Paulo Sérgio Pinheiro: O silêncio cúmplice dos países que mantêm laços com Israel

Tempo de leitura: 5 min

O silêncio cúmplice

Não há ‘crise humanitária’ em Gaza, há genocídio industrializado. E cada país que mantém laços com Israel é cúmplice dessa máquina de morte

Por Paulo Sérgio Pinheiro, em A Terra é Redonda

1.

A presença do historiador Ilan Pappé no Brasil é motivo de honra. Sua trajetória intelectual e sua corajosa denúncia da opressão ao povo palestino servem de referência para todos que, como nós, defendem os direitos humanos e denunciam, com clareza, o genocídio em curso na Faixa de Gaza.

Não há mais espaço para eufemismos. O governo supremacista e racista de Israel conduz, diante dos olhos do mundo, uma política de extermínio e limpeza étnica. Trata-se de uma ofensiva sustentada não apenas pelo aparato militar israelense, mas também pelo apoio expresso da maioria da população daquele país.

Desde outubro de 2023, lideranças políticas e militares israelenses deram início a uma escalada de desumanização dos palestinos e incitação explícita ao genocídio.

As declarações oficiais, somadas aos atos concretos de destruição em massa, resultam em uma constatação incontornável: Israel comete um crime de genocídio contra o povo palestino – um crime que persiste até hoje, graças à omissão (ou conivência) de grande parte da comunidade internacional.

O massacre de civis em Gaza vai muito além dos bombardeios aéreos. Soldados israelenses, em ações no solo, cometeram atrocidades, muitas vezes documentadas e, hoje, até celebradas em redes sociais.

Sob o pretexto de uma guerra contra o Hamas, Israel promoveu a destruição sistemática da estrutura social, política e cultural da região.

Segundo dados recentes, cerca de 92% dos edifícios residenciais de Gaza e 69% de todas as suas estruturas foram destruídos ou severamente danificados. Hospitais, escolas, redes de saneamento, fontes de água potável e todo o sistema de saúde foram desmantelados. A fome é usada como arma de guerra: dois milhões de pessoas enfrentam insegurança alimentar grave.

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A situação descrita pelo diretor da UNRWA, Philippe Lazzarini, é de puro horror: “As pessoas em Gaza não estão nem mortas nem vivas. São cadáveres ambulantes”.

2.

Hoje, 87,7% da Faixa de Gaza está sob controle das Forças de Defesa de Israel (IDF). Cerca de 2,1 milhões de pessoas estão encurraladas em áreas devastadas, sem acesso a alimento, água, medicamentos ou qualquer perspectiva de vida. Esse isolamento não é efeito colateral – é um plano estratégico deliberado de aniquilação de um povo.

Não estamos diante de uma crise humanitária. Estamos diante de um projeto político de destruição. Não há erro. Não há acidente. Há método. Há intenção.

Diante desses crimes hediondos, a pergunta que se impõe é: o que exige o direito internacional?

A Convenção da ONU para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio (1948) obriga os Estados a prevenir o genocídio e a não serem cúmplices. Manter relações diplomáticas, comerciais, militares ou tecnológicas com Israel – especialmente após a abertura da investigação formal por genocídio na Corte Internacional de Justiça, em Haia – representa uma afronta direta a essa convenção.

Países que têm poder para agir, mas optam pela omissão, estão manchados por essa cumplicidade. Não há mais desculpas. Quem mantém acordos, financia o genocídio, como bem apontou Francesca Albanese, relatora especial da ONU para os territórios palestinos ocupados. Quem não rompe, compactua.

Se realmente quisermos deter o massacre em Gaza, é urgente que os Estados-membros da ONU rompam imediatamente todas as relações com o Estado de Israel. Isso inclui embargo total de armas, suspensão de acordos comerciais, tecnológicos e de investimentos. Essa é, infelizmente, a única linguagem que o regime israelense entende.

O governo brasileiro, sob a liderança do presidente Lula, tem adotado posições importantes: denunciou o genocídio, aderiu à investigação da Corte Internacional de Justiça, suspendeu exportações de materiais militares e se retirou da chamada International Holocaust Remembrance Alliance (IHRA), entidade que manipula a definição de antissemitismo para silenciar críticas ao Estado de Israel – uma agenda hoje promovida, no Brasil, por setores de extrema direita e endossada por instituições como a PUC-SP.

