Toddy, sexo ao vivo e Restart (você sabia que seu filho ou filha faz sexo em rede?)
Tempo de leitura: 6 minPor: Conceição Oliveira, no twitter: @maria_fro
Sexta-feira, por volta das 23 h, subi aqui no Blog da Mulher um texto que até o momento 321 pessoas, além de o lerem, compartilharam o link entre os seus seguidores da rede twitter, mais algumas dezenas com seus amigos da rede facebook e outras redes. Entre os mais de 70 comentários e dezenas de mensagens que recebi pelo twitter percebi o quanto homens e mulheres, muitos deles pais e educadores, estão interessados em discutir o sexismo.
No domingo de madrugada qualquer usuário do twitter pôde saber muita coisa do adolescente de 16 anos que expôs, via twitcam (a tevê ao vivo do twitter ), a amiga de 14 anos para outros milhares de usuários daquela rede social.
Cerca de 25 mil espectadores (adultos e adolescentes) assistiram, ao vivo e a cores, uma adolescente, que posteriormente disse ter 14 anos, sentada no colo do amigo, consentindo ser bolinada. Durante a transmissão na madrugada o vídeo foi gravado, algumas imagens dos momentos mais picantes foram ‘printadas’ (copiadas como arquivo de foto direto da tela do computador) e inundaram a rede quase que simultaneamente à transmissão.
No twitter, o adolescente mantinha o perfil ‘@damzinho’, associado a outros perfis: no formspring (conta de perguntas e respostas, também ligada ao twitter); no Orkut, no Youtube etc.
A primeira notícia sobre sexting que acompanhei pelo twitter
Na madrugada de segunda-feira, enquanto o adolescente gaúcho expunha a sua parceira de 14 anos diante da câmera, com o consentimento dela, mulheres e homens no twitter acusavam-no de ‘pedófilo’, espalharam a notícia de que a ‘vítima’ era uma criança e, ainda por cima, irmã do ‘agressor’.
Quando vi pipocar na minha timeline a denúncia estranhei. Sou mãe de adolescente, já li muito sobre pedofilia na rede e fora dela. Pela literatura que conheço, de modo geral, pedófilo não tem este comportamento. Expor-se de maneira tão primária na rede, para milhares de pessoas, é correr o risco de perder o acesso à sua vítima.
Ao ler as primeiras mensagens me assustei, tal era o nível de alarde que as pessoas faziam. Foram atrás de delegado twitteiro que combate crime na web e que se opõe aos especialistas em internet contrários ao controle da rede. Os especialistas que defendem a liberdade da rede alertam que estabelecido o controle todos nós teríamos nossos dados de navegação expostos sendo ou não criminosos. A promessa dos que defendem o controle da internet a pais e educadores distantes e assustados com as redes sociais é um sossego que não virá.[1]
Quanto a mim, procurei entender o que se passava. Tentei em vão fazer algumas considerações a respeito do que imaginava estar ocorrendo. Em minutos, o indivíduo, cuja conta era @damzinho, já tinha se transformado em um ‘pedófilo’ e ainda por cima ‘incestuoso’.
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Ele toma achocolatado, ela liga para o pai e Zero Hora acha que dá notícia
Na segunda-feira, no começo da tarde, retomei a discussão no twitter. Vi que o assunto continuava vivo e caminhando para uma linha criminalizadora e perseguidora que só irá distanciar os adultos deste tema e afastar a possibilidade de alcançar os adolescentes. No nível em que chegavam as mensagens na minha timeline, não seria surpresa se ao ser reconhecido na rua por alguns dos twitteiros e twitteiras mais moralistas este adolescente sofresse agressão física.
O artigo 241 do ECA proíbe a produção e veiculação de imagens de menores em cenas de sexo explícito. Se este caso for à Justiça, imagino que a idéia do que é sexo explícito vai se tornar um debate entre os advogados.
De todo modo, segunda-feira à tarde, enquanto o Zero Hora anunciava que a polícia ia investigar o adolescente, ele criou outra conta no twitter com acréscimo de uma letra e abriu novamente sua twitcam. Acompanhado da mesma menina exposta e que se expôs na madrugada, tomava um ‘toddy’ enquanto se explicava e se vangloriava do ocorrido. A garota respondia algumas perguntas da legião dos adolescentes que correram para a twitcam da nova conta do adolescente, transformado em ‘mito’ da noite para o dia. Na rede é assim, num clique se apaga uma conta e num outro se cria uma nova. A segunda conta ele apagou logo em seguida.
Na conversa da tarde de segunda-feira a garota disse que tem 14 anos, que ‘perdeu a virgindade’ aos 13 e que não foi com o adolescente que a bolinou em frente à câmera na madrugada. Questionada se tinha orgulho do que fez, respondeu que não, mas que tinha perdido no jogo e tinha de pagar. Na madrugada, ambos jogaram Uno e quem perdesse teria de se submeter ao outro na twitcam. Uma questão em aberto: como uma adolescente de 14 anos está de madrugada no quarto de um amigo adolescente de 16 anos?
