compreender o desafio que o Brasil terá de enfrentar.

2. Como salienta a auditora Maria Lucia Fattorelli, que prestou inestimável colaboração ao Parlamento grego no exame da dívida pública daquele país, ele vem sendo sangrado, há anos, pelo sistema da dívida, governado por grandes bancos de âmbito mundial.

3. Só de 2010 ao presente, a renda nacional da Grécia foi reduzida em 30%, os salários caíram nessa proporção, os pensionistas perderam mais de 50%. O desemprego passa dos 27% e atinge mais de 60% entre os jovens.

4. Mesmo tendo o povo rejeitado, em plebiscito, o mais recente programa dos “credores”, e tendo o Parlamento mostrado à nação as ilegalidades e fraudes originadoras da maior parte da dívida, faltou coragem ao governo do Syriza para desistir de mais um acordo com a União Europeia.

5. Entretanto, esse acordo dará prosseguimento à destruição econômica e social do país. Trata-se de um terceiro programa de “resgate”, na realidade, de arrocho com calendários de curto prazo.

6. Até quarta-feira (15), o Parlamento grego tem que aprovar mais aumentos de impostos e reformar o sistema de pensões. Só depois disso, os ditadores da União Europeia (Alemanha e França), autorizarão negociar um memorando de entendimento com Atenas.

7. Até outubro, as autoridades gregas têm que implementar mais reformas nas pensões e zerar o déficit, além de cumprir programa de privatizações. Também, alterar as relações de trabalho, facilitando as demissões. Em suma, elevar as doses dos “remédios” que têm arruinado a saúde do paciente.

8. A mensagem está claríssima. A tirania financeira mundial não tolera qualquer medida dos países envolvidos pelo sistema da dívida, em defesa de suas economias e de seus povos, por mais moderada que seja: eles são pressionados a enredar-se, cada vez mais, na armadilha financeira.

9. Pergunto-me por que motivo, afora a corrupção – que jogou papel importante na passividade de muitos de seus antecessores – o atual governo grego se curvou às imposições do Banco Central Europeu, FMI e tiranos da União Europeia, entidade gradualmente moldada pela oligarquia financeira angloamericana, para subordinar os países da Europa continental.

10. Suponho que as causas sejam os temores de: a) sanções por parte da Alemanha, da França e associados, os maiores importadores das produções primárias e origem do grosso do turismo, as duas principais fontes de divisas da Grécia; b) corte do crédito por parte do sistema financeiro internacional e congelamento de fundos depositados no exterior, além de arresto de bens.

11. Não se podem comparar as dimensões, nem as dotações de recursos naturais do Brasil e da Grécia. O Brasil poderia até beneficiar-se das sanções a que estaria sujeito, em caso de cumprir a cláusula da independência, evidentemente superior à própria Constituição (que também a proclama, embora ignorada na prática).

12. Antes, deve ficar claro que, sem autonomia nacional, não há a menor possibilidade de evitar a ruína, que avança a passos largos em nosso País.

13. A soberania vem sendo, há decênios, preterida pelas “boas relações” com as potências imperiais e pela subordinação da política econômica ao sistema financeiro, comandado pelo eixo Londres-Nova York e operado nessas praças e nas offshore, sob controle delas.

14. É de notar, ademais, o espantoso grau dessa subordinação, que supera, em muito, a existente até em países de menor dimensão e aparentemente mais frágeis que o Brasil.

15. Haja vista, entre os exemplos mais notáveis, as estratosféricas taxas de juros aqui praticadas:

a) as que, compostas, estão levando a dívida pública brasileira a mais crises conducentes a ainda mais vergonhosas abdicações de soberania e a perda de substância econômica;

b) as impostas a empresas nacionais atuantes na produção e a pessoas físicas dependentes de seu trabalho, taxas, como se sabe, grandes múltiplos daquelas, mais que absurdas.

