Fux vota pela anulação de todo o processo por falta de competência do STF para julgar os réus
Tempo de leitura: 3 minFux vota para anular todo o processo por falta de competência do STF para julgar os réus
Ministro Luiz Fux também votou pela incompetência absoluta da Primeira Turma de analisar o caso e competência do plenário do Supremo.
Por Luiz Felipe Barbiéri, Reynaldo Turollo Jr, Márcio Falcão, g1 e TV Globo — Brasília
O ministro Luiz Fux votou nesta quarta-feira (10) pela “incompetência absoluta” do Supremo Tribunal Federal (STF) para julgar a ação penal em que o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete integrantes do núcleo crucial da chamada trama golpista são réus.
Fux sustentou seu argumento sob o entendimento de que os réus são pessoas sem prerrogativa de foro privilegiado, isto é, sem o direito de serem julgadas por uma instância superior.
O ministro acrescentou que, se, mesmo assim, o STF tivesse que julgar a ação, a Primeira Turma — composta por cinco ministros — não seria a mais adequada para fazê-lo, mas, sim, o plenário do Supremo — composto por 11 ministros.
Ao começar a sua fala, Fux destacou a importância do papel do juiz e do seu distanciamento.
“A Constituição da República delimita de forma precisa e restrita a hipótese que nos cabe atuar originariamente no processo penal. Trata-se, portanto, de competência excepcionalíssima, tal atribuição aproxima o Supremo dos juízes criminais de todo o país”, afirmou.
“O juiz, por sua vez, deve acompanhar a ação penal com distanciamento, não apenas por não dispor de competência investigativa e acusatória, mas com o dever de imparcialidade. A despeito dessa limitação, o juiz funciona como controlador da regularidade da ação penal, e segundo é o juiz quem tem a palavra final sobre a justa correspondência de fatos e provas”, prosseguiu
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Incompetência do STF e da Primeira Turma
Ao mencionar a incompetência do Supremo em julgar a ação, Fux argumentou que os réus não têm a prerrogativa de foro — algo que ele já tinha argumentado no recebimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), em março.
“Sinteticamente, ao que vou me referir é que não estamos julgando pessoas que têm prerrogativa de foro, estamos julgando pessoas sem prerrogativa de foro”, afirmou.
“Compete ao STF precipuamente a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar originariamente nas infrações penais comuns o presidente da República, o vice-presidente, a membros do Congresso Nacional, seus próprios ministro e o procurador-geral da República. O primeiro pressuposto que o ministro deve analisar antes de ingressar na denúncia ou petição inicial é verificar se ele é competente”, emendou.
Nesse sentido, em seu voto, Fux declarou a nulidade de todos os atos decisórios praticados pelo STF na ação penal.
“Meu voto é no sentido de reafirmar a jurisprudência dessa corte. Concluo, assim, pela incompetência absoluta do STF para o julgamento desse processo, na medida que os denunciados já haviam perdidos seus cargos”, prosseguiu.
No caso do julgamento permanecer na alçada do STF, outro ponto levantado por Fux se refere à incompetência da Primeira Turma em analisar o caso. O ministro defendeu que esse papel deveria ser exercido pelo plenário, composto por mais ministros.
“Os réus não têm prerrogativa de foro porque não exercem função prevista na Constituição. Se ainda estão sendo processados em cargos por prerrogativa, a competência é do plenário do STF. Impõe-se o deslocamento do feito para o órgão maior da Corte”, justificou.
“Acolho essa preliminar [sobre a incompetência da Primeira Turma] e também declaro a nulidade de todos os atos praticados por este STF”, emendou.
Cerceamento de defesa
Fux também acolheu os argumentos sobre o cerceamento da defesa por conta da dificuldade de acessar os documentos do processo.
“O devido processo legal vale para todos. Nesse ponto, eu grifo o que tem sido denominado de document dumping, a disposição tardia de um grande número de dados”, afirmou Fux.
“Em razão da disponibilização tardia de um tsunami de dados, sem identificação com antecedência dos dados, eu acolho a preliminar de violação constitucional de ampla defesa e declaro cercamento de defesa”, prosseguiu.
