
Foto: Agência Brasil
O que vi de Bruno Maranhão
por Patrick Mariano, especial para o Viomundo
Em 6 de junho de 2006, Brasília assistiu uma das maiores ações repressivas na Democracia brasileira, com a prisão de 560 trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra. A ação ocorreu dentro do Congresso Nacional e por ordem do presidente de uma das casas.
Levados todos, homens, mulheres e crianças para o ginásio Nilson e Nelson. Fichados e feita a triagem, foram direcionados para a Papuda (presídio local). Ao chegarem, como ritual de iniciação do cárcere, foram despidos e tiveram que ouvir a ironia de um dos responsáveis pela condução: “aí sem terra, não era terra que vocês queriam? Aproveitem a fazenda da Papuda agora”.
A cena, de tão surreal para um regime democrático, só encontra paralelo no Chile de Pinochet ou na ação do Congresso de Ibiúna da UNE.
Conheci Bruno Maranhão no cárcere, entre esses trabalhadores todos. Ainda não sabia que sua história se repetia, pois havia lutado contra a ditadura militar e sofrido com a repressão impiedosa da irracionalidade autoritária. Entrou para o Partidão quando cursava engenharia na Universidade Federal de Pernambuco.
Depois do racha no partidão, foi dirigente do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, o PCBR, que teve doze mortos e quatro desaparecidos durante a ditadura militar. Integrou o Comitê Central ao lado de Apolônio de Carvalho, Jacob Gorender e Mário Alves. Exilou-se no exterior e, depois, ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores em Pernambuco, integrando por anos sua direção.
Aos poucos, nas conversas que travávamos tendo como cenário o ferro das grades de uma cela fria, fui conhecendo melhor aquele personagem forte e de fala firme. Ali, entre os seus companheiros, percebi sua capacidade de liderança, carisma e de caráter.
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Criado entre o engenho e a cidade, foi no contato com os filhos dos trabalhadores das usinas que formou sua consciência social e decidiu trair sua classe. Bruno era filho de usineiros, mas decidiu lutar ao lado daqueles que eram explorados.
Buscava, junto ao MLST – Movimento de Libertação dos Sem Terra, a sonhada reforma agrária, tão postergada e tão necessária.
A mesma reforma agrária que buscara no Partido Comunista, no PCBR e no PT. Bruno era um homem de convicções e coerente com sua própria história. Poderia ter curtido uma vida tranqüila com viagens, bons restaurantes e toda a segurança material que sua condição social proporcionara. Mas, não! Mesmo aos 70 anos de idade, estava caminhando em marchas, fazendo reuniões, discutindo política e como transformar o Brasil. Era sua sina.
Após 39 dias de prisão, conseguimos sua liberdade. Ao sair da cadeia, não tinha a mínima idéia do processo de que ainda teria que enfrentar. Verdadeira devassa foi realizada em suas contas e sofreu uma campanha virulenta na grande mídia. Alguns amigos se afastaram. Na mesma papuda, há uma frase que diz: “lá fora seus amigos te conhecem, aqui você conhece seus amigos”. Não se abalou e seguiu em frente.
A ironia é que Bruno, de rico, havia ficado pobre ao escolher uma outra classe para lutar. De patrimônio, somente sua casa, bem de família. Sabia que a opção que fizera traria dissabores, mas nunca a abandonou, era teimoso.
Foi denunciado juntamente com outros 40 trabalhadores com base na Lei de Segurança Nacional, entulho autoritário da época do general João Batista Figueiredo.
Ou seja, o mesmo pensamento que enfrentara nos anos 60/70 do século passado, foi o que serviu de base para ser acusado em pleno regime democrático.
Nunca o vi esmorecer. Nas audiências que tive a honra de acompanhar ao seu lado pelos fóruns da vida, sempre esteve com a mesma firmeza do primeiro dia em que o vi no cárcere. Era um gigante, uma fortaleza ideológica e de compromisso com a transformação social. No fundo, sempre soube que a luta de classes exige um preço daqueles que ousam fazê-la ao lado dos explorados. Em verdade, soube disso ainda moleque.
A relação entre advogado e cliente, na maioria dos casos, se limita a contrato e honorários. No caso da advocacia popular, há uma relação de outra ordem. Quando ajudamos a conquistar sua liberdade, fizemos voluntariamente. Mas, sequer pude ter a ideia da riqueza que teria ao conhecê-lo. Nos tornamos amigos, mais que isso até. Passar pelo cárcere e pelo sofrimento que ele impõe, cria relações afetivas de outra ordem, profundas.
Em 2011, quando marchava de Goiânia para Brasília exigindo reforma agrária, a saúde lhe faltou. Logo para ele, touro indomável. Adoeceu, e depois não conseguiu andar tanto mais por este país, cumprindo a sina que se impôs. A mesma sina cantada por Luiz Gonzaga “minha vida é andar por este País para ver se um dia descanso feliz”.
Hoje é dia de descansar, Bruno. Um descanso merecido e digno de uma vida toda entregue ao próximo e empenhada na busca por um Brasil melhor e mais justo. Dói-me ter que despedir de você por aqui, mas sei que um dia, em alguma ocupação de terra, nos encontraremos de novo. Se porventura precisar de advogado, estarei ao seu lado.
Sei que não descansará nunca. Teimoso como é, já deve estar em reunião, planejando alguma ocupação de terra e tramando abalar algum outro sistema injusto.
Saramago dizia que a morte era a diferença entre ter estado e já não estar. No caso de Bruno, ele está ainda bem vivo nos assentamentos de reforma agrária que ajudou a conquistar, nas plantações de pequenos agricultores e na altivez dos trabalhadores e trabalhadoras que conseguiu trazer para a luta.
Patrick Mariano é advogado, mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) e integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – Renap.
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Em nota, MST lamenta falecimento de Bruno Maranhão
Bruno Maranhão, um dos fundadores do PT e do MLST (Movimento de Libertação dos Sem Terra), faleceu neste sábado (25/01), aos 74 anos. O MST lamenta sua morte e presta, na nota abaixo, homenagem ao militante e à sua família:
Prezados familiares de Bruno Maranhão,
Nesse momento de dor e tristeza, em que, consternados, nos deparamos com a notícia da perda de Bruno Maranhão, é difícil pronunciar palavras. No entanto, queremos, entre um nó na garganta e lágrimas no coração, expressar por intermédio desta carta, nosso sentimento de solidariedade e compromisso, com a luta que Bruno sempre defendeu de terra para quem nela trabalha.
Bruno Maranhão, de 74 anos, que estava internado há mais de duas semanas no Hospital Memorial São José, no Recife em Pernambuco. A causa da morte foi falência múltipla dos órgãos. O velório foi neste domingo (26), às 8h, no Cemitério Morada da Paz, em Paulista, e a cremação ocorreu em seguida, às 11h.
Bruno Maranhão sempre foi muito dedicado à luta. No período da Ditadura Militar, fundou e ajudou a dirigir o PCBR (Partido Comunista Revolucionário do Brasil). Depois ajudou a fundar o PT, do qual já foi integrante da execultiva nacional.
Apesar de ser membro de uma família de usineiros, Bruno Maranhão fundou e ajudou a coordenar o MLST(Movimento de Libertação dos Sem Terra). E é esta luta que nos fez conhecer e admirar este grande homem, que negou sua origem familiar de dominação e lutou ao lados dos pobres do campo pelo sonho da Reforma Agrária.
Por tudo isso, queremos ser solidários a família e amigos de Bruno Maranhão neste momento e dizer que seguiremos lutando por uma Reforma Agrária justa e popular.
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