Jordan Michel-Muniz: O Nepal não é aqui

Tempo de leitura: 5 min
À esquerda, o Palácio do Governo do Nepal, consumido pelas chamas. Construído em 1903, é o maior da Ásia, com 2 mil quartos. À direita, em 8 de janeiro de 2023, golpistas atacam o Congresso Nacional, STF e Palácio do Planalto, em Brasília, destruindo-os. Fotos: Reprodução e Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por Jordan Michel-Muniz*, especial para o Viomundo

O Nepal queima, o Brasil não.

Lá reina o caos, aqui evitamos que se propagasse.

Brasil não é Nepal, mas quase foi…

Uma insólita sucessão de fatores derrubou o governo do Nepal e incendiou o país.

No início da semana (08/09/2025), a geração Z (nascidos de 1997 a 2012) saiu às ruas nepalesas em defesa das redes sociais, nas quais circulavam discursos de ódio atacando o governo por corrupção – a conhecida fórmula golpista.

O que isto tem a ver conosco? Quem sabe apontar no mapa o Nepal?

E de que importa, quando Trump nos ameaça com força militar para intimidar o STF, que condenou a gangue fascista a mofar na cadeia – como merece – pela tentativa de golpe de Estado?

Por que passar do golpe daqui para o de lá?

A razão é que ao comparar fatos vemos que o Brasil de 2023 quase foi o Nepal de 2025. Escapamos por pouco, daí a gravidade do golpismo julgado em Brasília.

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Quanto ao Nepal, o improvável acontece, apronta surpresas. Mas se vários incidentes improváveis coincidem, e direcionam mudança geopolítica, soa o alerta da artificialidade do acaso.

Foi reação espontânea das massas populares, uma revolta nas redes? Que massas, se só havia grupos pequenos e médios?

Ou brotou aquilo que o interesse forâneo semeou, uma revolução colorida?

É cedo para resposta definitiva, porém há indícios de golpe planejado. A suspeita vem da sequência de eventos, que reduzo ao âmbito local e, depois, recuando um mês, amplio ao global.

A turbulência no Nepal vem do século passado. Em 2006 findou uma década de guerra civil, seguida pela abolição da monarquia, mas a instabilidade política persistiu.

O conflito atual surgiu de lei que obrigou redes sociais a se registrarem para operar. A chinesa TikTok e a japonesa Viber acataram. Meta (Whatsapp, Instagram, Facebook), X e Google (Youtube) recusaram.

A semelhança do confronto da Justiça brasileira com plataformas digitais não é casual, ela indica o direito de controlar discursos de ódio, desinformação e uso criminoso das redes sociais, presentes aqui na trama do golpe de 8 de janeiro de 2023.

Normas mais rígidas existem no Ocidente: os EUA cercearam a TikTok, e a Europa aplicou multa de 2,95 bilhões de euros (R$ 18,7 bilhões) ao Google, e cobra das plataformas de redes para fiscalizá-las.
Está em jogo a soberania – o direito de adotar leis sem intromissão externa.

No Brasil, juízes do STF, acusados de atacar a liberdade de expressão ao exigir que as redes sigam nossas leis, sofrem sanções dos EUA.

No Nepal, a afronta à ordem legal veio do Comitê para Proteger Jornalistas (CPJ, ‘Committee to Protect Journalists’), ONG patrocinada pelos EUA, com alegações similares, de que bloquear redes impediria o jornalismo e a livre informação.

As redes foram bloqueadas por não se registrarem, então são responsáveis por sua suspensão.

Antes, semearam o golpe. Três vídeos (um deles, abaixo) circularam nas redes nepalesas, denunciando desigualdades sociais, com a miséria do povo contraposta ao luxo das elites governantes.

O ataque ao governo possui rastros das revoluções coloridas: acusações de corrupção e discursos de ódio com áudio, legendas e textos em inglês, não no idioma local – o nepali.

Numa faixa plástica levada no protesto, bem impressa, sem improviso, lê-se: ‘Youths against corruption’ (Jovens contra a corrupção).

Tal material, produzido antecipadamente, é típico de revoltas orquestradas pela CIA, uma assinatura das revoluções coloridas.

Foi o que ocorreu no EuroMaidan, em 2013, onde cartazes em inglês miravam na difusão nas mídias, em vez de dialogar com o povo e o protesto em si.

Penso que o governo viu a tramoia dos vídeos e impôs o registro e ajustes na conduta das empresas de redes, apoiado pela Suprema Corte. Deu sete dias de prazo, arriscando-se ante a manipulação antissocial.