Validade da delação
O ministro também votou pela validade da delação de Mauro Cid, com benefícios concedidos pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
“Nesse caso, o réu colaborou com as delações sempre acompanhado de advogado e as advertências pontuais feitas pelo relator ao colaborador. Isso faz parte do rol de perguntas que se pode fazer ao colaborador. E, na verdade, esse colaborador ele acabou se autoincriminando, porque ele confessa”, justificou Fux.
“Nesse sentido, parece-me desproporcional a anulação dessa delação. Estou acolhendo a conclusão do relator, o parecer do MP e voto nos sentido de se aplicar ao colaborador ou benefícios propostos pela PGR”, completou.
Suspensão da ação penal de Ramagem
Em seu voto, Luiz Fux considerou suspensa a ação penal que envolve o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem.
“Estamos no caso da organização criminosa diante de um único crime que se prorrogou no tempo. O crime de organização criminosa, é um só. Seja no momento anterior ou posterior do réu, Alexandre Ramagem. Por essa razão eu voto pela extensão dos efeitos da decisão dessa turma para suspender a ação penal em relação a esse réu e a respectiva prescrição”, argumentou.




Comentários
Zé Maria
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JURISPRUDÊNCIA STF
“A prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste
mesmo após o afastamento do cargo, ainda que
o inquérito ou a ação penal sejam iniciados
depois de cessado seu exercício.”
Paradigmas: HC 232627 e Inq 4787. (*)
Informativo STF Nº 1168/2025. Pg.8 (18/03/2025):
https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/informativoSTF/anexo/Informativo_PDF/Informativo_stf_1168.pdf
(*) HC 232627 Inq 4787 AgR-QO
Órgão julgador: Tribunal Pleno
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 12/03/2025
Publicação: 27/05/2025
EMENTA: Direito Constitucional e Processual Penal. Abrangência do foro por prerrogativa de função. Revisitação do tema. Fixação do entendimento de que a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados durante o exercício do cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício.
I. Caso em exame
1. Questão de ordem suscitada nos autos de inquérito instaurado sob supervisão desta Corte para apurar envolvimento de ex-parlamentar em supostos delitos funcionais.
2. Fato relevante. Segundo a autoridade policial, os fatos investigados teriam ocorrido durante o exercício do cargo e em razão dele. Porém, diante do encerramento do mandato, o eminente Ministro Relator decidiu encaminhar os autos para o juízo de primeiro grau.
II. Questão em discussão
3. A questão em discussão consiste em saber se a competência dos Tribunais para julgamento de crimes cometidos no cargo e em razão das funções prevalece mesmo depois de cessado seu exercício.
III. Razões de decidir
4. Oportunidade para que a Corte aprimore a orientação em vigor, a partir do raciocínio e dos critérios utilizados pela corrente vencedora na AP 937-QO: a interpretação de que o foro especial deve ser concebido e aplicado em vista da natureza do crime praticado pelo agente, e não de critérios temporais relacionados ao exercício atual do mandato.
5. A doutrina aponta para o duplo escopo do foro especial: de um lado, evitar pressões externas sobre o órgão julgador e, de outro, proteger a dignidade de determinados cargos públicos, garantindo tranquilidade e autonomia ao seu titular. São duas perspectivas que, reunidas, servem de justificação para a prerrogativa de foro. Uma é a contraface da outra. Por isso, Victor Nunes Leal falava em “uma garantia bilateral, garantia contra e a favor do acusado”.
6. Esses fundamentos mostram que o foro especial serve a propósitos virtuosos: manter a estabilidade das instituições democráticas e preservar o funcionamento do Estado. Tal justificação contribui, ainda, para rechaçar aleivosias semeadas contra a sua manutenção pela Constituição de 1988. Desmente a falsa crença de que o foro especial constitui privilégio incompatível com o regime republicano e que serviria apenas para blindar a classe política. Como prerrogativa do cargo, o foro especial contribui para o equilíbrio e a harmonia entre os Poderes e para a eficiente condução dos negócios públicos.
7. Até por se tratar de prerrogativa do cargo, e não de privilégio pessoal, o foro privativo para atos cometidos no exercício das funções deve subsistir mesmo após a cessão do exercício funcional. Afinal, a saída do cargo não ofusca as razões que fomentam a outorga de competência originária aos Tribunais. O que ocorre é justamente o contrário. É nesse instante que adversários do ex-titular da posição política possuem mais condições de exercer influências em seu desfavor, e a prerrogativa de foro se torna mais necessária para evitar perseguições e maledicências.
