Muhana, Clemesha e Safatle: As humanidades da USP decidem não se calar diante do horror
Tempo de leitura: 3 min
As humanidades da USP decidem não se calar diante do horror
Adma Muhana, Arlene Clemesha e Vladimir Safatle*, na Folha
Após um debate longo, a Congregação da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas) da USP decidiu, por ampla maioria (46 votos a favor, 4 contra e 4 abstenções), romper o acordo de cooperação mantido com a Universidade de Haifa (Israel).
Foi uma decisão meditada, após debates longos nos quais todas as posições foram ouvidas e tiveram espaço de argumentação. Prevaleceu o entendimento de que a prática de genocídio, cometido pelo Estado israelense e amparado por suas instituições, deve receber da comunidade internacional um gesto claro de repúdio.
Como resultado de sua postura ética, a FFLCH, a maior faculdade de humanidades do Brasil e da América Latina, vem sendo caluniada e acusada de praticar “intolerância” e “hostilidade seletiva” contra Israel.
Seus detratores parecem querer ignorar que a Universidade de Haifa é parte orgânica do Estado israelense, abrigando três colégios militares que compõem o Complexo Acadêmico Militar israelense, o qual a universidade afirma “constituir a espinha dorsal dos programas de treinamento de elite das IDF [Forças de Defesa de Israel]”.
Basta ler, no site da própria universidade, que esta oferece cursos na base militar de Glilot e equipamentos aos soldados que perpetraram o massacre em Gaza.
Tais detratores divulgam que a FFLCH seria intolerante ao romper um acordo acadêmico, mas esconde da opinião pública de que tal ruptura não se dirige a pesquisadores individuais e afeta pouco a cooperação científica entre os próprios acadêmicos.
A circulação de professores continua, a circulação de alunos sequer existiu. Esse ato de ruptura é, na verdade, a maneira que as instituições acadêmicas têm de expressar sua forte oposição a uma situação de crime —o genocídio—, que vem sendo normalizado, ocultado e até apoiado, não só pela Universidade de Haifa e por outras instituições acadêmicas israelenses, como por diversos setores da sociedade civil brasileira.
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A FFLCH da USP, do mesmo modo que a Unicamp e outras conscientes universidades brasileiras, não desviou os olhos, nem fingiu que não era da sua responsabilidade acadêmica se manifestar contrariamente a esse crime.
A própria ONU e a Corte Internacional de Justiça reconhecem que é da responsabilidade de seus países membros não colaborar com a violação da lei internacional promovida por Israel na sua ilegal ocupação dos territórios palestinos. Ou seja, os boicotes acadêmicos e culturais, assim como as sanções econômicas contra Israel, enquanto este mantiver as mencionadas situações de flagrante ilegalidade, estão ancorados na lei internacional.
Quando o sistema mundial falha, são os Estados, suas instituições e a sociedade civil que devem fazer com que a lei internacional seja aplicada.
As censuras à FFLCH ignoram, inclusive, a carta pública “Judeus exigem ação”, lançada há poucas semanas por um agrupamento internacional de acadêmicos e intelectuais judeus e subscrita por milhares de judeus ao redor do mundo. A carta afirma enfaticamente que a “pressão [internacional] deve continuar para que possamos alcançar uma nova era de paz e justiça para todos, palestinos e israelenses”.
Portanto, longe de a decisão da FFLCH expressar “intolerância”, o que ela expressa é a adesão a todas as vozes que hoje clamam pelo fim do genocídio por meio de medidas, sejam elas simbólicas ou efetivas, mas sempre não violentas, de boicote acadêmico, cultural, comercial e militar ao Estado e às instituições que cometem ou normalizam uma situação de crime de genocídio e limpeza étnica
A FFLCH se recusa a esconder-se atrás de uma pretensa neutralidade institucional, quando o que está em jogo são dezenas de milhares de vidas humanas, eliminadas e mutiladas por um longo processo de dominação, desumanização, colonialismo e, agora, sangrento genocídio.
