Carlos Ocké: Plano popular de saúde, o barato que sairá caro para o SUS e consumidores
Tempo de leitura: 4 min
Por Carlos Ocké*
Quem está coberto por planos de saúde acompanha com apreensão o debate sobre as novas regras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Capturada pelo setor que deveria regular, a ANS permite que as operadoras imponham medidas prejudiciais aos consumidores, à concorrência regulada e à qualidade dos serviços — seja na agenda setorial, seja no Judiciário (com o veto a ações regulatórias) ou no Legislativo (com o bloqueio a CPIs).
Um exemplo recente: em 2023, a ANS cedeu à pressão das operadoras e flexibilizou as regras dos ativos garantidores — recursos que asseguram o cumprimento de obrigações financeiras em caso de insolvência. O percentual permitido para ativos não monetários saltou de 20% para 50%, aumentando os riscos para os consumidores.
Dois fatores marcam a trajetória recente do setor: a oligopolização e os efeitos da covid-19.
Dados oficiais mostram que o número de operadoras caiu de 1.501 (2009) para cerca de 700 (2025).
Em particular, durante a pandemia, apesar do discurso das operadoras sobre prejuízos nesse período, o setor viveu um movimento acelerado de concentração e registrou lucros recordes de R$ 20 bilhões em 2020 — graças à redução no uso de serviços pelos usuários.
No pós-pandemia, apesar das joint ventures, com a desaceleração das aquisições e a pressão por resultados sólidos nos balanços, as operadoras intensificaram a guerra por market share.
Para agradar acionistas, adotaram estratégias predatórias: venderam planos abaixo do custo para ampliar a base de usuários e, logo sem seguida, impuseram reajustes abusivos, negativas de cobertura e cancelamentos unilaterais. O resultado? Lucros expressivos em 2024, com reclamações disparando.
Apesar da recuperação financeira dos planos e o crescimento do número de usuários, a ANS hoje está soterrada pelo enorme número de processos, enquanto o mercado — oligopolizado, com preços altos e qualidade duvidosa — esgotou sua capacidade de expansão dentro do que prevê a lei. O consumidor, sem renda para pagar mais, ainda enfrenta o risco de ser excluído na revisão de sinistralidade.
Apoie o VIOMUNDO
Diante desse cenário, a ANS propõe um pacote de mudanças que inclui planos ambulatoriais com cobertura reduzida, que será rediscutido na câmara técnica aberta pela agência. Neste fórum, é preciso redobrar a atenção, para que a sociedade seja de fato ouvida e ele não seja apenas mais um ritual para cumprir tabela.
Sob a retórica de “democratizar o acesso”, o plano popular pode se tornar um mecanismo para transferir custos ao SUS e para subtrair a qualidade da atenção à saúde dos consumidores, enquanto as operadoras ampliam lucros: as operadoras registraram, no primeiro trimestre deste ano, lucro líquido de R$ 6,9 bilhões, mais que dobrando o valor de R$ 3,1 bilhões apurado no mesmo período em 2024.
Cabe destacar, nos últimos anos, esse é o trimestre com melhor desempenho em termos de margem de lucro, perdendo apenas para o segundo trimestre de 2020, quando se iniciou o lockdown na pandemia.
Na verdade, o chamado “plano popular” tem por objetivo encher o bolso dos bilionários da saúde, atraindo a clientela de cartões de desconto e clínicas populares, abrindo nova fronteira de acumulação para as operadoras. Além disso, usuários de planos coletivos (80% do mercado) podem acabar sofrendo redução de cobertura (downgrade), sem garantias contra reajustes abusivos.
Vale dizer, do ponto de vista econômico, por meio de diversos mecanismos, o padrão de financiamento público e o SUS socializam, em alguma medida, o custo de reprodução dos planos privados.
No caso do “plano popular” (preço e risco baixos), isso fica escancarado: as operadoras lucrarão com a abertura desse nicho de mercado e ao SUS caberá atender os casos mais graves, em geral mais custosos e complexos.
Caso persistam dúvidas quanto a essa obviedade, basta a ANS se reunir com o Ministério da Saúde para verificar a taxa de encaminhamento de casos complexos do mercado para o SUS (ex.: oncologia, cardiologia etc.), ou ainda, estimar o lucro das operadoras nesse segmento vs. o custo evitado por não cobrir procedimentos caros.
E, finalmente, atendendo apenas 25% da população, como pode um setor que faturou R$ 315 bilhões em 2024 — mas acumulou 370 mil reclamações pelo desajuste entre preço e qualidade do serviço (tratamento oncológico é um dos “campeões” do ressarcimento) — resolver o gargalo de acesso do SUS, que atende o conjunto da população, com um produto mais barato e simplificado?
Deste modo, uma alternativa viável para reconstruir a política regulatória da ANS, considerando que a maioria dos usuários pertence à população economicamente ativa, que ganha entre 2 e 10 salários-mínimos, é fortalecer a regulação dos planos empresariais (pisos de sinistralidade equilibrados atuarialmente; pool de usuários com tamanho eficiente; e fim das rescisões unilaterais discricionárias).
Seguindo a experiência do Rol Exemplificativo, que obriga as operadoras a cobrirem procedimentos fora da lista, desde que comprovada sua necessidade para o tratamento do paciente, essa medida, sim, teria uma forte repercussão positiva junto à opinião pública.
Fica claro que o governo deve fazer um esforço para discernir a realidade das percepções enganosas: planos baratos vendidos no mercado não resolverão, tampouco mitigarão os problemas de saúde da população brasileira.
