Fátima Oliveira: O cheiro e o sabor das berinjelas ao amor de Fermina Daza

Tempo de leitura: 3 min

Cena do filme O Amor nos Tempos do Cólera: Fermina e Florentino

Fátima Oliveira, em O TEMPO

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Em “O Amor nos Tempos do Cólera”, Gabriel García Márquez (1927-2014), ex-aluno montessoriano, conta que Fermina Daza foi amada por Juvenal Urbino, médico, de família tradicional e rica, com quem casou e teve dois filhos, Ofélia e Marco Aurélio; e por Florentino Ariza, celibatário que a esperou por 51 anos, 9 meses e 4 dias, pois a conheceu quando tinha 19 e ela 13 anos.

O cenário é Cartagena das Índias. Florentino, reles funcionário dos Correios. Ela, estudante do Colégio da Apresentação da Santíssima Virgem, “onde, há quase dois séculos, as meninas da sociedade aprendiam a arte e o ofício de esposas atentas e submissas”. Trocaram cartas apaixonadas por três anos. Noivaram por carta: “Está bem, caso-me consigo se me prometer que não me obrigará a comer berinjelas”, até que foi expulsa do colégio por ser vista escrevendo cartas de amor.

O pai levou-a para “uma viagem de esquecimento”, por quase dois anos. Florentino adoeceu: “Uma reviravolta das tripas, como um eixo de espiral”, que um homeopata diagnosticou: “Os sintomas do amor são idênticos aos da cólera”, que o perseguiram a vida inteira! Fermina Daza dava-lhe caganeira! Comia gardênias: tinham o sabor de Fermina Daza; e bebeu água de colônia para descobrir outros sabores da amada que, ao retornar, disse-lhe: “Hoje, quando o vi, apercebi-me que o que se passou conosco não foi mais do que uma ilusão”.

Na casa da mãe do dr. Urbino, um prato habitual era berinjela e ele adorava! Ela sentia náuseas. Um dia gostou de purê de berinjela! Um dia decretou: “O problema da vida pública é aprender a dominar o terror; o da vida conjugal é aprender a dominar o tédio”. Florentino virou dono da Companhia Fluvial das Caraíbas. Ficou rico para a amada. No dia do enterro do marido confessou: “Fermina, esperei esta ocasião durante mais de meio século, para repetir-lhe uma vez mais o juramento da minha fidelidade eterna e do meu amor para sempre”. Ela: “Desaparece-me da frente! E que eu não te torne a ver nos anos que te restam de vida… Que espero sejam muito poucos”.

Ele voltou a escrever-lhe cartas. Na primeira visita não pôde ficar: teve reviravolta nas tripas… Viraram colegas de velhice. A filha Ofélia sacou e bradou: “O amor é ridículo na nossa idade, mas na idade deles é uma obscenidade”. Foi expulsa de casa pela mãe, que confidenciou à nora: “Há cem anos, cagaram-me a vida com esse pobre homem porque éramos demasiado jovens e agora querem-no repetir porque somos demasiado velhos”. Acendeu um cigarro com a beata do outro e deitou para fora o resto do veneno que lhe roía as entranhas: “Que vão todos à merda – disse. Se nós, as viúvas, temos alguma vantagem, é a de não ter ninguém que mande em nós”.

Sem casar, viajou num navio de Florentino, que preparou o gol durante uma semana e não finalizava, até que ela: “Se temos de fazer disparates –disse –, façamo-los, mas como gente crescida”. Na cama, “ela estendeu a mão na escuridão, acariciou-lhe o ventre, os flancos, o púbis quase imberbe… Deu o passo final: procurou-o onde não estava, voltou-o a procurar sem ilusões e encontrou-o inerme. Está morto – disse ele”. Em sua primeira noite com Fermina Daza, ele brochou! Nos dias seguintes, se achou!

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Na noite da véspera do desembarque, Fermina Daza preparou um prato que Florentino Ariza batizou de “Berinjelas ao amor”. “Pois tinham vivido juntos o suficiente para se darem conta de que o amor era amor em qualquer tempo e em qualquer lugar, mas tanto mais denso quanto mais próximo da morte”.

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