Tomás Amaral: A megaoperação policial de Cláudio Castro tem Lula na mira?

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O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e o governador do Rio, Cláudio Castro, durante entrevista coletiva, em 29/10, para tratar da maior e mais letal operação policial realizada no País. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Por Tomás Amaral*

A megaoperação policial realizada na terça-feira, 28/10, contra o Comando Vermelho no Complexo da Penha (região considerada como QG da facção)contou com um efetivo de 2.500 policiais, em uma integração das polícias civil e militar fluminenses.

Os detalhes técnicos sobre a operação podem ser lidos em diversas matérias jornalísticas.

Aqui, o que nos interessa é fazer uma breve reflexão sobre a natureza política da maior e mais letal operação policial da história do país.

Inicialmente, o governadodor do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), anunciou 64 mortes na operação, incluindo quatro baixas policiais.

No entanto, na manhã da quarta-feira, 29, moradores retiraram mais de 70 corpos das matas.

Entre os cadáveres, corpos decapitados, pendurados em árvores, com disparos na nuca e, alguns, decapitados sem marcas de tiro. Tais evidências apontam para a ocorrência de abusos e ilegalidades na conduta de policiais.

Vários veículos jornalísticos noticiaram na quarta-feira que o número de mortos seria em torno de 120. O site da Rádio Senado noticiou que a Comissão de Direitos Humanos do Senado irá pedir esclarecimentos ao governo do Rio de Janeiro sobre a operação que resultou em 132 mortos, segundo a sua apuração.

O governador Cláudio Castro afirmou que, excetuando os quatro policiais que perderam a vida, todos os mortos eram bandidos.

No entanto, essa declaração foi dada quando o número subnotificado de 64 mortos foi apresentado. Se considerarmos o número apurado pela Comissão de Direitos Humanos do Senado, de 132 mortos, o governador estenderia a mesma afirmação para os outros 68 corpos que apareceram?

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Seria factível crer que em um confronto armado entre policiais e bandidos fortemente armados de uma das maiores facções do país, dentro de seu próprio território, as forças policiais lograriam abater em confronto 128 bandidos, tendo apenas quatro baixas?

Se assim fosse, a polícia do Rio estaria com a pontaria e a capacidade de infiltração exponencialmente superior às de qualquer exército no mundo. E teria logrado nesta operação o que ela própria não logrou em nenhuma anterior.

A factibilidade aponta para outra hipótese: entre as vítimas não havia apenas bandidos armados.

Para conseguir abater um número tão superior ao das baixas policiais, a plausibilidade indica que outros métodos foram empregados, além do confronto armado, entre eles: execuções. O que é confirmado pelos relatos de corpos encontrados amarrados em árvores.

Existe um clamor em parte da sociedade de que, como a justiça não consegue resolver o problema da criminalidade, o extermínio de bandidos, embora ilegal, seria um desvio policial por uma boa causa.

Como no filme A Marca da Maldade, em que o personagem interpretado por Orson Welles, o capitão Quinlan, forjava provas para incriminar aqueles que sua intuição lhe dizia que eram culpados.

Não podemos saber, de longe, como foi o modus operandi dos policiais na operação. Qual terá sido o critério adotado por eles para abordar, deter, julgar e executar cada um dos jovens cujos corpos foram encontrados na mata.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse estar gravemente preocupado com o número de vítimas na operação, afirmou que o Brasil “precisa romper o ciclo de brutalidade extrema” e sugeriu uma reforma policial no país.

OBJETIVOS

Por que realizar neste momento tal operação?

A operação batizada de “Contenção” teve o objetivo anunciado de cumprir 100 mandados de prisão contra integrantes do Comando Vermelho e conter a expansão da organização para a Zona Oeste da capital. Área dominada atualmente por milícias.

O Rio de Janeiro tem a maior parte de seu território dominado por milícias ou facções, que se infiltram na própria polícia e no alto escalão da política.

Quando se combate uma facção, se ajuda automaticamente as outras. E, ao combater pelo método do extermínio, sem combater estruturalmente o crime organizado, cria-se um vácuo de poder que será preenchido ou por quadros renovados da mesma organização ou por organizações rivais.

De um ponto de vista interessado em combater a criminalidade, o objetivo anunciado e o modus operandi da operação não fazem sentido.