Mas o momento histórico exige mais. É hora de o Brasil romper todas as relações diplomáticas e comerciais com Israel.

Não apenas por coerência com os princípios de nossa política externa, mas por um imperativo moral e jurídico. O genocídio não pode ser relativizado. Não pode ser ignorado. Não pode ser normalizado.

3.

No último mês, a escalada da violência em Gaza atingiu um patamar sem precedentes. O número de palestinos mortos em operações militares israelenses chega a 60 mil, milhares de crianças, com número alarmante de vítimas feridas pelos bombardeios.

Hospitais, escolas, abrigos da ONU foram completamente destruídos. Desde março de 2025 há bloqueio a ajuda humanitária, sendo envios intermitentes e muito abaixo das necessidades.

A fome tem sido usada como arma de guerra, legitimada entre a população israelense. Cerca de 80% das estruturas hidráulicas foram destruídas e a população é torturada pela sede em pleno verão.

O número de crianças com menos de cinco anos em estado de desnutrição aguda triplicou. Gaza, hoje, tem o maior número de crianças amputadas per capita no mundo.

A imagem mostra uma mulher sentada, vestindo uma roupa longa e escura, segurando uma criança magra em seu colo. A criança tem a pele visivelmente magra e está voltada para a mulher, que parece estar olhando para ele com uma expressão de preocupação. O ambiente ao fundo é simples, com paredes de cor clara e alguns objetos ao fundo que sugerem uma situação de vulnerabilidade.

O governo supremacista de Israel, com o apoio ou a indiferença da maior parte da população – que não vê as imagens dos horrores em Gaza, censuradas pela mídia – avança seu projeto de tornar a Faixa de Gaza inabitável por meio de sua destruição total e de promover uma limpeza étnica contra os palestinos.

Sem nenhum constrangimento, o ministro da Defesa anunciou que pretende concentrar, inicialmente, 600 mil palestinos no Sul, na destruída cidade de Rafah, em uma “cidade humanitária” – campo de concentração, como afirmou o ex-primeiro-ministro Ehud Olmert –, que seria a primeira etapa para a transferência dos palestinos a outros países.

Entre janeiro e março de 2024, a Corte Internacional de Justiça emitiu medidas cautelares contra Israel, reconhecendo o risco plausível de que estejam sendo cometidos atos de genocídio contra a população palestina.

O que antes era plausível, hoje é, segundo um número crescente de especialistas em estudos sobre genocídio e direito internacional – inclusive israelenses –, uma conclusão inescapável: as ações de Israel em Gaza configuram um genocídio contra o povo palestino.

Na mesma direção apontam os relatórios de Francesca Albanese, relatora especial da ONU para os Territórios Palestinos Ocupados, que, já em março de 2024, afirmava que Israel conduz uma campanha genocida (razão pela qual se tornou alvo de sanções dos EUA).

O que ocorre em Gaza, lembra Albanese, não é um conflito entre iguais, mas uma campanha de extermínio contra uma população sitiada, colonizada e impedida de viver com dignidade.

4.

Trata-se de uma situação de longa duração, sistemática e estrutural – e não de um conflito episódico ou de uma autodefesa circunstancial, ficando claro que apelos indignados às práticas genocidas de Israel em Gaza estão condenados ao fracasso.

O próprio secretário-geral da ONU, António Guterres, criticou recentemente a comunidade internacional por ignorar o sofrimento dos palestinos famintos na Faixa de Gaza, classificando a situação como “uma crise moral que desafia a consciência global”.

A Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio impõe obrigações a todos os Estados signatários. Entre elas, o dever de prevenir o genocídio e de não ser cúmplice.

Manter relações diplomáticas, comerciais, tecnológicas e militares com um Estado sob investigação por genocídio é, no mínimo, uma flagrante violação da devida diligência que os Estados-membros da ONU têm perante o direito internacional.

