quarta-feira, 27 de novembro de 2013
Independência e democracia, uma luta permanente
por Fábio Zuccolotto, no Na Veia FC
Me lembro vagamente de algumas aulas de sociologia e economia sobre a formação da sociedade brasileira. Desfilavam nas ementas alguns clássicos, como Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda e Celso Furtado. As ideias deste último, economista desenvolvimentista, foram renegadas a um segundo plano nas últimas duas décadas de neoliberalismo hegemônico. Esta filosofia econômica que levou a Europa à bancarrota.
Não sou um estudioso, mas seguem algumas linhas que apreendi deste mosaico teórico, sobretudo do Furtado, já que a panela liberal está próxima de explodir.
A nossa elite econômica, a despeito de um breve momento na primeira metade do século passado, quando ainda era predominantemente agrária, sempre se mostrou hesitante, e pouco fez quando chamada a encampar um projeto de nação.
Este ínfimo extrato de nossa sociedade sempre reproduziu a lógica exploratória e predatória herdada da colonização portuguesa. Enxergando apenas um palmo a sua frente, sempre buscou o lucro imediato como se não houvesse amanhã, ainda que pelo saque, o roubo, puro e simples.
Ela é estática, quase que exclusivamente conservadora. Esse caráter se revela tanto pelo viés sagrado, herdeira que é de um catolicismo medieval, quanto pelo viés material, por raramente ter disponibilizado seus recursos aos movimentos de vanguarda. Muitas vezes fez as vias de miná-los.
Sempre foi covarde, preferindo conservar sua riqueza e poder na bala, sequestrando, como toda elite, o Estado para si. Historicamente temeu, e teme, a parceria com o Estado, para que, enfim, este se transformasse em um Estado Nação que satisfizesse, minimamente, as necessidades básicas da maioria. Ainda que isto a mantivesse no topo.
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Assim, não surpreende sua hipocrisia extrema, uma vez que nega na prática seu discurso cristão. O ignora quanto ao anseio por igualdade, e o dissemina, violentamente, quanto ao moralismo que interpretou e disseminou por si e para si.
Não fica difícil entender que, após a independência, sob a influência destas elites, nasceram instituições fracas, corruptas, pouco democráticas, permeáveis aos seus interesses. Instâncias públicas que deveriam defender o interesse da maioria, mas que, ao invés disso, sempre estiveram entregues a coronéis, sobrenomes “fortes”, cidadãos com títulos de nobreza e, fundamentalmente, grandes fortunas de quem quer que fosse.
Como estas instituições sempre foram o quintal destas elites, a corrupção nasceu com elas, cresceu e vive nelas. Isto faz com que, por aqui, seja tão óbvia a apropriação do Estado pelo capital, protegendo, antes de mais nada, sempre, a propriedade privada em detrimento do ser humano e do bem comum.
Esta questão está na gênese de nossas leis ocidentais, nos procedimentos de nossa burocracia, no paciente que agoniza no corredor do hospital.
Após o golpe de 64, arquitetado pelos EUA, estas forças reacionárias se fortaleceram ainda mais, valendo-se do exército que mantinha as ordens social, econômica e política ideais, para que suas fortunas aumentassem sem qualquer inconveniente. Isto, claro, às custas de um altíssimo endividamento público, pago por todos até recentemente. Neste período, nasceram os oligopólios midiáticos que vemos até hoje deterem quase que a exclusividade da informação e do entretenimento. Concessões, em troca de apoio, que forjaram uma indústria bilionária alinhada com os valores mais reacionários e opressores que existem por aqui.
No início da redemocratização, com a celebrada abertura econômica promovida por Collor, o escolhido da Rede Globo, não tardou a chegar o individualismo liberal da ética da prosperidade estadunidense. O Brasil, sem condições materiais básicas de sobrevivência para a enorme maioria, através desta grande mídia, passou a importar os valores da superpotência pelo discurso jornalístico “isento” e do entretenimento. Assim chegamos ao Danilo Gentilli e ao Funk Ostentação.
Devido ao que Nelson Rodrigues chamou de complexo de vira-lata, nos ensinaram a celebrar um maciço processo de aculturação, numa desproporção catastrófica. A brasilidade pelo americanismo. Tudo isso, com o apoio desta mesma burguesia Zé Carioca, disseminando valores de competição e opressão em detrimento dos de libertação de um povo historicamente aviltado.
