Cimi denuncia avanço da covid nas aldeias de todo o País; pesar pela morte dos líderes Paulinho Payakan e Dionito Makuxi

Tempo de leitura: 7 min
Paulinho Payakan e Dionito Makuxi

Da Redação

Por meio de nota (na íntegra, mais abaixo), o  Conselho Indigenista Missionário (Cimi) voltou a denunciar nesta quarta-feira, 17/06, o aumento da disseminação do covid-19 nas aldeias indígenas de todo o Brasil e a necessidade urgente de ações de contenção.

A situação é calamitosa.

Segundo os números oficiais divulgados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), havia até ontem, 16/06, 103 óbitos e 3.079 casos confirmados.

Os dados coletados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) até o dia 14 de junho indicam que o quadro é ainda pior: 281 óbitos e 5.361 infectados pelo novo coronavírus.

Nesta semana, a covid-19 já causou a morte duas importantes lideranças indígenas.

Na segunda-feira, 15/06,  a vítima foi Dionito José de Souza Makuxi.

Liderança do povo Makuxi, Dionito foi coordenador do Conselho Indígena de Roraima – CIR, nos anos de 2007 a 2011, participando e organizando a luta pela recuperação do território Raposa Serra do Sol.

Na manhã desta quarta-feira, 17/06, faleceu em Redenção (PA) o grande líder Kayapó Bepkororoti, mais conhecido como Paulinho Payakan.

Reconhecido nacional e internacionalmente, Paulinho sempre lutou pelos direitos e respeito aos povos indígenas, em especial o seu povo Kayapó.

O Cimi divulgou uma nota de pesar pela morte de ambos. Na íntegra, ao final.

A Coordenação das Organizações indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) também homenageou Paulinho Payakan. Na íntegra, ao final.

CIMI: TRANSMISSÃO DO CORONAVÍRUS SE AGRAVA NAS ALDEIAS E DEMANDA AÇÕES URGENTES 

Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

O Cimi se solidariza e se coloca também em luto junto às inúmeras famílias que choram pela morte de seus entes queridos, impedidos de dar-lhes seu último adeus

O Conselho Indigenista Missionário – Cimi vem a público, mais uma vez, denunciar o agravamento do contágio por coronavírus no interior das aldeias indígenas em todo o Brasil, e exigir providências das autoridades frente a essa situação calamitosa, que tem vitimado inúmeros indígenas.

O Cimi se solidariza e se coloca também em luto junto às inúmeras famílias que choram pela morte de seus entes queridos, impedidas de dar-lhes seu último adeus; entre esses, há muitas lideranças, em especial as mais idosas, baluartes da história e cultura viva de seus povos, que estão morrendo pela covid-19.

No Brasil, nesses três meses de pandemia, os números oficiais divulgados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) indicam a ocorrência de 103 mortes de indígenas por covid-19 e pelo menos 3.079 indígenas contaminados até o dia 16 de junho.

Já de acordo com os dados coletados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) até o dia 14 de junho, os números são ainda mais assustadores: 281 indígenas mortos e 5.361 contaminados pelo novo coronavírus.

Essa tragédia só não é maior devido às providências tomadas pelos próprios indígenas de fechar os seus territórios logo no início da pandemia.

Mesmo assim, a contaminação se alastrou em Manaus (AM) e continua se alastrando nas regiões do alto e médio Solimões, Vale do Javari, Rio Negro, no estado do Amazonas, e também nos estados de Roraima, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Maranhão, Ceará, Pernambuco, assim como no litoral Sul do Brasil. Em todas estas regiões, o vírus já está presente no interior das aldeias.

Diante desse quadro de morte, dor e sofrimento dos povos indígenas, assistimos, perplexos, às falas e posturas de ignorância e descompromisso das autoridades do governo federal, que são manifestas de forma desenfreada.

Não bastando o discurso de ódio do presidente da República, do ministro da Educação, o “passar a boiada” do ministro do Meio Ambiente, ainda o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), cujo dever institucional e constitucional seria o de proteger as populações indígenas, edita a Instrução Normativa nº 09 – por meio da qual a Funai permite o reconhecimento dos limites de imóveis privados em terras indígenas – e agora fala na elaboração de um novo decreto de demarcação de terras indígenas.

Seguindo os mesmos padrões, o secretário da Sesai, em vídeo e documento, espalha boatos, colocando povos contra povos, em relação ao Projeto de Lei nº 1142, que propõe a criação de um plano emergencial de enfrentamento à covid-19 para povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais.

