O suicídio induzido do General Rommel

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Aprendendo com a história: Como o suicídio induzido do General Erwin Rommel, um herói nazista, “dialoga” com a realidade brasileira

Por Bernardo Vargaftig

O Tratado de Versalhes, assinado em 1919 pelos aliados franco-britânicos e pela Alemanha (nesse caso, somente por políticos civis, pois os militares preferiram não assumir publicamente esta responsabilidade), visava terminar a Primeira Guerra mundial, com o reconhecimento da derrota da Alemanha.

Este tratado impôs enormes indenizações a serem saldadas em 30 anos, além da perda de territórios, como a Alsacia-Lorena que havia sido retirada da França em 1870, na Guerra franco-prussiana, assim como punições variadas, que estimularam o recalque e o nacionalismo, futuro berço e aliado do nazismo.

O Exército alemão foi limitado a um contingente de 200.000 homens, o que jogou às ruas um imenso grupo de militares desempregados, fortemente influenciados pela propaganda nacionalista.

Formaram-se logo os chamados “Corpos ou Batalhões Livres” (Freikorps), milícias armadas nacionalistas e anti-socialistas, financiadas por grupos capitalistas (a vida nesses Freikorps foi bem descrita por Ernst von Salomon, escritor próximo do nazismo, em seu livro The Outlaws, Os Fora da Lei, em inglês).

Os Freikorps constituiram uma base militar poderosa, não proibida pelo Tratado de Versalhes e apoiada tanto pelos aliados vitoriosos, quanto pelo exército alemão remanescente, ambos temerosos do crescimento das ideias e organizações socialistas no país.

De fato, fortaleciam-se no proletariado os partidos de esquerda, o Partido social-democrata (SPD) dominante e o KDP, Partido Comunista da Alemanha.

Eis o clima político dos anos 1920 na Alemanha derrotada e humilhada.

Nascido em 1891, Irwin Rommel combateu na Primeira Guerra Mundial como tenente.

Após o armistício de 11 de novembro de 1918, voltou à vida civil.

Assinado o Tratado de Versalhes, alistou-se novamente nas Forças Armadas, onde o sentimento geral era revanchista, com a acusação reiterada de que a derrota teria sido causada pela traição dos civis e dos judeus.

Em Munique, berço do nazismo, Rommel conheceu Hitler e compartilhou de suas posições políticas, convertendo-se em fiel aliado.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Rommel demonstrou qualidades de estrategista, particularmente ao comandar a célebre Afrika Korps, a partir de fevereiro 1941.

Talvez por ter vivido de perto a derrota militar alemã na Primeira Guerra Mundial e integrar os reduzidos postos militares impostos pelo Tratado de Versalhes, Rommel simpatizou com o nazismo.

No período do entre-guerras (1918 – 1939), Rommel lançou um livro de grande repercussão chamado “Ataques de infantaria”, que chegou às mãos de Adolf Hitler, que procurou seu contato.

Rommel inicialmente foi incumbido de preparar militarmente as fileiras da “Juventude Hitlerista”.

Com o início da guerra, Hitler o chamou para comandar o destacamento que escoltava o trem que o conduzia para ver as conquistas empreendidas na Polônia e na Tchecoslováquia.

Hitler o questionou sobre a tarefa que gostaria de assumir na guerra e assim, Rommel assumiu a 7ª Divisão Panzer de Blindados, que combateria na África.

O ditador italiano Benito Mussolini, aliado da Alemanha nazista, declarou a guerra contra a Inglaterra e a França em junho de 1940 e convocou a partir de setembro de 1940 os 220.000 soldados que a Itália mantinha na Líbia, no norte da África, para combaterem os britânicos no Egito e ocuparem o Canal de Suez.

Esta ofensiva não teve o sucesso almejado.

Assim, no dia 14 de Fevereiro de 1941, as primeiras tropas de Rommel começaram a desembarcar, seguidas por armas pesadas, munição, veículos de transporte e blindados.

Para confundir as aeronaves de reconhecimento do inimigo franco-britânico, Rommel ordenou que fossem construídos centenas de simulacros de tanques com árvores e restos de carros, fazendo parecer das alturas que a força alemã era bem maior.

Os primeiros combates entre o Afrika Korps e as forças britânicas começaram em 24 de fevereiro e em 31 de março foi realizado um ataque contra os britânicos.

Rommel utilizou as táticas da Blitzkrieg, sobretudo o uso coordenado de tanques e da aviação.

Suas forças chegaram até a fronteira com o Egito.

Vitorias importantes se seguiram, forçando os britânicos a recuarem até os arredores de Tobruk, o melhor porto de todo o Norte da África.

Rommel iniciou o ataque no dia 11 de Abril e se aproximou de Tobruk.