*Adma Muhana, professora titular em Literatura Portuguesa no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da USP
*Arlene Clemesha, professora de história árabe da USP, coordenadora do Centro de Estudos Palestinos, é tradutora de Edward Said e autora, entre outros livros, de “Marxismo e Judaísmo” e “Palestina 1948-2008”
*Vladimir Safatle, professor titular do Departamento de Filosofia da USP




Comentários
Zé Maria
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Próximo Sábado (08/11),
a partir das 15h
Lançamento do Livro
“Poesia em Tempos Difíceis”
de Bertolt Brecht,
no Armazém do Campo (MST),
livraria Expressão Popular
(Alameda Nothmann, 806).
Com o organizador e tradutor Tercio Redondo,
Docente do Departamento de Letras Modernas
da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).
O evento de lançamento contará ainda com a presença de Sérgio de Carvalho, Docente da Escola de Comunicações
e Artes (ECA/USP);
Priscila Figueiredo, Docente do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas (DLCV/USP); e
Fabio Weintraub, Doutor em Literatura Brasileira pela FFLCH/USP.
A edição bilíngue reúne seis coletâneas completas de poemas escritos por Brecht entre 1926 e 1953, do exílio ao pós-guerra.
As primeiras coletâneas reúnem poemas que retratam o cotidiano urbano da Alemanha entre guerras, em uma época em que as cidades ainda não haviam se tornado tema recorrente da poesia alemã.
Brecht observa o trabalhador, o ritmo das ruas e o desencanto
com a modernidade com uma ironia cortante e um senso
de urgência política.
Nas quatro partes seguintes, o tom se torna mais incisivo:
os versos chamam à resistência intelectual e artística
ao avanço do nazismo, conclamando os exilados alemães
a transformar o campo estético em instrumento de combate.
A última coletânea, escrita nos anos finais de sua vida, já sob o regime da Alemanha Oriental, revela o desencanto de Brecht com os rumos do socialismo real. São poemas de reflexão amarga, em que a utopia dá lugar à crítica e ao desencanto, mas sem abdicar da lucidez política e da experimentação formal.
A edição brasileira destaca também o caráter inovador da poesia brechtiana. Longe do panfleto, o autor faz da forma poética um exercício de pensamento, resgatando a balada popular, criando poemas infantis e levando o verso livre a novos patamares expressivos.
Mais de 70 anos após a morte do autor, a publicação desta
coletânea de parte de sua poesia no Brasil reforça o caráter
atual de sua obra.
As reflexões de Brecht sobre guerra, autoritarismo e
resistência continuam a ecoar, como ele escreveu,
em um mundo que ainda “tropeça sobre as mesmas
ruínas que prometeu não repetir”.
https://revistaforum.com.br/cultura/2025/11/5/bertolt-brecht-primeira-traduo-brasileira-de-coletneas-completas-da-poesia-do-autor-191373.html
Sobre o Poeta
Bertolt Brecht, além de grande dramaturgo, encenador
e teórico do teatro, foi poeta de enorme talento e produziu a lírica política alemã mais consequente de
todo o século XX.
Consciente da tarefa que cabia à literatura na luta antifascista,
sua obra teve endereço certo, especialmente nos anos
de exílio (1933–1947).
De um lado, era uma poesia destinada às trabalhadoras
e trabalhadores alemães submetidos às rédeas do
Estado totalitário e, de outro, a artistas e intelectuais
igualmente exilados, um grupo frequentemente
despreparado política e esteticamente para o
enfrentamento daquela quadra histórica.
https://www.hedra.com.br
https://bookinfometadados.com.br/books/view/9788577159468
.
Zé Maria
https://x.com/i/status/1986097295322964167
Prefeito Eleito de Nova York, Zohran Mamdani, promete
cumprir ordem do Tribunal Penal Internacional e prender
Netanyahu caso o genocida israelense visite a cidade:
“Netanyahu orquestrou um genocídio
e matou uma criança palestina
a cada hora durante 2 anos”.
https://x.com/FepalB/status/1986097295322964167
.
Zinda Vasconcellos
Ok, mas o terror nao está só em Gaza. Acho que poucos dias depois da matança no Rio seria mais adequado protestar sobre o que ocorre aqui no nosso quintal (nao que protestar contra o genocídio em Gaza nao seja importante, meu comentário diz respeito apenas ao momento).