A ignorância

Tempo de leitura: 3 min
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Por Marco Aurélio Mello

por Marco Aurélio Mello

É comum a gente acusar o brasileiro de não ter memória, ou de ser ignorante para certas informações históricas que fazem parte daquilo que poderíamos chamar de “inconsciente coletivo” da nação.

Reclamamos que o sujeito não tem apreço pela democracia, que não sabe quais foram os danos causados pela ditadura militar, que não aprendeu história…

Ficamos assustados com a ascensão de um candidato de extrema direita, com o linchamento público de pessoas flagradas em pequenos delitos, com a Justiça feita com as próprias mãos, com a defesa da pena de morte…

Gente, lamento dizer, mas acho que os ignorantes somos nós.

Quer ver por quê?

A cada vinte segundos nasce mais um brasileirinho.

Está lá no site do IBGE para quem quiser ir ver o milagre da multiplicação: http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/

No final do ano passado éramos 206 milhões.

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Imagine uma pizza de quatro fatias. Em 2016 três fatias eram de eleitores: 146 milhões.

Então, uma fatia e um pouco mais, 60 milhões de brasileiros, era a dos que tinham menos de 16 anos, sem direito a voto.

Está acompanhando?

206 – 146 = 60

Voltamos às três fatias, aos 146 milhões.

Uma fatia das maiores, 55 milhões, é a de brasileiros que têm hoje entre 16 e 35 anos.

60 + 55 = 115

Ou seja, mais da metade de toda a nossa população, 115 milhões, nasceu depois de 1982.

Isso mesmo, depois de 1982.

Quando eu, por exemplo, já tinha 16 anos!

O que exatamente essa metade do Brasil não viu, ou melhor, não viveu?

Em 1970 o Brasil foi tri no México.

Foram anos de chumbo da ditadura.

Só em 1972 que chegou a TV em cores para a classe média.

Estávamos diante de uma crise internacional do petróleo que começara um ano antes.

A gasolina aqui era racionada.

Em quatro anos nossa dívida externa saltou de 17,2 bilhões para 43,5 bilhões de dólares.

Tudo para sustentar o “Milagre Brasileiro”.

Naquela época pretendíamos aumentar o bolo primeiro para dividir com os mais pobres só depois.

Eu criança me lembro de outros racionamentos: a família só podia comprar um litro de leite B e um de leite C por dia, por exemplo.

Em 1978 a Argentina ganhou a Copa roubando em casa.

Entramos nos anos de 1980 na posição de sexto país mais faminto do mundo, apesar de ser o quarto maior exportador de alimentos àquela altura.

A década de 1980 foi a década da recessão, ou a década perdida.

Em 1989, quando a Globo elegeu o Collor, aquela criançada, hoje eleitores de 35 anos, tinha apenas 7 aninhos.

Era a turma da Xuxa!

É claro que não condeno toda a  moçada com menos de 35.

É um recorte e como tal sujeito a generalizações.

Agora, vejamos os eleitores maduros, com mais de 35 anos.

Somos cerca de 91 milhões, menos da metade da população brasileira.

Como esperar que, mesmo nós, façamos escolhas com base na experiência e na vivência histórica?

Mesmo nós adultos com mais de 35 anos ainda nos dividimos entre os que tiveram acessos e os que não tiveram.

Entre os que aprenderam a ver o mundo com as lentes Ray Ban do grande irmão do Norte, ou com as veias abertas da América Latina.

Entre os que acreditam que o país pode ser melhor para todos e os que preferem salvar o próprio pescoço e danem-se os outros.

Somos um país desigual e injusto; jovem e imaturo; ignorante e egoísta.

Esperar que os donos da pizza deixem um pedaço para quem não comeu?

Esqueça!

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Marco Aurélio Mello

Jornalista, radialista e escritor.


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Comentários

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Allex

Essa geração com menos de trinta e cinco (incluindo seus pais, no caso dos mais jovens) é de um analfabetismo político e sociológico assustador. Não somente, mas em larga medida, graças ao descaso das gestões FHC com a educação. E também graças ao oba-oba generalizado da era Lula, que emponderou o povo pra consumir, mas não pra refletir. É evidente que fatores geopolíticos também ajudaram. Provavelmente esse fenômeno não é nenhuma jaboticaba, mas os últimos governos realmente foram os maiores responsáveis. A diferença é que FHC foi bem sucedido, porque de fato é isso mesmo que a direita cleptocrata que ele representa sempre quer: um povo burro e consumista. Já Lula e seus analistas de políticas públicas, nesse quesito fracassaram fragorosamente.

Luiz Carlos P. Oliveira

Coxinhas não sabem, por exemplo, que antes da CLT e da Previdência serem criadas, o trabalhador era demitido e recebia 1 salário por ani de trabalho. Se ganhasse 1.000 reais, depois de 5 anos era demitido e recebia 5.000 reais, o equivalente a 5 meses de trabalho. Sem FGTS, sem 13° salário e sem férias e sem aposentadoria. E a reforma da previdência quer que voltemos àqueles tempos. O governo militar uniu as previdências, criando o INPS. Tínhamos IAPI, IAPTEC, IAPC, IAPM, entre outros. A arrecadação era aplicada em construções de casas e apartamentos e revendida aos associados. Essa venda gerava recursos para pagar as aposentadorias. Hoje vai tudo para um caixa único, para pagar as despesas do governo. A ponte para o futuro está mais para “de volta ao passado”.

Luiz Carlos P. Oliveira

É o que eu digo sempre: esses que pedem intervenção militar não viveram aquele tormento. Quem não viveu nossa história recente, de 1954 para cá, devia, pelo menos, pesquisar como era a vida do brasileiro. Hoje, por falta de conhecimento de alguns, estamos divididos entre coxinhas e “comunistas”. Os primeiros, sem saber o por que, defendem uma economia neo-liberal, com un Estado Mínimo. Nós, “comunistas”, defendemos uma economia nacional forte, com maior distribuição de renda, valorizaçãi de nossas riquezas e oportunidades para todos. Mas os coxinhas, como são espertos, vivem dizendo quese os “comunistas” voktarem ao poder, vão embora do Brasil. E que país eles dizem que vão morar? Noruega! Dinamarca! Suécia! Justamente os países que tem a melhor distribuição de rebda do mundo! Por aí já dá pra ter uma ideia do quanto a ignorância corre nas veias desses bastardos.

    Marco Aurélio

    Realmente, Luiz Carlos. Concordo com tudo.

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