8. Há mais. A subsistência do foro especial, após a cessação das funções, também se justifica pelo enfoque da preservação da capacidade de decisão do titular das funções públicas. Se o propósito da prerrogativa é garantir a tranquilidade necessária para que o agente possa agir com brio e destemor, e tomar decisões, por vezes, impopulares, não convém que, ao se desligar do cargo, as ações penais contra ele passem a tramitar no órgão singular da justiça local, e não mais no colegiado que, segundo o legislador, reúne mais condições de resistir a pressões indevidas.
9. O entendimento atual também causa flutuações de competência no decorrer de causas criminais e traz instabilidade para o sistema de Justiça. Ele abre uma brecha que permite a alteração da competência pela vontade do acusado. O parlamentar pode, por exemplo, renunciar antes da fase de alegações finais, para forçar a remessa dos autos a um juiz que, aos seus olhos, é mais simpático aos interesses da defesa.
10. Afora o declínio de competência por ato voluntário do agente, as vicissitudes da vida política podem acarretar abrupta cessação do foro privativo. Tome-se como exemplo o Senador que, ao fim do mandato, é eleito para o cargo de Deputado Federal, ou vice-versa. Ou, ainda, do Vice-Presidente que assume o cargo de Presidente da República, depois da renúncia do titular. A aplicação da tese firmada na AP 937-QO, sem qualquer temperamento, importaria a remessa dos inquéritos e ações para a primeira instância, e o acusado ficaria exposto aos riscos que a lei quis conter ao estabelecer o foro especial. O equívoco é tão grande que o Plenário foi obrigado a relativizar a regra geral para estabelecer que a prerrogativa de foro subsiste quando o parlamentar federal é eleito, sem interrupção do mandato, para a outra Casa Legislativa (Inq. 4342-Q O, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 13.6.2022).
11. É necessário avançar no tema, para estabelecer um critério geral mais abrangente, focado na natureza do fato criminoso, e não em elementos que podem ser manobrados pelo acusado (permanência no cargo). A proposta apresentada atende a essa finalidade. Preservados os aspectos centrais do entendimento firmado na AP 937-QO, ela estabiliza o foro para julgamento de crimes praticados no exercício do cargo e em razão dele, ao mesmo tempo que depura a instabilidade do sistema e inibe deslocamentos que produzem atrasos, ineficiência e, no limite, prescrição.
IV. Dispositivo e tese
12. Questão de ordem resolvida para alterar o entendimento em vigor sobre o foro privativo. Aplicação imediata aos processos e inquéritos em curso, com a ressalva dos atos praticados pelo STF e pelos demais Juízos com base na jurisprudência anterior.
Tese de julgamento: a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 53, §1º. Jurisprudência relevante citada: Súmula 394; Inq. 687-QO, Rel. Min. Sydney Sanches; AP 937-QO, Rel. Min. Roberto Barroso.
Tese
“A prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício.”
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12/3/2025
Notícias da Suprema Corte Brasileira
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que
a prerrogativa de foro, para os casos de crimes
cometidos no cargo e em razão dele, deve ser
mantida após a saída da função.
A decisão, tomada por maioria de votos,
aperfeiçoa o entendimento do Tribunal sobre
a competência para análise de processos penais
envolvendo autoridades.
Agora, a prerrogativa de foro continua mesmo que
a autoridade deixe o cargo, ainda que o inquérito ou
a ação penal sejam iniciados depois de encerrado
o exercício da função.
A posição foi fixada no julgamento conjunto do
Habeas Corpus (HC) 232627 e do Inquérito (INQ) 4787,
na sessão virtual do Plenário finalizada em 11/3.
A maioria acompanhou o entendimento do relator,
ministro Gilmar Mendes, de que o envio do caso
a outra instância quando o mandato se encerra
gera prejuízos.
Íntegra do Voto-Vista do Presidente do STF,
Ministro Luís Roberto Barroso:
https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC232627eInq4787votoLRB.pdf
https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-forma-maioria-para-manutencao-da-prerrogativa-de-foro-apos-saida-do-cargo-mas-pedido-de-vista-adia-julgamento/
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