Essas posturas e ações por parte de membros do governo federal são gravíssimas, inconstitucionais, e ocorrem em um período de extrema gravidade do contágio do coronavírus, não contribuindo em nada para o enfrentamento da pandemia.

Pelo contrário, corroboram a discriminação, o preconceito, a violência e o extermínio desses povos, e das demais populações pobres no Brasil.

Infelizmente, constatamos que hoje no Brasil existe uma postura institucionalizada de violência contra os povos indígenas e os seus direitos, que fere os preceitos de nossa Constituição Federal.

Que essas autoridades sejam devidamente responsabilizadas pelo não cumprimento da lei maior do país.

Exigimos do atual governo o respeito a essa situação grave pela qual passa toda a população brasileira, em especial os povos indígenas.

Assuma as suas responsabilidades constitucionais de cuidar e de se relacionar com a totalidade da sociedade, e não apenas com uma parcela.

É urgente um plano de ação do governo para conter o avanço do coronavírus nos territórios indígenas, que contemple o combate às invasões, a retirada de invasores e a estruturação das equipes multidisciplinares com profissionais, equipamentos e insumos para a devida assistência às comunidades que estão clamando por socorro nas várias regiões do Brasil, e que faça chegarem benefícios emergenciais e alimentos com segurança, agilidade e cuidado.

Reafirmamos a nossa contrariedade com relação a essa política de ódio, integracionista, preconceituosa e violenta contra os povos indígenas, concebida por um governo descompromissado com os reais interesses da população, com a cidadania e com a soberania do Brasil.

Ao mesmo tempo, reafirmamos o nosso apoio e compromisso com os povos indígenas, suas comunidades, lideranças e organizações, na sua luta pela existência e resistência nos seus territórios, sejam eles em área rural ou urbana.

Conclamamos toda a sociedade a continuar com as ações solidárias aos pobres e às populações indígenas em todo o Brasil, sensível ao sofrimento desses irmãos e irmãs e em contraposição ao discurso e às ações de violência que partem de quem deveria defendê-los.

Reafirmamos também a importância da denúncia e da luta na defesa dos direitos constitucionais dos povos indígenas, tanto no âmbito nacional e internacional de defesa de direitos humanos.

Com os povos indígenas, seguimos aprendendo o significado da solidariedade e da gratuidade, redescobrindo a profunda articulação entre a vida cotidiana e o sagrado e as incontáveis maneiras de construir em nosso meio o Reino de Justiça, de Paz e de Liberdade.

Brasília, 17 de junho de 2020

Conselho Indigenista Missionário

Dionito Makuxi. Foto: Conselho Indígena de Roraima – CIR

NOTA DE PESAR
O Conselho Indigenista Missionário – Cimi vem, com tristeza e pesar, se solidarizar pela morte das lideranças indígenas Dionito José de Souza Makuxi e Paulinho Payakan

O Conselho Indigenista Missionário – Cimi vem, com tristeza e pesar, se solidarizar pela morte das lideranças indígenas Dionito José de Souza Makuxi e Paulinho Payakan.

Dionito Makuxi faleceu no dia 15 de junho de 2020, vítima da covid-19.

Liderança do povo Makuxi, Dionito foi coordenador do Conselho Indígena de Roraima – CIR, nos anos de 2007 a 2011, participando e organizando a luta pela recuperação do território Raposa Serra do Sol. Também contribuiu com a organização e articulação do movimento indígena nacional, na luta pela efetivação das direitos das políticas públicas de saúde e Educação diferenciada.

Paulinho Payakan faleceu em 17 de junho de 2020, em Redenção, no estado do Pará. Também vítima da covid-19, Paulinho foi uma das grandes lideranças do povo Kayapó, reconhecido nacional e internacionalmente. Sempre lutou pelos direitos e respeito aos povos indígenas, em especial o seu povo Kayapó. A sua luta fez repercutir a luta de todos os povos indígenas. Participou ativamente da luta pela demarcação do território do povo Kayapó na década de 1980, e da Constituinte, em 1988, para a inclusão dos artigos 231 e 232; portanto, uma grande perca para os povos indígenas no Brasil. Foi sempre uma voz de respeito no tema da proteção ao meio ambiente, principalmente em âmbito internacional.

Neste momento de dor, nos solidarizamos com os povos indígenas no Brasil, com os familiares e amigos de Dionito José de Souza Makuxi e de Paulinho Payakan.

Agradecemos a dedicação destas lideranças na luta do seu povo, de todos os povos e do movimento indígena no Brasil e no mundo.

