Rafael Correa: “Campanha permanente para desacreditar presidentes”

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Rafael Correa em reunião da Unasul com outros presidentes da região (foto Wikipedia)

da New Left Review (excerto)

NLR: Como você responderia a críticos, de dentro e de fora do Equador, que dizem que o seu governo restringiu a liberdade de imprensa?

Rafael Correa: Tem tão pouca liberdade de imprensa que eles podem dizer o que quiserem e imprimir todos os dias! A mídia sempre foi um dos poderes de facto que dominaram a América Latina. Era ela que elegia presidentes, ditava políticas e fazia julgamentos. Mas agora existem governos progressistas com grande legitimidade e apoio popular — no Equador, Argentina, Bolívia, Venezuela — que não estão preparados para se submeter ao poder da mídia. E a mídia, que se deu conta de que está perdendo antigos privilégios, passou a fazer uma campanha permanente para desacreditar presidentes e seus governos, tanto pessoalmente quanto seus projetos políticos, em âmbito nacional e internacional.

Os principais jornais do Equador são de propriedade de algumas famílias da oligarquia, que sempre estiveram na direita e no passado apoiaram ditaduras. São negócios tremendamente corruptos, que cresceram tendo os governos sob seu controle. Isso pode ser surpreendente para quem não conhece a imprensa da América Latina.

Mas, por exemplo, convocar Murdoch para depor diante do comitê Leveson na Inglaterra — se tivessemos feito um décimo daquilo teríamos sido vistos como ameaçadores da liberdade de expressão. As pessoas na Europa e nos Estados Unidos não entendem que mesmo pedir à mídia que pague impostos aqui é interpretado como um ataque à liberdade de expressão. Com o tipo de imprensa que temos na América Latina, não são jornalistas heróicos e perseguidos que denunciam a corrupção de autoridades políticas, mas em geral o contrário.

NLR: Em dois casos específicos — de um artigo de Enrique Palacio no El Universo depois de uma tentativa de golpe contra você em setembro de 2010 e no do livro O Grande Irmão, publicado no mesmo ano detalhando denúncias de corrupção contra seu irmão — você foi à Justiça. Ganhou os dois casos mas, em retrospectiva, foi inteligente fazer isso?

Rafael Correa: Num estado onde existe lei, como o Equador, não são jornalistas os processados, mas ofensas. Aquele jornal cometeu a ofensa de calúnia e difamação, dizendo que eu tinha mandado as forças armadas dispararem contra um hospital cheio de civis. O que aconteceria na Inglaterra se um jornal imprimisse que a Rainha era culpada de crimes contra a humanidade? Lá tais acusações seriam inadmissíveis, mas aqui é “liberdade de imprensa”.

A lei proíbe difamação e tivemos quase 12 mil casos aqui. Mas quando um destes casos é contra um jornalista ou jornal, se torna um assalto à liberdade de expressão. Na verdade, a revista Vanguardia acaba de mover uma ação por difamação contra nosso ministro de Relações do Trabalho, que acusou a revista de não seguir as leis trabalhistas. A mídia pratica o que ela critica todos os dias. Eu sei que existe um debate sobre penalizar ou não esses crimes. Pessoalmente, sou a favor de penalizá-los — não entendo o motivo de você ir para a prisão por não pagar direitos autorais mas alguém que ataca a honra e a dignidade de outra pessoa, não. Nisso, há dois pesos e duas medidas. Acredito que uma forma de confrontar o poder da mídia — seus excessos, sua corrupção — é aplicando a lei. E a lei deveria ser aplicável a todos.

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NLR: Isso pode ser verdadeiro quando há uma questão política mais ampla em jogo, mas não seria sensível abrir exceções em alguns casos?

Rafael Correa: No caso do El Universo, todas as possibilidades foram exauridas. A Constituição diz que quando uma informação incorreta é impressa, uma correção deve ser feita imediatamente. Nunca corrigiram. Durante as preliminares, na apelação, no tribunal superior, eles foram informados: corrijam o erro e acabou, não queremos colocar ninguém na prisão nem ganhar milhões. Mas é tal a arrogância desta gente, com cumplicidade de outros órgãos da mídia nacional e internacional. Por exemplo, o El Universo acaba de ganhar um prêmio da Universidade de Columbia que diz que o jornal foi processado por me chamar de ditador. Uma mentira! Me chamou de criminoso contra a humanidade e disse que dei ordens ao exército para atirar num hospital cheio de civis.

NLR: Você mencionou a revista Vanguardia, recentemente invadida por fiscais por não cumprir leis trabalhistas. Dado que é um órgão de opinião, não haveria uma forma melhor de lidar com as ofensas?

Rafael Correa: Mas estas não são coisas separadas. A mídia não cumpre leis trabalhistas por acreditar que é intocável. Para te falar a verdade, eu não sabia da ação contra a Vanguardia e nem meu ministro das Relações do Trabalho. A decisão foi tomada por um funcionário do ministério. Já tinha havido 3 mil inspeções trabalhistas e 300 ações legais e o funcionário achou que não deveria abrir exceção para a Vanguardia. O governo apreendeu propriedade dela. Com as outras 300 ações, nada aconteceu. Mas porque apreendemos propriedade de uma empresa de mídia, se tornou um ataque contra a liberdade de expressão. Temos de superar esta chantagem. Na verdade foi mais uma empresa que não cumpriu leis trabalhistas e a lei deve ser aplicada a todas. É um ataque contra o sistema legal pensar que, porque você é uma empresa de mídia, está acima das leis.

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