Quando o Nepal bloqueou as redes o caldo de ódio já cobria o país. Novamente, há semelhanças com os acampamentos em frente a quartéis no Brasil, nas semanas anteriores à tentativa de golpe em Brasília.

Iniciada a revolta lá, houve disparos do alto de um prédio, com 19 mortes, no estilo de Kiev em 2014.

Outra coincidência. Depois vieram os incêndios – Parlamento, Suprema Corte, Palácio do Governo, hotéis e residências da elite, com pessoas pulando dos prédios. Não se sabe quantas morreram no fogo.

Na continuação, saques nas lojas e casas ricas, com o exército exercendo frouxa contenção.

No Brasil os golpistas não destruíram totalmente as sedes dos três poderes, mas faltou pouco.

Concluo recuando no tempo e ampliando o foco, conforme prometi.

Em 6 de agosto Trump aplicou tarifa adicional de 25% aos produtos da Índia, aliada dos EUA, até que ela parasse de comprar petróleo russo. O primeiro-ministro, Narendra Modi, não cedeu. Indignado, recusou quatro telefonemas posteriores de Trump.

Na virada de agosto para setembro Modi reuniu-se em Tianjin, na China, com Xi Jinping e Putin. Foram vistos num fraterno aperto de mãos triplo, na cúpula da Organização para a Cooperação de Xangai (OCS, ou SCO, em inglês), onde havia vinte chefes de Estado do Sul Global.

Trump e a União Europeia os acusaram de conspirar contra o Ocidente.

Modi e Xi estreitaram laços, esquecendo disputas fronteiriças em prol da cooperação econômica. Xi fez acordo com Putin para construir gigantesco gasoduto através da Mongólia e ampliar negócios. Modi quer mais aviões e sistemas de defesa antiaérea S-400 russos, e manterá as compras de petróleo que revende com ágio para países europeus.

O Ocidente abusou tanto de sanções ilegítimas que uniu os sancionados – Irã incluído –, que negociam cada vez mais nas suas moedas, à margem do dólar e euro.

Um mundo multipolar está em construção, não contra o Ocidente, mas liberto da hegemonia dele.

O Nepal é parceiro da OCS desde 2016, e esteve na China com Xi, Putin e Modi. São muitos “acasos”, além de o Nepal ficar entre China e Índia. Se estas se uniram, por que não criar caos no país entre elas?

Pra completar, em 2024 o Nepal confirmou a parceria com a China no projeto Um Cinturão, Uma Rota, ou Nova Rota da Seda (‘Belt and Road Initiative’, BRI), combatida pelos EUA, inclusive na retomada agressiva da Doutrina Monroe – pela qual a “América Latina deve ser quintal dos EUA”.

Reforça as suspeitas o nome que inicialmente surgiu para formar novo governo: Balendra Shah, ‘rapper’ e prefeito de Katmandu, a capital, defensor do Grande Nepal – devolução ao Nepal de territórios da Índia – de quem é opositor ferrenho, até na cultura.

Muitas coincidências, não? E as redes dos EUA voltaram a funcionar sem cumprir as leis locais.

A escolhida como primeira-ministra interina foi a ex-presidente da Suprema Corte do Nepal, Sushila Karki (73 anos, juíza aposentada) – única mulher nepalesa a assumir tais cargos –, e não Shah, não por enquanto.

O presidente, mantido no cargo, dissolveu o Parlamento e marcou eleições para março.

Do pacote fazem parte os golpes contra desafetos dos EUA no Paquistão (2022) e em Bangladesh (2024), agora com governos servis.

Revolta espontânea dos jovens? Ou nova revolução colorida da CIA?

*Jordan Michel-Muniz é ativista social, mestre e doutor em filosofia pela UFSC, e pesquisa temas ligados à geopolítica, democracia e injustiças.

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Zé Maria

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Frota de Barcos da Global Sumud Flotilla (GSF)
foi atacada por Drones israelenses no Porto de
Sidi Bou Said na Tunísia em dois dias seguidos

Membros da GSF prometem continuar os esforços
para quebrar o cerco de Israel à Faixa de Gaza,
depois de dois dos navios do grupo terem sido
alvo de ataques com drones aparentemente
de isRéu enquanto estavam atracados no
Porto Tunisiano.

A Flotilha GSF é uma iniciativa de ajuda internacional
para entregar suprimentos vitais à Faixa de Gaza apoiada por delegações de 44 países, incluindo
o ativista Saif Abukeshek e a parlamentar de
esquerda portuguesa Mariana Mortágua (BE).

Em entrevista a Amy Goodman para o Democracy Now!,
Mariana Mortágua e Saif Abukeshek falam dos ataques
à flotilha e da importância da mobilização social que
obrigue os governos a agirem contra o genocídio
de isRéu em Gaza.

