Médico do Incor denuncia: Com informações enganosas, lobby do amianto tenta emparedar Supremo

Tempo de leitura: 6 min

por Conceição Lemes

Desde 2017, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), estão proibidas no Brasil a extração, a produção e venda de produtos com amianto.

Porém, o lobby da fibra cancerígena, assassina, liderado pela Eternit, tenta manter a exploração do mineral para exportação.

A única mina existente no País fica em Minaçu, norte de Goiás, e pertence à Sama, controlada pela Eternit.

No dia 27 de abril, um grupo de senadores e o governador de Goiás, o médico Ronaldo Caiado, visitaram a mina e participaram de uma audiência pública em Minaçú.

Saíram alardeando informações científicas mentirosas sobre os perigos do amianto.

A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) divulgou nota repudiando o apoio dos senadores (veja ao final) à liberação da exploração do amianto no Brasil.

Abaixo,  em artigo exclusivo, o médico Ubiratan de Paula Santos denuncia esse absurdo.

Ubiratan é médico na Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração (Incor), do Hospital das Clínicas de São Paulo. Aí, ele coordena o ambulatório de pessoas expostas ao amianto.

Por descumprir um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT),  a Eternit foi multada em R$ R$1.697.862,13. Por indicação da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), esse valor foi destinado ao Incor-SP devido à sua excelência técnica no diagnóstico de doenças relacionadas ao amianto. Em consequência,  a instituição pôde adquirir novos equipamentos para exames de função pulmonar e contratar médico e dois técnicos para o setor. Na foto, o médico Ubiratan de Paula Santos explica à engenheira Fernanda Giannasi, assessora da Abrea, e à procuradora do Trabalho Marcia Kamei Lopez Aliaga como é o atendimento às vítimas do amianto. Foto: Sérgio Cruz/Abrea

Tabaco e Amianto – vidas paralelas: O lobby do amianto ataca novamente e tenta emparedar o Supremo Tribunal Federal

por Ubiratan de Paula Santos*

Regidas sob a exclusiva ótica do lucro a qualquer custo, as indústrias produtoras de riscos e seus interessados defensores, diretos ou indiretos, têm histórias semelhantes.

A indústria do tabaco, mesmo após a descoberta dos malefícios do consumo do cigarro como causador de doenças como os cânceres, doenças pulmonares e cardiovasculares crônicas (Richard Doll, e col. BMJ 1950, 1955,1976, 1994, 2000, 2004) e de que a nicotina era causa de dependência desde os anos 60, como atestam documentos da Philip Morris (Elias J, e col PLoS Med. 2018 May 1;15(5)), protelou esses reconhecimentos, responsabilizando os indivíduos por consumir por livre e de espontânea vontade seus produtos.

Guarda semelhança com as políticas que reforçam o controle de riscos centrado no indivíduo, como o aumento dos limites de velocidades nas cidades, a redução da fiscalização de velocidade em rodovias, pela redução de radares, a permissividade no uso de armas, que a pretexto da liberdade dos cidadãos, ainda que de matarem a si e aos outros, têm origem na visão pré-capitalista de redução da ação do Estado como protetor coletivo dos cidadãos, vigilante da lei e aplicador de responsabilidades apuradas sob o rigor das mesmas.

O consumo do tabaco foi responsável, em 2017, por mais de oito milhões de óbitos no mundo (Lancet 2018; 392: 1923–94). Ao longo da sua história, já sabendo dos malefícios, utilizou-se da indústria da propaganda, do cinema, do financiamento a eventos de toda natureza, da introdução dos filtros como se eliminadores dos riscos, dos sabores para atrair jovens e mulheres, dos aditivos para melhorar adição à nicotina e causar mais dependência.

Atualmente, com as progressivas quedas que vêm sendo observadas no consumo global do tabaco, para manter seus lucrativos negócios, lança mão do cigarro eletrônico, do aquecido  [ é um novo lançado no exterior, não é queimado] e, aqui no Brasil, encontrou guarida governamental para discutir a redução de impostos, como mecanismo de baratear os cigarros e melhor competir com o preço de cigarros contrabandeados, por eles mesmos produzidos.

Ou alguém considera que a produção de cigarros, sua embalagem, transporte e vendas ocorrem sem anuência das tabageiras?

Quem é responsável pela morte de oito milhões de pessoas por ano, não brinca em serviço.

História paralela vem ocorrendo com a indústria do amianto.

Desde 1955, está comprovado que ele é cancerígeno desde 1955 (Doll R , BIMJ 1952).

E, desde 1977, a Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer (IARC) reconhece que todas as suas variedades de fibras são cancerígenas ao ser humano.

Reafirmado seus efeitos cancerígenos em sucessivas avaliações da IARC, a última delas a Monografia 100C de 2012, com a comprovação de que não apenas o pulmão, a pleura e o peritônio estavam sujeitos ao risco de câncer, mas também o ovário, a laringe e provavelmente a faringe, estômago, cólon e reto, e que todas as fibras são cancerígenas, incluindo a crisotila, fibra predominante na mina de amianto localizada em Minaçú-GO, de propriedade do grupo Eternit.