Num dado momento a garota diz que precisa ligar para o pai. O garoto avisa na twitcam que fará silêncio para ela fazer a ligação para o ‘velho’. A garota liga para o pai e se senta novamente ao lado do garoto.
Enquanto isso, na tela, pululam dezenas de perguntas e comentários de outros adolescentes ao casal de amigos, as estrelas da twitcam, que respondem com tranqüilidade as questões.
Copiei da tela do computador um momento menos constrangedor:

Print Screen de segunda-feira à tarde, feito durante a exibição, via twitcam, dos adolescentes de Porto Alegre que na madrugada exibiram-se em cenas eróticas na rede.
O próprio corpo tratado como um objeto
“O adolescente já tem uma necessidade de arriscar, de afrontar a vida. Ele se sente onipotente. Desafia a vida e a morte como se pudesse triunfar sobre tudo isso. Na verdade, ele está se sentindo uma formiguinha, mas não pode se expor como uma formiguinha. Ele tem que parecer potente.”
(…)
O corpo, a relação sexual com sua intimidade ficam esvaziados de sentido para se reduzirem à coisa. O objetivo não é a relação, e sim, a competição, que poderia acontecer com qualquer outro objeto. No caso, o objeto é o corpo em relação sexual. O que preocupa, então, é essa perda do sentido do contato amoroso, ou mesmo, do simples contato físico, que mereceria lugar privado e teria de ficar restrito apenas ao casal em questão.” (Élide Camargo Signorelli, Terra Magazine)
Buscando uma excessiva visibilidade na rede esses adolescentes permitem que, em poucos segundos, qualquer um saiba o seu nome completo, sua idade, a escola onde estuda, o local de trabalho etc.
Eles querem notoriedade, não querem passar despercebidos. Querem ser vistos e reconhecidos e o modo que encontram para isto é tornar suas experiências sexuais um espetáculo na rede.
São adolescentes como os que vocês têm em sua casa ou na sala de aula ou encontram na vizinhança. Tomam ‘toddy’, ouvem bandas como Restart, ligam para os pais para não deixá-los preocupados.
Não são seres assexuados que num passe de mágica, ao atingirem a maioridade, tornam-se portadores de desejos sexuais. Indivíduos saudáveis quando entram na puberdade afloram desejos, namoram, ‘ficam’, querem fazer e fazem jogos eróticos. No mundo tecnológico e em rede no qual vivemos, a grande diferença é a de que não é apenas mais fácil tornar públicas essas experiências do campo privado, mas é desejo de muitos adolescentes torná-las públicas.
Seres humanos em transformação, com os hormônios à flor da pele, estimulados pelos apelos midiáticos da exposição muito provavelmente seguiam Tessália no twitter, a personagem que no ano passado foi fenômeno na rede social que mais cresce no Brasil (já somos o segundo país com mais usuários nesta rede). Tessália foi parar no BBB e supostamente praticou felação em outro membro do BBB embaixo do edredon e subiu os índices de audiência da rede Globo. BBB que muitos de vocês acompanham e que é exaustivamente narrado no twitter quando é exibido.
Alguns são muito novos para lembrarem do vídeo caseiro de Paris Hilton se exibindo em suas performances sexuais ou o de Daniela Cicarelli e o namorado flagrados na praia fazendo sexo. Outros possivelmente viram a propaganda do Kin, celular voltado para o público adolescente e redes sociais da Microsoft, cuja propaganda tinha como tema o sexting.
Enquanto eu escrevia este texto, vejo no twitter um link de mais um vídeo do garoto exibicionista disponível no Youtube. Parece ter sido gravado no banheiro (para ter privacidade?). Nele o garoto explicava pela enésima vez que não é pedófilo, que é ‘de menor’, que a garota consentiu, que tudo era resultado de um jogo etc. etc. Não havia passado uma hora que vídeo estava no Youtube e já tinha mais de 300 visitas e muitos comentários.
Dado o sucesso que foi a atuação dos novos candidatos juvenis de Porto Alegre a futuros BBB, podemos imaginar o que os próximos adolescentes farão para superar este feito e se tornarem a ‘celebridade virtual’ da vez. E nós o que faremos?
Notas de atualização: Hoje, terça-feira, o adolescente foi ouvido pela polícia e liberado, veja aqui.
Numa rápida passagem pelo twitter nesta tarde, com uma coluna aberta para pesquisa, vi chamadas para várias twitcams. Numa, duas adolescentes foram bastante xingadas, porque abriram a twitcam para conversar e não tiraram a roupa.
[1] Releiam, por favor, o subitem Não criamos caprinos, aqui. Convidarei um professor, sociólogo, especialista em rede para escrever um texto voltado a pais e professores sobre a questão da segurança na rede e adolescência. Também providenciaremos entrevistas com psicólogos e médicos especializados em sexualidade na adolescência na era das redes sociais virtuais.
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