Íntegra da Entrevista em:
https://www.esquerda.net/artigo/ataques-flotilha-servem-para-desviar-atencao-de-gaza/95965

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Zé Maria

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“Demissão em Massa no Itaú abre Debate
sobre Vigilância Digital e Home Office”

Sindicato dos Bancários denuncia Monitoramento Secreto,
Vigilância ilegal e Ofensiva contra os Trabalhadores
que exerciam tarefas na modalidade trabalho remoto.

O banco utilizou, sem o conhecimento dos empregados,
softwares de monitoramento remoto, capazes de
registrar o tempo de uso do computador [inclusive as
atividades de monitores, mouses e teclados], número
de cliques e programas acessados.

[ Reportagem: Ana Luiza Sanfilippo | CartaCapital ]

Na segunda-feira 8, o Itaú Unibanco anunciou a demissão
de cerca de mil [1000] funcionários, de diversos setores
da instituição financeira.

A justificativa oficial seriam “incompatibilidades” entre
o registro de ponto e a atividade registrada nas
plataformas digitais durante o home office.

“Foram identificados padrões incompatíveis com nossos
princípios de confiança, que são inegociáveis para o banco”,
afirmou o Itaú em comunicado.

“Alguns desses casos, os mais críticos, chegaram
a patamares de 20% de atividade digital no dia
– de forma sistemática, ao longo de quatro meses –
e ainda assim registraram horas extras naqueles
mesmos dias, sem que houvesse causa que justificasse.”

A controvérsia, no entanto, vai além dos números.

O banco utilizou softwares de monitoramento remoto, capazes de registrar tempo de uso do computador, número de cliques e programas acessados.

Segundo informações da Folha de S.Paulo, a produtividade
dos funcionários seria calculada a partir de métricas
como quantidade de cliques, abertura de abas e inclusão
de tarefas no sistema.

Nesta quinta-feira 11, a presidenta do Sindicato dos
Bancários de São Paulo, Neiva Ribeiro, disse que o
processo não passou por negociação coletiva e que
os critérios que embasaram os desligamentos nunca
foram apresentadas.

“Eles criaram um critério secreto, que ninguém pode
contestar”, critica.

“O funcionário descobre no dia da demissão que estava
sendo monitorado havia seis meses.
É um mecanismo de vigilância e de quebra de confiança,
não o contrário.”

O monitoramento de computadores corporativos é
permitido pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD),
mas apenas se os trabalhadores forem previamente
avisados sobre quais informações serão coletadas,
para que finalidade e como serão tratadas.

O sindicato informou ter ouvido 380 trabalhadores
em plenária e anunciou que ingressará com ação de indenização por dano moral contra o Itaú, argumentando
que os demitidos estão sofrendo consequências reputacionais,
com impactos sobre a recolocação no mercado de trabalho.

Um ex-funcionário da área de desenvolvimento, demitido
após 3 (três) anos na empresa, conta que a decisão o
pegou de surpresa:

“Na sexta, finalizamos um ciclo de trabalho.
Já tínhamos reunião marcada para planejar os próximos
21 dias.
De repente, recebo o aviso de desligamento”, afirmou ele,
sob reserva, à reportagem de CartaCapital.

O programador afirma que nunca foi informado de que
o monitoramento de tela seria usado como critério de
avaliação.

“O trabalho intelectual não se mede pelo tempo diante
do teclado.
Minha produtividade sempre foi medida pelo que entregamos
no planejamento.
Essa métrica não estava no contrato, nunca foi apresentada.”

Ele lembra ainda que não recebeu ‘feedbacks’ negativos
e questiona o momento da decisão:

“No ano passado o banco lucrou 40 bilhões de reais,
com o mesmo modelo remoto.
Só no primeiro semestre de 2024 foram mais 22 bilhões.
Como podem alegar queda de produtividade?
Para mim, está claro: é uma ofensiva contra o home office,
para forçar a volta ao presencial.”

A presidenta do SindBancáriosSP também destaca o
contraste entre a decisão da empresa e a vontade
da categoria:

“Os bancários aprovaram o modelo remoto.
Ele funciona e é bem avaliado.
Se os bancos insistirem em impor o retorno presencial, vão enfrentar resistência e mobilização.”

https://www.cartacapital.com.br/sociedade/demissao-em-massa-no-itau-abre-debate-sobre-vigilancia-digital-e-impactos-trabalhistas-da-ia/

.

Zé Maria

A CIA e suas ‘Revoluções Coloridas’ ainda vigem.

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