O avanço dos blindados entretanto não durou muito, havendo uma barreira antitanques que impossibilitava a passagem.

A batalha durou até 13 de abril, com um ataque de artilharia seguido pelas tropas, cujo objetivo era estabelecer uma cabeça-de-ponte que possibilitaria a chegada das tropas.

Mas o ataque não teve sucesso, pois eram 500 soldados alemães e 20 blindados contra 34.000 defensores britânicos.

Ao final, na noite seguinte, as tropas de Rommel contavam com apenas 116 soldados, tendo o resto sido aprisionado ou morrido.

Mesmo não conseguindo tomar Tobruk, a linha de frente alemã avançou mais 700 milhas em território inimigo, estando a esta altura a 1.110 milhas de distância de Tripoli, de onde provinham seus suprimentos.

Em 18 de novembro, o 8º Exército Britânico iníciou uma grande ofensiva para destruir as forças alemãs-italianas e ocupar a Tripolitania.

A vantagem britânica era evidente, com 724 tanques e 1.100 aeronaves, enquanto Rommel tinha 414 blindados, dentre os quais 154 eram italianos e 50 estavam em manutenção, assim como 120 aeronaves alemãs e em torno de 200 italianas.

Nestas condições desfavoráveis, Rommel decidiu concentrar as atenções na parte norte, o que o forçou a recuar pela primeira vez em sua vida.

Com sua brilhante intervenção no teatro de operações, não obstante as enormes dificuldades logísticas que enfrentou, Rommel desequilibrou o combate em favor das forças do Eixo, por pouco conseguindo uma vitória decisiva sobre o poderio britânico.

Devido à sua astúcia como líder militar, tornou-se conhecido como “A Raposa do Deserto” (nome alias de um filme que retrata estas batalhas e seu personagem principal).

Entretanto, apesar de todo empenho de Rommel, as forças do Eixo na África acabaram sendo derrotadas, não por incompetência, mas principalmente por falta de apoio logístico e de ênfase do Alto Comando Alemão.

Ulteriormente, Rommel foi transferido para a Itália e em seguida à França, onde foi encarregado da defesa da Muralha do Atlântico.

Com a invasão da Europa pelos aliados, foi ferido.

Enquanto se restabelecia, agravou-se o antagonismo que surgiria lentamente entre Hitler e ele, pois Rommel compartilhava da opinião de muitos militares alemães, no sentido de encontrar uma solução para o conflito.

E esta solução só poderia ser o armistício; e, para propor negociações visando o armistício, a eliminação de Hitler.

Formou-se uma conspiração de oficiais superiores alemães para eliminarem Hitler em seu quartel general e formarem um governo militar conservador, que negociaria um cessar-fogo com os aliados e uma inversão radical nas alianças, com a formação de um bloco capitalista para juntos empreenderem a invasão e destruição da URSS.

Claus Philipp Maria Schenk Graf von Stauffenberg foi o oficial do exército que liderou o atentado de 20 de julho de 1944 para assassinar Adolf Hitler e remover o Partido Nazista do poder (Operação Valkyria).

O oficial pertencia a uma família nobre da Baviera, tradicionalmente católica, detentora do título nobiliárquico de graf, o que na nobreza latina equivale a conde.

Claus Philipp estudou literatura e história antes de ingressar no exército.

Foi o oficial alemão mais jovem a chegar ao posto de coronel, sendo uma estrela em ascendência no exército (a Wehrmacht).

Stauffenberg concordava com alguns aspectos da ideologia nacionalista do Partido Nazista, chegando a apoiar a invasão da Polônia.

Ele fora ouvido fazendo comentários anti-semitas e expressando seu apoio ao uso de mão-de-obra escrava polonesa.

Ainda assim, ele era conhecido por não ser um simpatizante entusiasmado, que se recusou a ingressar no partido.

Stauffenberg vacilava entre o seu desgosto pessoal por Hitler e o respeito pelo que o Führer havia feito pelo país, segundo ele, rearmando o exército e reerguendo a nação.

Mas o tratamento dispensado aos judeus alemães e a supressão religiosa, ao que consta, ofenderam seu sentimento religioso.

Junto a vários outros militares alemães que já não suportavam as ordens de Hitler, Stauffenberg, organizou um atentado a bomba contra o Fuhrer.

Pretendia levar duas pastas com explosivos a uma reunião onde ele estaria presente.

O projeto foi coordenado com a ajuda de cúmplices que aguardariam Stauffenberg colocar os dispositivos próximos a Hitler.

Antes da explosão, ele forjaria uma saída inesperada da sala, alegando dar um telefonema.