Que a semente plantada cresça e dê frutos, e alimente de esperança a todos nós.

Paulinho Payakan VIVE, Dionito Makuxi VIVE!

Brasília, 17 de junho de 2020

Conselho Indigenista Missionário

HOMENAGEM DA COIAB E DOS POVOS INDÍGENAS DA AMAZÔNIA BRASILEIRA PARA O LÍDER BEPKOROROTI PAYAKAN KAYAPÓ

COIAB

Partiu nesta manhã o grande líder Kayapó Bepkororoti, mais conhecido como Paulinho Payakan. Mais uma vida levada pela Covid-19! Para os povos indígenas, em especial os Kayapó, mais uma enciclopédia de conhecimento tradicional que se vai! Para nós, do movimento indígena, mais um companheiro de luta e liderança de referência que nos deixa!

Payakan saiu ainda jovem de sua aldeia e passou um tempo trabalhando com a Funai e conhecendo cidades e a vida fora da Terra Indígena, como estratégia para “pesquisar o mundo dos kuben (não-indígenas)”, como gostava de dizer. Quando retornou ao seu território, já como uma jovem liderança, teve participação fundamental em vários processos de luta do seu povo, inclusive na demarcação da Terra Indígena Kayapó nos anos 1980.

Payakan participou nas discussões da Assembleia Constituinte que asseguraram a inclusão dos Artigos 231 e 232 na Constituição Federal de 1988, tão importantes para os povos indígenas no Brasil. Inteligente, ótimo orador e grande estrategista, sua voz em defesa dos povos indígenas foi bem longe, no Brasil e no mundo, em várias viagens internacionais, divulgou a luta indígena, buscou parceiros e fez inúmeras denúncias.

Payakan também foi um grande defensor do meio ambiente, tendo papel chave na articulação dos povos indígenas com a temática ambiental e do desenvolvimento sustentável.Foi uma referência internacional para o assunto. Entre as várias homenagens, foi capa da importante revista Parade (Washington Post) com o título “O homem que poderia salvar o mundo”.

Payakan nunca deixou de usar sua inteligência e voz para lutar pelos povos indígenas. Sempre foi atuante na sua região, nos assuntos relacionadas aos Kayapó.

Em 2016, foi eleito Presidente da FEPIPA, pois estava engajado na luta dos povos do Pará, e com frequência em Brasília em diversos movimentos, tendo presença marcante nos Acampamentos Terra Livre.

Payakan é o símbolo de uma liderança indígena! Muito ligada às suas tradições e orgulhoso da beleza da cultura Kayapó! Mas também ligado na modernidade, fazendo filmagens, tirando suas fotos e conectado com o mundo.

Da sua generosidade de compartilhar conhecimentos e sabedoria, da sua força e inteligência para a luta, mas também de sua alegria contagiante. Payakan nos deixa com muitas lembranças e inspirações! Ficaremos aqui dando continuidade as batalhas em defesa dos nossos direitos e com saudades e ótimas lembranças.

Vá em paz nosso GRANDE e INESQUECÍVEL GUERREIRO Bepkororoti Payakan!

Manaus, 17 de junho de 2020

Coordenação das Organizações indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)


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Zé Maria

Nove Ex-Ministros do Meio Ambiente publicam “Carta
Aberta em Defesa da Democracia & Sustentabilidade”

Ex-titulares do Meio Ambiente apelam a governadores, prefeitos, STF e PGR
por ações concretas para conter a destruição de biomas e as ameaças a indígenas e quilombolas

“Vivemos inédito momento histórico de aviltamento e ameaça à democracia,
de parte do próprio poder Executivo por ela constituído”, afirmam os
ex-ministros.
“A omissão, indiferença e ação anticientífica do governo federal transformaram
o desafio da COVID-19 na mais grave tragédia epidemiológica da história recente
do Brasil, causando danos irreparáveis à vida e saúde de milhões de brasileiros.”

O documento é assinado por Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause,
José Carlos Carvalho, Izabella Teixeira, Marina Silva, Rubens Ricupero,
Sarney Filho e José Goldemberg.

Íntegra:

“Carta Aberta do Fórum de ex-Ministros do Meio Ambiente
do Brasil em Defesa da Democracia & Sustentabilidade

Vivemos inédito momento histórico de aviltamento e ameaça à democracia consagrada na Constituição de 1988 de parte do próprio poder Executivo por ela constituído.