Aos Estados, especialmente os aliados de Israel que jamais interromperam sua ajuda militar, mas que agora pedem que cesse a “catástrofe humanitária” em Gaza e que Israel suspenda o bloqueio à ajuda humanitária, deles exigem-se ações muito além de palavras indignadas. Se quiserem pôr fim imediato à carnificina em Gaza, os meios existem e são amplamente conhecidos pela comunidade internacional.

Soa a hora de sanções – políticas, diplomáticas, econômicas e culturais. Os países verdadeiramente indignados com Israel devem ser consequentes: romper relações com um Estado que promove um genocídio, impor um embargo total de armas e suspender acordos de comércio e investimentos.

O fim da continuidade do genocídio em Gaza exige mais do que apelos indignados: requer medidas concretas e imediatas.

Paulo Sérgio Pinheiro é professor aposentado de Ciência Política na USP; ex-ministro dos Direitos Humanos; relator especial da ONU para a Síria e membro da Comissão Arns. Autor, entre outros livros, de Estratégias da ilusão: a revolução mundial e o Brasil, 1922-1935 (Companhia das Letras) [https://amzn.to/4le1Cnw]

Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Zé Maria

https://twitter.com/i/status/1952817332490850805

“Lançamentos Aéreos
Matam Pessoas Famintas
Com Comida Estragada”

“Palestinos em Gaza filmaram-se
abrindo alguns dos pacotes de ‘ajuda’
lançados de avião, mostrando que
alguns dos pacotes de comida
estavam cobertos de mofo preto.”

https://electronicintifada.net/blogs/nora-barrows-friedman/airdrops-kill-starving-people-rotten-food

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Zé Maria

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[Make American Pure White
And isRéu Exclusively Jewish]

[O Temor dos NeoNazistas Estadunidenses de que
“os Negros e Hispânicos se tornem Maioria nos Estados Unidos DA América” é Equivalente ao Medo dos Sionistas
de que os Não-Judeus se tornem Maioria em isRéu.
No fundo, são Dois Países majoritariamente Racistas.]
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“EUGENIA EM NOVO FORMATO”

“Ideias que Hitler Copiou dos EUA Renascem sob Trump”

[Reportagem: Luiz Carlos Azenha | Revista Fórum Nº 176]

Ideias que o governo de Adolf Hitler eventualmente adotou
na Alemanha, que tomaram forma nos Estados Unidos,
estão ressurgindo sob Donald Trump.

De acordo com a porta-voz da Casa Branca,
os estimados 800 sem teto que moram nas ruas
de Washington DC podem ser multados ou presos
se não aceitarem se mudar para abrigos ou receber
‘tratamento compulsório’.

Não houve menção até agora a qualquer projeto social
para tirá-los da miséria.

É uma questão de estética urbana.

Trump, que atropelou políticos locais para assumir o controle
da polícia do Distrito de Columbia [Washington DC], tem
um projeto higienista que pretende ampliar para outras
cidades governadas por democratas, como Chicago e
Los Angeles.

Não é um acaso que as três cidades são governadas
por democratas negros, duas delas por mulheres.

Vingança Ditatorial
Além de se tratar de uma vendetta política contra adversários,
em regiões onde perdeu as eleições em 2024, as decisões
de Trump representam uma violação das bases do
federalismo estadunidense, que dá grande autonomia
a estados, condados e municipalidades.

“Trump declarou guerra contra os pobres”, afirmou o
prefeito de Chicago, Brandon Johnson, que foi chamado
de “incompetente” pelo presidente.

Depois de redecorar todo o salão Oval com frisos
dourados e candelabros de gosto duvidoso, Donald
Trump agora quer “embelezar” as cidades estadunidenses,
escondendo a pobreza — majoritariamente parda e negra.

A Eugenia, de Volta em Novo ‘Sabor’
As ideias de hierarquizar raças foram desenvolvidas no
momento em que o capitalismo se expandia e buscava
recursos e mercados à força, na América Latina, África
e Ásia.

O britânico Francis Galton cunhou a frase “eugenia”
em 1883.

A ideia era “aprimorar” o estoque genético humano.

As ideias dele logo ganharam muita força nos Estados
Unidos e em vários países da Europa.