A tentativa de matar Hitler aconteceu em seu quartel-general, conhecido como a “Toca do Lobo” (em alemão, “Wolfsschanze”) situado nas proximidades de Rastenburg (atualmente Kętrzyn, junto a aldeia à época chamada Görlitz, hoje Gierłoż, na Prússia Oriental, atual território da Polônia).

O atentado fracassou, ferindo ligeiramente Hitler, que desencadeou uma repressão violenta contra os conspiradores.

Em pouco tempo, o nome de Rommel apareceu como pretendente a “Novo Führer” e, com isso, os líderes nazistas se depararam com uma delicada situação.

Como o governo poderia afirmar a coesão política do comando nazista quando um dos seus mais fiéis representantes tentara matar Adolf Hitler?

Rommel, ainda em recuperação médica, recebeu em sua casa a visita de dois oficiais generais em 14 de outubro de 1944.

Estes oficiais, leais a Hitler, traziam os termos do Führer a Rommel: ir a Berlim, passar por um julgamento popular e inevitavelmente ser condenado à morte, condenando também sua família a ser confinada em um campo de concentração ou, sozinho, acompanhar os dois oficiais e ingerir veneno para suicidar-se, opção esta que garantiria a integridade de seus familiares.

Rommel sem dúvida escolheu a segunda alternativa, despediu-se da família e acompanhou os dois oficiais embarcando em seu automóvel vestido de general.

Pouco tempo depois, sua família recebeu uma ligação de um hospital avisando da morte do oficial.

Para encerrar o plano traçado, o decadente chefe do Estado germânico mandou um cartão de condolências pela morte do marechal-de-campo que seria “para sempre ligado às heróicas batalhas no norte da África”.

Pouco tempo depois, sua esposa recebeu uma ligação de um hospital que deu a notícia de sua morte.

Nos meios de comunicação da época, deu-se a notícia de que Erwin Rommel não teria resistido aos ferimentos de guerra.

Um grande cortejo fúnebre foi organizado em homenagem à “raposa do deserto”, que levava no caixão o segredo de um governo em crise.

Às 13:25 os Generais Burgdorf e Maisel, fizeram a entrega do cadáver de Rommel ao Hospital de Ulm.

O médico-chefe, que se dispunha a proceder a autópsia, foi prontamente interrompido por Burgdorf que lhe disse: “Não toque no corpo. Em Berlim já foram tomadas todas as providências.”

Talvez jamais se viria a saber o que exatamente se passou no caminho de Ulm.

Burgdorf pereceu com Hitler, no subterrâneo da chancelaria do Reich.

Maisel, que ao final da guerra foi condenado juntamente com o motorista da SS, afirmou ter recebido ordens de abandonar o carro por alguns momentos e quando retornou encontrou Rommel agonizando.

O funeral de Rommel foi celebrado em 18 de outubro de 1944 com as mais altas honrarias militares do III Reich e, oficialmente sua causa mortis foi anunciada como decorrendo dos ferimentos que recebera meses antes.

Seus restos mortais, depois de cremados, foram sepultados no cemitério próximo de sua casa.

Sua família não foi perseguida após sua morte.

Um dos seus filhos chegou ao cargo de presidente da câmara (Bürgermeister) da cidade de Stuttgart.

Muitas lendas foram criadas sobre o mito Rommel, que nunca havia sido questionado do ponto de vista militar e da conduta no campo de batalha.

Certa vez, encontrando-se sob violenta pressão britânica, o general conseguiu inverter a situação, dando aos inimigos a impressão de comandar grandes destacamentos.

Sabia que a RAF fotografava diariamente as linhas alemãs, então, ordenou que todos os veículos fossem movimentados à noite, crivando o solo do deserto com milhares de sulcos, e projetando a movimentação de um grande destacamento de blindados.

Diante disto, os ingleses bateram em retirada.

Como concluir esta historia nos dias de hoje?

Primeiro, ao que me parece, concluir que apesar de suas qualidades de soldado, Rommel foi um nazista consequente, que não podia ignorar os massacres da população civil, sobretudo na Europa oriental e na URSS.

Não foi portanto um herói impoluto.

Como Stauffenberg, apoiou a política imperialista e os massacres do nazismo, não havendo evidência em contrário.

A conspiração capitaneada por Stauffenberg mostra sem dúvida, sua coragem pessoal, associada a uma tentativa desesperada de salvar o imperialismo e, ao mesmo tempo, derrotar o que restava da revolução de outubro.

Todos movimentos de extrema-direita correm o mesmo perigo, pois seus dirigentes são recrutados pelo desejo pessoal de obedecerem a um imperativo reacionário; sua suposta honra consiste em defender o capitalismo e o imperialismo, mesmo às custas do abandono dos “heróis” ultrapassados e assim abandonados.

Eis um cenário que lembra algo que parece atual…


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