16. Duas premissas têm de sustentar uma análise realista:

1) o truculento sistema da dívida não faz concessões aos que nele se enredam: as ameaças, pressões e sanções são manipuladas de forma a obrigá-los a subscrever os “acordos” praticamente por inteiro;

2) portanto, tentativas de atenuar as penosas condições a que os “devedores” são submetidos, são reprimidas do mesmo modo que seriam medidas capazes de, a médio e longo prazos, liberá-los do crônico enfraquecimento a que vem sendo forçados.

17. Apesar de a presidente ter reduzido os já deprimidos investimentos federais e elevado os já inadmissivelmente altos ganhos dos concentradores financeiros, estes e seus mentores da oligarquia angloamericana não estão satisfeitos e usam seus diversos instrumentos de pressão política para desestabilizar e derrubar o governo.

18. Está claro que as potências imperiais e seus vassalos brasileiros não toleram mudanças na política econômica nos últimos 61 anos, por mais modestas que sejam. Ao contrário, só admitem radicalizá-la, o que implica levar o País à miséria, intensificando-se a desnacionalização e a desindustrialização da economia.

19. Portanto, se quiser ter alguma chance de, um dia, encontrar o desenvolvimento, o Brasil terá de adotar, desde já, políticas, por completo, diferentes das que têm prevalecido.

20. Por exemplo, reduzir a taxa de juros dos títulos públicos em 2 pontos percentuais, já escandalizaria a grande mídia e os acadêmicos que papagueiam doutrinas econômicas inaplicáveis aos contextos reais.

21. O que se deve fazer, em lugar disso, é diminuir essas taxas em 15 pontos percentuais (cerca de 17% aa. para 2% aa.). Sobre a dívida interna bruta de R$ 3,3 trilhões, isso significa economizar R$ 500 bilhões anuais, quantia equivalente a 10% do PIB.

22. Vale lembrar que os defensores do arrocho gerido pelo ministro da Fazenda e Banco Central alegam que ele fará economizar entre R$ 70 bilhões e R$ 80 bilhões.

23. Além disso, esses cortes têm efeito multiplicador negativo, por implicar redução de investimentos e de despesas, enquanto o dinheiro poupado com o estéril gasto financeiro da dívida pública poderia ser investido produtivamente, com apreciável geração de receitas adicionais.

24. A sensível redução dos juros é também indispensável por ser o único meio de evitar a capitalização deles, o fator determinante do crescimento exponencial da dívida pública.

25. Mas, para fazer o serviço completo nessa área, há que suprimir artigos lesivos ao País da falsa Constituição “cidadã”, de 1988, a começar pelo de nº 164, que usurpa do Tesouro Nacional o direito de emitir moeda e o confere exclusivamente ao Banco Central. Pior, ao proibir que este financie o poder público, o submete à agiotagem dos bancos privados.

26. É também espantoso que a Lei 4.595, de 31.12.1964, tenha sido recepcionada pela Constituição, como Lei complementar, e continue sendo o arcabouço do sistema financeiro do País, tendo sido elaborada sob medida para os interesses dos bancos concentradores. Há que fazer outra sob princípios bem diferentes.

27. Essas são algumas das medidas de que o País precisa, a fim de realizar políticas macroeconômicas decentes, devendo-se também enunciar a reformulação completa das estruturas microeconômicas, sem as quais aquelas de pouco valem.

28. Ou seja: novas políticas industrial, tecnológica, de serviços e dos mercados, afora infraestruturas econômicas e sociais compatíveis com tais estruturas, livres das garras dos carteis e abertas à concorrência dos produtores.

29. Claro que a defesa nacional deve ser uma das prioridades, em interação com a indústria voltada para o bem-estar e para o progresso técnico. Tudo isso exige administrações civil e militar inspiradas em valores elevados e conscientes de que a solidariedade nacional tem de prevalecer sobre ambições pecuniárias e de poder.

