Liszt Vieira: Chacina policial no Rio — fracasso operacional, sucesso político?

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Moradores do Complexo da Penha observam os mortos enfileirados no chão Foto: Tomaz Silva/Agência Brasi

Chacina policial no Rio: fracasso operacional, sucesso político?

Enquanto a letalidade seletiva poupa milícias e poupa líderes, ela sacrifica vidas periféricas no altar de uma reaparição política, transformando uma chacina em palanque

Por Liszt Vieira*, em A Terra é Redonda

O importante sucesso diplomático de Lula, recebendo até elogios e cumprimentos de Trump, desnorteou o bolsonarismo.

O senador Flávio Bolsonaro pede que os EUA bombardeiem a Baía da Guanabara para atacar barcos que pretensamente estariam carregando drogas. E o governador Cláudio Castro, sem avisar ou pedir ajuda ao Governo Federal, executa uma desastrada e violenta operação de segurança pública para atacar traficantes. O número de mortos já ultrapassa 120, até o presente momento, com 4 policiais mortos.

Não se faz uma megaoperação dessas sem planejamento, inteligência e articulação com a esfera federal.

A Polícia Federal fez uma grande e exitosa operação em São Paulo contra o PCC e não matou ninguém. O governador bolsonarista do RJ resolveu se cacifar politicamente para uma candidatura ano que vem e se fortalecer como liderança do bolsonarismo.

Logo depois que Flávio Bolsonaro pediu a Trump para bombardear barcos na Guanabara, o governador Castro desencadeia a mais letal operação policial da história do RJ e chama os traficantes de narcoterroristas, a linguagem usada por Trump para atacar os barcos perto da costa da Venezuela e Colômbia, sinalizando ameaça de invasão.

É verdade que o governador Castro enviou relatório ao Governo dos EUA denunciando o Comando Vermelho como organização terrorista que atua nos EUA. Mais uma tentativa de pedir intervenção direta dos EUA no Brasil. Isso levou alguns a afirmar que a operação policial no Rio foi ordem de Trump. A teoria da conspiração sempre teve sucesso na esquerda.

A ação policial no RJ foi um fracasso do ponto de vista operacional, foi uma chacina, mas o eleitorado de direita deve apoiar e pedir mais.

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Vão culpar os direitos humanos. E estão desesperados porque seu grande líder Trump, depois do tarifaço que eles aplaudiram, está negociando e até mesmo elogiando o presidente Lula. Os bolsonaristas estão revoltados e desesperados. E o desespero não é bom conselheiro.

A chacina do Rio matou 121 pessoas, segundo os últimos dados disponíveis. Nenhum chefe do Comando Vermelho foi preso. Fugiram antes, certamente avisados pelos policiais “amigos”. Os que morreram fazem parte do “baixo clero”, são facilmente substituíveis. Muitos inocentes mortos, será difícil saber quantos.

A Polícia vetou a presença de Defensores Públicos no Instituto Médico Legal para esconder os sinais do assassinato da opinião pública.

O massacre policial se concentrou no território do Comando Vermelho, principalmente na Zona Norte. A milícia da Zona Oeste, base eleitoral do governador Castro, praticamente não foi incomodada. E tampouco foram atacadas as áreas do dito Terceiro Comando Puro, rival do CV (Cordovil, Cidade Alta etc).

Jacqueline Muniz, professora da UFF e respeitada pesquisadora de segurança pública, diz que essa operação policial reproduziu a Política dos 3 S:

“Primeiro dá SUSTO na população com polícia de espetáculo e de ostentação, depois demonstra SURTO de autoridade com bravatas, cara feia e peito de pombo e, por fim, promove SOLUÇOS operacionais que não tem sustentação no médio e longo prazo, mas que possuem elevado efeito publicitário”.

E lamentou a falta de coordenação com o Ministério Público, Defensoria Pública, Corpo de Bombeiros, Guarda Municipal, Fiscais e Agentes de Trânsito.

A função da Polícia é prender, e não matar. Não há pena de morte no Brasil segundo a lei. Na prática, sempre existiu. Mas, do ponto de vista legal, essa matança é assassinato, é homicídio.

Esse massacre no Rio de Janeiro foi um fracasso do ponto de vista operacional e uma chacina do ponto de vista dos direitos humanos. Mas, do ponto de vista político e eleitoral, creio que alcançou sua finalidade.

Depois do notável sucesso diplomático de Lula e de sua negociação com Trump que chegou até a elogiá-lo e lhe dar parabéns pelo aniversário, a extrema direita bolsonarista estava nocauteada, sem discurso e sem ação.

Essa operação policial contra o Comando Vermelho, e poupando os milicianos da base de apoio político do governador, foi uma injeção de ânimo nas hostes bolsonaristas, uma agenda positiva que encurralou o governo federal. De certa forma, uma armadilha.

O ministro da Justiça veio ao Rio discutir com o governador Claudio Castro uma ação integrada. O governo federal preferiu não atacar diretamente o governo do RJ e sua inaceitável chacina condenável do ponto de vista jurídico, ético, moral e político. Uma agressão bárbara aos valores da civilização.

Ainda é cedo para conclusões definitivas, mas a direita, que parecia morta, ressuscitou com essa agenda de segurança pública, que nunca foi o forte da esquerda.

*Liszt Vieira é professor de sociologia aposentado da PUC-Rio. Foi deputado (PT-RJ) e coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92. Autor, entre outros livros, de A democracia reage (Garamond). 

Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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