Assim, temos hoje, esta elite clivada entre a mais arcaica, a da fortuna física, donos de indústrias e grandes empresas, e uma “moderna”, liberal, especulativa, donos dos números e gráficos de Carlos Alberto Sardenberg.
O PSDB e o PT foram os dois partidos que herdaram destas elites a democracia, quando a ditadura não valia mais para os nossos deuses da América. Herdeiros que devem, ou deveriam, continuar nossa história de coadjuvantes saqueados.
Na esteira das exigências estadunidenses, devidamente propagadas por nossa mídia, os tucanos foram os escolhidos para governar o país depois do desastroso governo do caçador de marajás. Após apanhar muito, amenizar seu discurso e fazer alianças com os setores mais arcaicos desta elite, uma vez que sua faceta liberal já havia sido apropriada pelo PSDB, o PT chegou lá.
Numa brilhante análise, o cientista político André Singer revela como, de Lula, surgiu o fenômeno chamado Lulismo. Fenômeno, único em nossa história, que está para além da própria inspiração de seu nome. Uma política de ampla coalizão que abarcou, no âmbito institucional, desde a esquerda radical até a direita hidrófoba. Lembra-se do que ocorreu nas ruas em Junho deste ano?
Valendo-se de um momento econômico internacional muito propício, na última década o governo federal articulou, com extrema perícia, os interesses desta elite e da grande massa.
Sabendo que, caso o fizesse em amplo favor da maioria, seria derrubado do poder, como fora Jango e tantos outros que se colocaram do lado das camadas populares. Ainda assim, a grande mídia foi incessante ao bater por todos estes anos no “governo”. Fez da Ação Penal 470, o mensalão. Do Mensalão o MENSALÃO, e dele, o MAIOR ESCÂNDALO DE CORRUPÇÃO DA HISTÓRIA!!
Não foi o bastante, a popularidade do governo sempre se manteve alta, fruto da real melhora de vida de milhões de pessoas.
Pois bem, quase a totalidade dos analistas, de esquerda ou direita, dão conta de que esta inclusão social, promovida, majoritariamente, pelo consumo, atingiu o seu limite. O cenário internacional também mudou. O governo precisa escolher em qual banda tocar, e esta escolha é mais que urgente.
Como visto claramente nas Jornadas de Junho, quando saíram às ruas a extrema esquerda e a extrema direita, nossas instituições estão extremamente tensionadas às vésperas de uma nova corrida presidencial, no ano de uma Copa do Mundo cavada pelo próprio governo. O desfecho da AP-470 e seus desdobramentos estão demonstrando a fragilidade de nossa instância máxima de justiça. As discussões entre nossas elitistas entidades médicas e o governo, sobre o programa Mais Médicos, foi mais um dos indícios deste tensionamento.
Instituições permeadas pelos interesses políticos desta elite, que já se reunifica em sua histórica posição de defesa, covardia e opressão. É imprescindível que a esquerda se fortaleça para que não seja golpeada, mais uma vez, pelo machado de nossa cúpula medieval.
Caberia ao PT o protagonismo deste movimento, a partir do seu retorno para o campo institucional da esquerda. Não cabem mais as alianças com campos políticos conservadores, sendo necessária a reaproximação e o fortalecimento de movimentos sociais, bem como dos demais partidos que historicamente estiveram ao seu lado.
Seria fundamental a refundação do partido, como pregou Tarso Genro. Não haveria momento melhor, passadas as manifestações e a manutenção da preferência popular por Dilma em todas as pesquisas. Infelizmente, com a reeleição de Rui Falcão para a presidência do partido, isto parece não ser factível.
Caso não assuma um lado, o lulismo acabará, caso assuma, também. Acabou a coalizão. Aos interesses estadunidenses, de quem nossa elite e grande mídia são porta vozes, não resta dúvida de que o país deveria continuar sendo uma colônia rentista de juros altos. À grande maioria é chegada a hora de deixar o complexo de vira-lata. A esquerda precisa estar preparada para se renovar e seguir suas reais convicções, evitando rachas. Porém, antes de tudo, deve estar minimamente fortalecida. A possibilidade de uma fratura institucional e, consequentemente, o retrocesso a um estado de exceção são reais.
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