30. Em tal sistema, o mérito, não só intelectual, é aferido desde as primeiras letras, e o importante setor estatal tem de ser administrado de modo que os equipamentos e empresas estatais estejam a serviço da sociedade em seu conjunto e, portanto, não sejam objeto de comércio.

*Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.

Leia também:

Pablo Villaça: O “apesar da crise” e o jornalismo brasileiro


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Comentários

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Paulo Falcão

Não deixa de ser surpreendente a capacidade de produzir análises erradas de uma auditora como Maria Lucia Fattorelli ou um doutor em economia pela Universidade de Hamburgo como Adriano Benayon. Deveriam entender um pouco de matemática, mas sucumbem à eterna crença da esquerda de que essa tal matemática é uma criação capitalista para explorar o proletariado e ferrar os iluminados de bom coração. Não reconhecem os erros nem quando tropeçam neles. Para entender como e porque estão errados, sugiro a leitura de dois artigos. O primeiro chama-se A GRÉCIA, A MATEMÁTICA E O DESTINO INELUTÁVEL. O segundo, que desmonta as principais críticas de iluminados como Fattorelli e Benayon, chama-se A IGNORÂNCIA NÃO É UMA BENÇÃO. É fácil de encontrá-los e são esclarecedores.

    Marco Aurélio

    Paulo, já ouviu falar em “reserva fracionada” ?
    Nesse sentido, assista a Zeitgeist 1 e 2 , no youtube. Esse documentário se corrobora diuturnamente nos nossos dias: impossível manter esse modo de produção em que a riqueza se concentra assustadoramente na mão de pouquíssimos, os quais a extraem ou por exploração da mão-de-obra escrava ou por degradação de recursos naturais! Não há mágica, meu caríssimo! Se o mundo nao adotar métodos científicos de produção fulcrados em uma Economia Baseada em Recursos Naturais , o Sistema se implodirá.

Nelson

Complementando meu comentário anterior.

Infelizmente, tem muita gente que se diz de esquerda que, ao que parece, não se deu conta do real objetivo das privatizações. Ou então, finge não que não vê este objetivo.

Nelson

“Até outubro, as autoridades gregas têm que implementar mais reformas nas pensões e zerar o déficit, além de CUMPRIR PROGRAMA DE PRIVATIZAÇÕES”.

Fiz questão de ressaltar este trecho do texto do nosso economista e diplomata, Adriano Benayon, porque este é o objetivo. O grande capital quer se assenhorear de todas as riquezas de cada país e de todo o planeta para garantir um futuro de lucros fartos e incessantes.

E as privatizações são o meio para essa conquista, utilizando-se do esquema das dívidas para botar pressão e obrigar Estados e povos a cederem suas riquezas.

Os neoliberais têm a convicção de que tudo o que estiver dando lucro ou que tenha potencial para tanto deve ser repassado para as mãos da iniciativa privada, leia-se, grandes empresas.

Em mãos públicas ou do Estado ou sob controle dos povos, deve ficar apenas o tufo, a carne de pescoço, o que não dá retorno.

A tão decantada e propagandeada privatização, vendida como a cura para todos os males, nunca teve o objetivo de garantir preços e tarifas mais baixos para a população.

FrancoAtirador

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Entrevista [Parte 1]: CIRO GOMES
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Por PHA, no CAf, via Tijolaço
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(https://youtu.be/2wUZRjDN8xM)
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(http://tijolaco.com.br/blog/?p=28425)
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FrancoAtirador

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Dilma Vana deveria entregar logo

o Governo pro Trabuco e pro Setúbal.
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É o que o Povo da Mídia-Empresa quer.
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(http://brasil.elpais.com/brasil/2015/07/21/politica/1437493991_798914.html)
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Urbano

A coisa mais difícil, quase atingindo a raia da impossibilidade, é encontrar algum nababo honesto…

    Urbano

    Nababo honesto ou decorrente da honestidade…

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