Devemos indagar quais seriam as razões políticas escondidas por trás da decisão de se realizar essa operação neste momento.

IMPLICAÇÕES POLÍTICAS

No início da operação, repercutiram na mídia imagens mostrando bandidos revidando os ataques de policiais, lançando sobre eles bombas por drones.

As redes sociais de diversos políticos de direita reproduziram, no momento da operação, as imagens dos ataques de drone sob uma mesma narrativa culpabilizando diretamente o governo Lula.

O discurso concatenado denota, já nos momentos iniciais da operação, uma campanha organizada pelo campo bolsonarista para politizar a operação e utilizá-la para atacar Lula.

Esse discurso foi difundido de forma ampla pela extrema direita antes mesmo da esquerda, ou da população em geral, se inteirar sobre os detalhes da operação.

A extrema direita tratou de montar uma campanha discursiva, com fake news, dizendo que Lula protege traficantes, que a esquerda é conivente com o tráfico na medida em que não apoia a repressão indiscriminada e que só a direita combate o crime, etc.

O próprio governador Cláudio Castro, após anunciar o alegado sucesso da operação, se queixou publicamente de que o governo federal negou ajuda.

O Ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, declarou que o governo do Rio não solicitou formalmente ao governo federal nenhuma ajuda e sequer informou ao alto escalão do governo sobre a operação. O que, segundo o Ministro, deveria ter sido feito em uma operação desse porte.

Além da politização explícita da operação por parte da extrema direita parlamentar, de seus porta-vozes nas redes sociais e do próprio governador, há um contexto geopolítico que se relaciona diretamente com o evento.

CONEXÕES GEOPOLÍTICAS

O veículo de comunicação alemão, Deutsche Welle, noticiou, em maio de 2025, que representantes do governo Trump estiveram em Brasília para propor a criação de uma lei brasileira que classificasse como organizações terroristas grupos como o PCC e o CV, e que as autoridades brasileiras não acataram a proposta.

Analistas geopolíticos, como Pepe Escobar, já alertavam, desde as eleições presidenciais dos Estados Unidos, de que a administração Trump, se eleita, priorizaria a América Latina como foco de guerra híbrida, numa espécie de Doutrina Monroe repaginada.

Trump em sua guerra híbrida contra a América Latina vem usando como instrumento a sua política anti-imigração e ressuscitando a guerra às drogas, bandeira que teve seu auge no governo Reagan, mas que já foi politicamente utilizada por diferentes administrações.

Como desculpa para empreender uma política de repressão, aprisionamento e deportação em massa, Trump alegou estar combatendo cartéis e organizações criminosas da América Latina que estariam se infiltrando nos Estados Unidos, por meio de imigrantes. Uma dessas seria o Trem de Aragua, uma espécie de PCC venezuelano.

A partir desta alegação, Trump deportou em massa imigrantes venezuelanos e os enviou, à revelia de qualquer legislação internacional, para El Salvador, onde o presidente de extrema direita, Nayib Bukele, firmou uma cooperação para encarcerar todos esses imigrantes, sem qualquer processo legal, em um presídio de segurança máxima construído por ele, que passou a funcionar como uma nova Base de Guantánamo.

A política de deportação de Trump se casa com a política de combate às drogas, em que a Casa Branca acusa seus inimigos de serem responsáveis pelo tráfico internacional de drogas, e também com a política antiterrorismo, outra bandeira amplamente utilizada pelos Estados Unidos.

A administração Trump declarou as organizações criminosas latinas como terroristas, declarou que a Venezuela é um narco-estado e que o presidente, Nicolás Maduro, seria o chefe do Cartel de Los Soles, uma grande organização criminosa. Como John Wayne no velho oeste hollywoodiano, Trump ofereceu a recompensa de 50 milhões de dólares por sua cabeça.

Um detalhe curioso é que o Cartel de Los Soles não estava no radar de nenhum especialista em segurança na América Latina ou de qualquer analista sócio-político. O termo só havia sido utilizado anteriormente, nos anos 1990, pelo próprio governo dos Estados Unidos para justificar tentativas de intervenção na Venezuela.