Como no caso do tabaco, as mineradoras e manufatureiras de produtos com amianto vinham, primeiro, negando o efeito nocivo da fibra, depois que era possível seu uso seguro e controlado (como se fosse possível controlar o uso de um produto de venda livre em indústrias ou lojas comerciais), mais uma vez deixando aos indivíduos, os mais pobres que usam seus produtos, comprar e usar o produto com segurança para si, toda família e seus vizinhos, como se possível fosse.

Com o banimento do uso da fibra em mais de 60 países nos últimos anos, a aprovação de leis proibitivas do uso em diversos estados e municípios no Brasil, e a resolução do Supremo Tribunal de 11/2017, diversas empresas que fabricavam produtos de amianto cessaram o uso e passaram a produzir produtos com fibras artificiais, sobre as quais não existem, até o momento, evidências de serem cancerígenas e nem causadoras de fibrose pulmonar, para a espécie humana.

As empresas do grupo Eternit resistiram até o momento e apenas recentemente estão migrando para a fabricação de produtos com fibras artificiais.

Mas, insistem em manter a mineração em Goiás, alegando que deixarão de ter lucros, ameaçando atualmente de desemprego menos de 300 trabalhadores. Sua ganância pelo lucro a qualquer preço não guarda limites.

Não satisfeita de, por mais de 50 anos lucrar na extração, fabricação e venda de produtos causadores de cânceres e de fibrose pulmonar, apesar das evidências científicas na literatura internacional, e da possibilidade de serem fabricados produtos utilizando materiais alternativos.

Reclama agora, como evidenciado por amplas reportagens, entre elas a publicada no jornal Valor Econômico, de 03/05/2019, chantageando os trabalhadores da mina, para obter apoio dos que não vêm solução contra a ameaça de desemprego, e o Supremo Tribunal Federal, exigindo que permita a mina funcionar, sob pena de se desobrigar com os trabalhadores.

E tudo isto com apoio do Governador de Goiás – Ronaldo Caiado, do Presidente do Senado – Davi Alcolumbre e outros cinco seus colegas de casa.

A expectativa dos que defendem a saúde, a vida, a preservação ambiental é de que o STF não se curve às pressões da empresa e de seus lobistas governadores e senadores.

A SAMA/ETERNIT tem condições e deve arcar com os custos para uma vida digna de todos os trabalhadores empregados na Mina pelo resto de suas vidas.

Ganhou o suficiente nos mais de 50 anos de exploração da mina e na venda e uso dos produtos, que lhe permite compensar os prejuízos causados à saúde, à qualidade de vida e à vida das pessoas Brasil afora, além dos gastos impostos ao sistema público de saúde e à previdência social, fruto de uma irresponsável avidez pelo lucro. É preciso resistir.

São Paulo 03/05/2019

*Ubiratan de Paula Santos é médico na Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração-HCFMUSP

NOTA DA SBOC

A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), associação sem fins lucrativos filiada à Associação Médica Brasileira (AMB), vem manifestar seu repúdio ao anunciado apoio de senadores da República à liberação de produção de amianto no Brasil.

O amianto ou asbesto é uma fibra natural fortemente associada ao desenvolvimento de inúmeras doenças graves, como asbestose, câncer de pleura e peritônio (mesotelioma), câncer de pulmão e laringe.

A exposição ao asbesto ocorre por meio da inalação, tanto no ambiente de trabalho como em contato com material ou ambientes contaminados.

A OMS (Organização Mundial de Saúde) estima que, em 2004, a exposição ao asbesto causou cerca de 107 mil mortes e a perda de 1,5 milhão de anos de vida ajustados por incapacidade (DALY) no mundo.

No Brasil, entre 2000 e 2010, foram registrados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) 2,4 mil óbitos por agravos à saúde relacionados ao amianto.

Há dois principais tipos de fibra de asbesto: a crisotila e a anfíbola. Mas, ao contrário da informação veiculada pela Comissão Temporária Externa de Senadores, há dados na literatura que comprovam a associação de todos os tipos de fibra ao desenvolvimento de doenças. Não há exposição sem riscos.

Desde 2005, a OMS pediu urgência aos seus membros para que trabalhem pelo banimento do asbesto no mundo.

Atualmente, mais de 55 países já o fizeram. O Brasil está entre os cinco maiores produtores mundiais de amianto.

Em 2017, o STF (Supremo Tribunal Federal), no julgamento das ADIs 3406 e 3470, declarou a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei no 9.055/1995, proibindo o uso do amianto no país. Há risco de um enorme retrocesso, caso o Senado reverta essa decisão.


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Comentários

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Valdeci Souza

Melhor JAIR se acostumando !!!

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