UNB readmite aluno vetado há 40 anos

Tempo de leitura: 3 min

UnB devolve matrícula a aluno perseguido pela ditadura militar

Câmara de Ensino e Graduação da UnB decide por unanimidade reintegrar estudante vetado pelo vice-reitor José Carlos de Almeida Azevedo
Erica Montenegro – Da Secretaria de Comunicação da UnB

por sugestão do leitor Braitner Moreira

Depois de 40 anos, Iraê Sassi voltará a ser calouro. A Câmara de Ensino e Graduação da Universidade de Brasília aprovou, por unanimidade, nesta terça (22 de junho), a reintegração dele ao curso de Letras/Tradução. A decisão devolve ao paulistano de 59 anos o direito de estudar na UnB, que havia sido confiscado pela ditadura militar (1964-1985). “Estou muito feliz, luto por isso há anos”, desabafou Iraê, ao receber a notícia sobre sua readmissão.

A história acadêmica de Iraê na UnB começa em 1970, quando ele passa no vestibular para estudar Engenharia Mecânica, mas não consegue efetivar sua matrícula. “Fiz movimento secundarista, fiquei com o nome marcado”, relata o ex-aluno do Elefante Branco e do CIEM. O rapaz de 19 anos pede que a reitoria reconsidere a decisão, junta atestado de bons antecedentes e garante que se subordinará às normas da universidade. Mas, despacho do vice-reitor José Carlos de Almeida Azevedo, capitão de mar e guerra da Marinha, indefere o pedido. “Ele me considerava uma ameaça à ordem”. Iraê, então, parte para a Justiça para tentar valer seu direito de frequentar a UnB.

A batalha judicial entre o aluno perseguido e os advogados da reitoria linha-dura só terminaria no final do ano seguinte no Supremo Tribunal Federal (STF). Em sua argumentação, o reitor da época, Caio Benjamin Dias, diz que a universidade não poderia “acolher em seu seio, numa posição cômoda, porém masoquista (…) estudantes hostis à ordem, à disciplina e à própria comunidade universitária.”

Em 25 de novembro de 1971, o ministro do Tribunal Federal de Recursos (TFR), Armando Rollemberg, decide em favor do estudante. Iraê Sassi, finalmente, é registrado com o número de matrícula 70/05695. Ainda assim, não chegaria ao final do curso. “Lembro que cursei as disciplinas de cálculo, mas logo a repressão aumentou e tive que sumir de circulação”, conta o ex-militante do Partido Operário Revolucionário Trotskista Pousadista. Iraê não participou da luta armada, mas estava envolvido com atividades políticas de esquerda. Aos 21 anos, muda-se para São Paulo para tocar o jornal Frente Operária e começa a viver na clandestinidade.

DOCUMENTOS – Enquanto Iraê Sassi se escondia do regime – chegou a mudar de casa sem levar nada pelo menos cinco vezes -, burocratas subservientes tratavam de retirá-lo do quadro de estudantes da UnB. Em agosto de 1974, ele foi jubilado por rendimento insuficiente. No histórico escolar que subsidiou o desligamento consta que ele vinha frequentando as aulas desde 1970 e que estava matriculado em apenas uma disciplina: “Ciências Humanas”.

“O aluno só conseguiu cursar a UnB em 72, depois da decisão do STF. E, além disso, não há registros de uma disciplina chamada Ciências Humanas”, aponta Elaine Maria de Oliveira Alves, professora da Medicina, a quem coube relatar o processo na Câmara de Ensino e Graduação. As duas informações, mais a documentação do processo judicial, serviram como evidência de que a direção da universidade à época queria afastá-lo do campus. A professora Elaine Maria conta que o trabalho da Secretaria de Administração Acadêmica (SAA) foi fundamental para que ela apresentasse parecer favorável a Iraê. “Eles recuperaram documentos que reconstituíram a trajetória de perseguição sofrida pelo aluno”.

A reintegração de Iraê Sassi foi aprovada por unanimidade pelos 15 integrantes que estiveram presentes à sessão da Câmara de Ensino e Graduação de ontem. “Fizemos justiça a ele”, comemora a relatora Elaine Maria de Oliveira Alves. Em setembro, quando começa o próximo semestre, o calouro de 59 anos, casado, pai de três filhos adolescentes, retomará sua caminhada em busca de um diploma de ensino superior.

Apoie o VIOMUNDO

DIPLOMA SIMBÓLICO – Em seu retorno à UnB, Iraê cogitou estudar Ciência Política ou Agronomia, mas acabou se decidindo por Letras/Tradução com habilitação em inglês. A escolha foi ditada pelos rumos que a vida dele tomou depois da perseguição política. Sem formação específica e vivendo na clandestinidade, Iraê foi mandado pelo partido para a Europa no início dos anos 80. “Lá comecei a fazer trabalhos como intérprete por uma questão de sobrevivência”, conta.

Depois de passar 19 anos fora, retornou à Brasília em 2000 e, aqui, começou a atuar como tradutor de italiano e espanhol. “O curso de tradução em inglês vai completar minha formação”. O ex-militante já perdeu bons trabalhos por não ter diploma, mas não se arrepende de ter participado da resistência ao regime militar. Para ele, o significado do canudo será simbólico. “É como se eu estivesse recuperando um pedaço da minha história”.

O calouro está ansioso para experimentar a vida social e cultural da UnB. “Quero aproveitar a oportunidade de estar na universidade. A UnB faz parte do meu imaginário desde a adolescência”, conta Iraê que é filho de um assessor de Darcy Ribeiro e conheceu o campus ainda em obras. Entre os planos dele está cursar as aulas de dança. Sobre os professores e colegas, diz que terá humildade para aprender com todos. “Posso contar a minha história como testemunho, mas não tenho a pretensão de ensinar nada a ninguém.”

Apoie o VIOMUNDO


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


Leia também