Recentemente, o ex-mercenário, Jordan Goudreau, do grupo dos Boinas Verdes, que tentou uma intervenção militar na Venezuela, coordenada pela CIA, na primeira administração Trump, em 2019 e 2020, junto a grupos paramilitares de extrema direita colombianos e ao opositor Juan Guaidó, declarou que o nome Cartel de Los Soles é uma invenção da CIA para tentar, na época, intervir militarmente na Venezuela.

Antes de acusar Maduro de ser um narco-ditador, a administração Trump, em fevereiro, incluiu os cartéis de drogas mexicanos em uma lista de organizações terroristas e declarou que os Estados Unidos poderiam realizar operações militares no território vizinho para combatê-las.

A presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, no dia 20 de fevereiro, rechaçou a política estadunidense e disse que seu governo não toleraria qualquer invasão ao seu território.

Em agosto de 2025, Trump ordenou o envio de forças armadas ao Caribe para combater o tráfico internacional e ameaçou uma intervenção na Venezuela.

Pequenos barcos venezuelanos foram bombardeados por caças estadunidenses sob a alegação de que estariam transportando drogas. Desde então, a tensão se arrasta sob uma escalada de ameaças do governo Trump.

É neste contexto de guerra híbrida e nova Doutrina Monroe, utilizando-se do discurso de combate às drogas e ao terrorismo, que representantes da administração Trump estiveram no Brasil pleiteando que se incluísse as facções criminosas brasileiras em uma lista de terrorismo.

Tal classificação permitiria, eventualmente, que os Estados Unidos interviessem politicamente e/ou militarmente em território brasileiro, provocados por uma ou outra questão de segurança pública nacional.

Após a operação “Contenção”, expoentes da extrema direita brasileira trouxeram novamente a campanha para classificar as facções criminosas brasileiras como terroristas, em um timing e uma conexão que parece terem sido coordenados.

O governador Cláudio Castro disse que a ação dos grupos criminosos “beira o terrorismo”.

O governador de Minas, Romeu Zema, classificou em suas redes sociais os bandidos, alvos da operação, como “terroristas”.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, disse que “vai mergulhar” no debate para defender a classificação das organizações criminosas como terroristas.

E o seu secretário de Segurança, Guilherme Derrite, disse que renunciará o cargo para voltar ao Congresso e substituir o deputado Nikolas Ferreira na relatoria do projeto de lei que enquadra tais organizações como terroristas.

Segundo a CNN Brasil, o governo Cláudio Castro enviou ao governo Trump relatório que comprovaria que o Comando Vermelho é uma organização terrorista com ramificações no território estadunidense. Isso teria sido há cerca de oito meses por meio do consulado dos Estados Unidos do Rio de Janeiro.

A atitude pode ser interpretada como um oferecimento do governador fluminense para ser usado como um agente de guerra híbrida com fins de desestabilização do governo Lula.

Há indícios que apontam para uma articulação internacional da extrema direita brasileira com a Casa Branca e a CIA, em sua ofensiva de guerra híbrida contra o Brasil e a América Latina.

Devemos, também, apontar para a sua conexão com o sionismo.

Em março de 2025, os governadores Tarcísio, de São Paulo, e Ronaldo Caiado, de Goiás, viajaram a Israel em uma missão paralela e de oposição à posição oficial do Itamaraty e do governo Lula.

Entre fevereiro e julho, Tarcísio, Caiado, Zema e Cláudio Castro assinaram o protocolo da organização sionista IRHA, que, em teoria, se compromete a combater o “antissemitismo”, mas na prática inclui o combate político e jurídico à crítica ao sionismo.

No contexto de embate geopolítico global entre as forças imperialistas da OTAN e Israel, de um lado, e África, América Latina e Ásia (excetuando os governos vassalos) de outro, cada território relevante política e economicamente é palco e objeto de disputas que transcendem a polarização política nacional.

Nessa conjuntura, a megaoperação policial do governador Cláudio Castro pode ter sido o primeiro ato de uma campanha de guerra híbrida contra o governo Lula, empreendida pela extrema direita brasileira e coordenada de fora, que, valendo-se das bandeiras de combate às drogas e antiterrorismo, começa a se desvelar.

*Tomás Amaral é formado em Cinema pela Universidade Estácio de Sá (RJ). Atua como documentarista e analista geopolítico.

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