Em um setor oligopolizado, verticalizado e financeirizado, apenas regulação forte garantirá preços justos e qualidade.
*Carlos Ocké, economista, doutor em saúde coletiva pela UERJ e autor do livro “SUS: o desafio de ser único”. Atualmente, é técnico de planejamento e pesquisa do Ipea.
Comentários
Marco Paulo Valeriano de Brito
Zé Maria
18/06/2025 – 19h57
.
.
Só por curiosidade, os seres humanos, quando adoecem
e buscam – e pagam – o tratamento médico para cura
das próprias enfermidades, passam a ser consumidores?
*RESPONDENDO AO ZÉ MARIA:
Na lógica do sistema capitalista SIM!
A burguesia não vê o povo como cidadão.
Para esse sistema, sob domínio do capital e do mercado, somos todos “consumidores” de bens e/ou serviços, o que não exclue a Saúde.
Por isso, luto contra o conceito capitalista, que inclui a Saúde como lógica de mercado.
Saudação Fraterna e Aquele Abraço!
Marco Paulo Valeriano de Brito
Zé Maria
.
.
Só por curiosidade, os seres humanos, quando adoecem
e buscam – e pagam – o tratamento médico para cura
das próprias enfermidades, passam a ser consumidores?
.
.
Zé Maria
Na origem, os Planos Privados de Saúde
são Economicamente Discriminatórios,
o que, em tese, atenta contra a Eqüidade,
a Integralidade e a Universalidade, Princípios
inscritos na Constituição Federal de 1988
que garante a Saúde como Direito Fundamental
de TODOS os Cidadãos, independente de Classe.
Marco Paulo Valeriano de Brito
A ANS PRECISA SER DE FATO UMA AGÊNCIA REGULADORA ESTATAL DA SAÚDE INDIVIDUAL SUPLEMENTAR
Concordo plenamente com este artigo do amigo e companheiro Carlos Ocké Reis.
Juntos lutamos pelo SUS, e pela Reforma Sanitária Brasileira, e creio que o companheiro Ocké veja a saúde suplementar privada como um mercado para poucos, que tem que ser regulado e oferecido como planos individuais e sem qualquer renúncia fiscal e/ou subsídios públicos.
Nesses termos, a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar tem que de fato e de direito ser uma agência de Estado que cumpra o seu papel regulatório e fiscalizador, sem se submeter a interesses escusos e se deixar capturar e/ou cooptar pelo mercado, que deveria regular, propiciar a concorrência econômica democrática e equilibrar a oferta dos serviços às necessidades de seus consumidores.
Enfim, o público e estatal em Saúde é dever do Estado, prestado pelo SUS, direito do Povo Brasileiro, que deve avançar sempre, por meio de uma reforma sanitária brasileira continuada e permanente, e sem qualquer complementariedade, por pretensas parcerias público-privadas, ou artimanhas de flexibilidade neoliberal promovidas por governos de ocasiões.
Concluo, insistindo na oposição a intromissão e atuação do mercado privado no SUS e que a iniciativa privada na economia da saúde se atenha a participação na reindustrialização do país, na pesquisa científica e tecnológica, na logística, na infraestrutura, na produção de insumos, equipamentos, e na assistência direta apenas por planos de saúde privados individuais específicos, auto-financiados e devidamente regulados e fiscalizados pela ANS, para a parcela minoritária da população que possa efetivamente pagá-los.
Marco Paulo Valeriano de Brito
Enfermeiro-Sanitarista, Professor, Gestor Público e Servidor Federal Aposentado do Ministério da Saúde do Brasil
*NOTA AOS CAMARADAS DA ESQUERDA E PROGRESSISTAS DO BRASIL
Amigos, amigas, companheiros, companheiras e camaradas!
Com meus cumprimentos,
O Lula III se recusa a fazer uma aliança crítica e ideológica à esquerda, e não quer governar diretamente com o povo mais progressista.
Optou por esta coalizão com a centro-direita e está se deixando encilhar.
O Partido dos Trabalhadores se acomodou com a polarização idiota, esquizofrênica e idiossincrática com o Bolsonarismo.
PT, e Centro-Esquerda, abdicaram de liderar a luta e a resistência ideológica junto às bases da população brasileira civil organizada.
Tem um núcleo duro medíocre, que Lula defende, sob a gestão do ministro da Casa Civil.
Tenho escrito e me manifestado, contudo, me vejo isolado e alijado de todos os grupos e coletivos, que sem críticas apoiam tudo no governo Lula III, ao meu ver por interesses em cargos, seja para se manter, ou porque ainda almejam ser nomeados.
A bajulação é a norma do pragmatismo utilitário.
Os puxa-sacos são muitos, e estão por toda parte.
Me cancelaram e me isolaram.
De minha parte sigo defendendo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, contudo, seguirei criticando o que entendo ser incoerente com os ideais de Esquerda, com projetos e programas contraditórios ao avanço progressista, e o que percebo inconsistente com um Projeto de Nação desenvolvida e ecossustentável.
Seguirei lutando e resistindo pela Democracia Popular e pelo avanço do Brasil para uma Nação independente, soberana e ecossocialista, que garanta bem-estar, justiça social e qualidade de vida para a maioria dos brasileiros e brasileiras.
Em 2026 veremos quem estava certo!
Saudação Fraterna!
Aquele abraço,
Marco Paulo Valeriano de Brito
Enfermeiro-Sanitarista
Brasil, 18 de Junho de 2025