A omissão, indiferença e ação anticientífica do governo federal transformaram o desafio do Covid 19 na mais grave tragédia epidemiológica da história recente do Brasil,causando danos irreparáveis à vida e saúde de milhões de brasileiros.
A tragédia seria ainda maior não fosse a ação de Estados e Municípios, apoiados pelos poderes Legislativo e Judiciário.

A sustentabilidade socioambiental está sendo comprometida de forma irreversível por aqueles que têm o dever constitucional de garanti-la.
A destruição dos Biomas brasileiros avança em taxas aceleradas que não se registravam há mais de uma década, com aumentos expressivos de desmatamentos na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica, enquanto os órgãos ambientais e normas federais são sistematicamente desmantelados.
Povos indígenas, comunidades quilombolas e populações tradicionais veem crescer de modo exponencial as ameaças aos seus territórios e às suas vidas.

A degradante reunião de 22 de abril passado é o retrato fiel desse desgoverno, com horas dedicadas a ofender e desrespeitar de maneira abjeta os demais poderes do Estado, sem uma palavra de comando para o enfrentamento da crise econômica ou superação da crise “pandêmica”.

A única menção à pandemia, feita pelo ministro do Meio Ambiente, não se destinou a estabelecer conexões entre a agenda da sustentabilidade e os desafios na saúde e na economia, mas, inacreditavelmente, para se aproveitar do sofrimento geral em favor dos nefandos interesses que defende.
Na ocasião, confessou de público o que pode caracterizar crime de responsabilidade, por desvio de função e poder, ao revelar o verdadeiro plano em execução por este governo que é “passar a boiada” sobre a legislação socioambiental aproveitando o “momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de COVID”.
Causa indignação e espanto que a proposta não merecesse reprimenda em nome do decoro, nem reparo dos presentes, em defesa da moral e da honra.

Responsáveis durante décadas pela política ambiental desde a redemocratização do país, criamos este Fórum para demonstrar que a polarização e radicalização promovidas pelo governo podem e devem ser respondidas com a união e colaboração entre pessoas de partidos e orientações diferentes fieis aos valores e princípios da Constituição.

Como ex-ministros do Meio ambiente nossa responsabilidade específica se consubstancia na valorização e preservação do meio ambiente e no desenvolvimento sustentável.
Aprendemos, porém, pela dura experiência como atual governo, que quando a democracia, a liberdade e a Constituição são ameaçadas e/ou violentadas os primeiros valores sacrificados são os relativos ao meio ambiente e aos direitos humanos.

Sem Democracia forte, não haverá sustentabilidade.

Sem sustentabilidade, não haverá futuro para nenhum povo.

Diante do exposto, solicitamos:

– aos Ministros do Supremo Tribunal Federal que velem pelo cumprimento efetivo dos princípios constitucionais de preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo “essencial” à sadia qualidade de vida assim como pela independência entre os Poderes;

– aos membros do Congresso Nacional para que, sob a coordenação dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, assegurem o controle dos excessos e omissões do Poder Executivo Federal, não permitindo a tramitação e aprovação de Projetos de Lei e Medidas Provisórias que fragilizem ou promovam retrocessos na legislação socioambiental;

– aos Governadores e Prefeitos que, diante da situação criada pela ausência de liderança e ação prejudicial do Presidente da República, sigam firmes no enfrentamento responsável da pandemia usando de todos os recursos disponíveis, garantindo transparência máxima na divulgação dos dados e promovam políticas públicas de conservação ambiental e desenvolvimento sustentável, bloqueando a escalada de destruição de nossos Biomas;

– ao Procurador Geral da República, que adote as medidas jurídicas cabíveis de forma firme e tempestiva para barrar iniciativas de estímulo à degradação do meio ambiente, promovidas pelo governo federal, assim como cumpra o compromisso constitucional de examinar com imparcialidade e presteza as denúncias de crimes de responsabilidade potencialmente cometidos pelo ministro do Meio Ambiente de acordo com representações protocoladas a esta PGR durante a Semana do Meio Ambiente.

Fazemos um apelo em favor de uma urgente união nacional em defesa da Constituição e da edificação de um Brasil à altura das aspirações do povo brasileiro por uma Nação plenamente Democrática, Plural e Sustentável.”

Brasília 10 de junho de 2020.

Respeitosamente,

Carlos Minc
Edson Duarte
Gustavo Krause
José Carlos Carvalho
Izabella Teixeira
Marina Silva
Rubens Ricupero
Sarney Filho
José Goldemberg

| Reportagem: Carolina Freitas — De São Paulo | Valor Econômico | 18/06/2020 |

https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/06/18/carta-de-ex-ministros-chama-governo-de-anticientifico.ghtml

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