Marcelo Zero: A volta do terror nuclear

Tempo de leitura: 3 min
Teste nuclear em uma ilha da Polinésia Francesa, em 1971 Foto: CTBTO

A volta do terror nuclear

Por Marcelo Zero*

No auge da Guerra Fria, em 1986, o mundo tinha 64 mil ogivas nucleares.

Contudo, hoje em dia, segundo a ONU, o planeta teria cerca de 13 mil ogivas.

Mesmo assim, essas ogivas seriam suficientes para destruir as 100 maiores áreas metropolitanas do mundo e, por via direta e indireta (colapso das agriculturas e economias mundiais), provocar a morte de entre 60% a 90% da população do planeta.

A diminuição dessas ogivas deu-se no contexto pós-Guerra Fria, com os tratados Start I, Start II e New Start.

No campo da proibição de testes, os limites começaram a ser impostos pelos efeitos do fall out nuclear.

Os testes feitos pelos EUA no atol de Bikini, na Oceania, chegaram a provocar fall outs nucleares na Cidade do México, na Australia e até mesmo na Índia.

Em um caso extremo, bases dos EUA nessa região tiveram de ser evacuadas às pressas e centenas de pessoas tiveram de ser hospitalizadas.

Dessa forma, chegou-se, em 1963, a um tratado que limitava os testes nucleares ao subsolo (testes apenas subterrâneos).

Apoie o VIOMUNDO

Mas, após a Guerra Fria, foi firmado, em 1996, o Comprehensive Nuclear-Test-Ban Treaty, que bania todo e qualquer teste nuclear. Tal tratado foi firmado por 185 países, mas não entrou em vigor, uma vez que não foi ratificado por alguns países-chave, como EUA, Rússia, China, Coréia do Norte, Egito, Índia, Paquistão etc.

De qualquer modo, tal tratado introduziu, tacitamente, a norma internacional, de que os testes nucleares não deveriam ser mais realizados.

Assim, há mais de 30 anos que os EUA, Rússia e China não realizam testes nucleares.

Antes de tal tratado, tinham sido realizados mais de 2.000 testes nucleares. Após esse tratado, foram realizados apenas 10.

Trump, no entanto, anunciou recentemente que os EUA vão retomar, após mais de 3 décadas, novos testes nucleares.

O presidente dos EUA alega, como justificativa, que os “outros estão fazendo”, o que é, como todos sabem, uma grosseira mentira.

Ademais, testes nucleares reais podem ser substituídos, com vantagens, por simulações em supercomputadores. Tais simulações são muito mais baratas e seguras.

Não há, portanto, escusas técnicas para tal retomada, após mais de 3 décadas.

O motivo é puramente geopolítico. O velho afã de flexionar os músculos e demonstrar força.

A Rússia apresentou recentemente duas grandes armas, que assustaram muito os especialistas em defesa dos EUA e da OTAN: o míssil de cruzeiro de propulsão nuclear “Burevestnik” e o veículo submarino não tripulado (UUV) de propulsão nuclear “Poseidon“.

Ambos, devido à sua propulsão nuclear, têm alcance praticamente ilimitado, e são muito difíceis de serem detectados pelos sistemas antimísseis convencionais. Somados aos mísseis hipersônicos, eles tornam as defesas dos EUA e da OTAN muito vulneráveis, em caso de conflito nuclear.

Tais recentes investimentos estratégicos da Rússia, mísseis hipersônicos, drones de última geração, misseis de cruzeiro nucleares, veículo submarino não-tripulado nuclear etc., ocorreram, frise-se, por causa do conflito na Ucrânia e pela insistência do Ocidente em continuar a apoiar uma guerra que tem um óbvio potencial para se expandir e se intensificar.

Agora bem, voltar a fazer testes nucleares não vai neutralizar essas novas armas, e, ademais, a dependerem da forma como sejam feitos, poderão criar perigo para muitos países, como já ocorreu no passado.

O pior cenário seria o da nuclearização do espaço sideral, algo que os EUA ensaiam desde a época de Reagan, com seu projeto “Star Wars”.

O fato é que a ameaça de Trump, em conjunto com a insistência do conflito na Ucrânia, volta a trazer, ao planeta, um temor e um perigo que estavam relativamente controlados. A velha corrida nuclear pode se reiniciar.

Como disse Oppenheimer, citando o Bhagavad Gita, após o primeiro teste nuclear: “Agora, me tornei a morte, o destruidor dos mundos”.

Trump, que sonha com Prêmio Nobel da Paz, pode se tornar o terrível Vishnu, citado por Oppenheimer.

*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.

Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

Leia também

Kit Klarenberg: A história oculta de como Israel adquiriu armas nucleares

Ruben Bauer Naveira: EUA + Rússia = Guerra Nuclear?

Ahmad Hany: Abomináveis senhores da guerra

Apoie o VIOMUNDO


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


Leia também