O livro “Guerra Contra os Fracos” (War Against the Weak)
descreve brilhantemente que a pseudociência da eugenia
foi abraçada de tal forma pela comunidade científica
dos EUA que cerca de 60 mil pessoas foram esterilizadas
forçosamente, a maioria de negros.

Na categoria dos que eram chamados de “feeble minded”,
ou genericamente ‘bobos’, estavam incluídos miseráveis
e pessoas com algum tipo de deficiência física ou mental,
vistas então como “poluidoras” do pool genético.

Steven Farber, que estudou o movimento nos EUA,
escreveu que o regime nazista de Hitler adotou ideias
gestadas nos Estados Unidos:

“O que muitas vezes não é reconhecido é que os esforços
nazistas foram reforçados pelas obras publicadas pelo
movimento eugenista estadunidense como a base intelectual
de suas políticas sociais.
Um dos primeiros atos de Hitler após assumir o controle
do governo alemão foi a aprovação da ‘Lei para a Prevenção
de Descendentes com Doenças Hereditárias’ em julho
de 1933.”

Os nazistas, ao proporem seu próprio programa de esterilização,
mencionaram especificamente o “sucesso das leis de
esterilização na Califórnia”, documentado principalmente
pelo eugenista americano P.B. Popenoe.

O programa nazista resultou na esterilização de 360.000
a 375.000 pessoas.

Genes Brancos e “Limpos”
Durante a campanha eleitoral, centrada na ideia falsa de
que os imigrantes estavam comendo animais de estimação
nos Estados Unidos, Donald Trump disse uma frase que
caberia perfeitamente num discurso eugenista:

“Muitos deles [imigrantes] assassinaram muito mais de
uma pessoa e agora vivem felizes nos Estados Unidos.
Sabe, agora são assassinos, eu acredito nisso, está nos
genes deles.
E temos muitos genes ruins em nosso país atualmente.”

“Eu quero mais bebês nos Estados Unidos”, disse o vice-
presidente JD Vance em seu primeiro discurso, como
parte de um movimento pró-natalista que tem o apoio
do MAGA e engajamento da extrema-direita.

A preocupação de que os negros e hispânicos se tornem
maioria no país é um dos combustíveis do movimento.

Mulheres Como ‘Parideiras’
A professora de História Laura Lovett escreveu um livro
em que sustenta que há grande preocupação dos
conservadores em recolocar as mulheres “em seu lugar”,
uma contrarrevolução cultural:

“Quando Theodore Roosevelt usou o termo ‘suicídio racial’,
ele, na verdade, culpa as mulheres que estão indo para
a faculdade pela primeira vez por esse eventual suicídio
da raça branca, ‘a certa’.
Há uma ligação entre o futuro educacional e aspiracional
das mulheres e o declínio da taxa de natalidade.
Havia essa ansiedade de que mulheres brancas, nativas
e de classe média estivessem tendo famílias menores.”

Em abril deste ano, Genevieve L. Wojcik, professora de
epidemiologia da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore,
escreveu um alerta a seus colegas cientistas na revista
Nature com o título “Eugenics is on the rise again: human
geneticists must take a stand” (A eugenia está em ascensão
novamente: geneticistas humanistas precisam se posicionar).

A professora alinhavou várias declarações de autoridades
do governo Trump para fazer o alerta de que a Ciência
muita vezes se molda a objetivos políticos de seus financiadores.

O ataque simultâneo de Trump a universidades, centros
culturais, institutos de pesquisa, à Ciência e aos miseráveis
em geral acontece num contexto de ascensão do neofascismo
— que ele [e seus Comparsas Submissos Locais] pretende[m] reimplantar no Brasil.

https://revistaforum.com.br/global/2025/8/14/ideias-que-hitler-copiou-dos-eua-renascem-sob-trump-185440.html

Leia Também na Mesma Edição da Revista Fórum:

“Misoginia Institucional”
“Secretário de Defesa de Trump apoia
fim do Direito ao Voto das Mulheres”

Por Iara Vidal

Íntegra em:
https://semanal.revistaforum.com.br/wp-content/uploads/2025/08/Revista-Forum-176-15.8.2025-3.pdf
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Zé Maria

Excerto

“Não há mais espaço para eufemismos.

O governo supremacista e racista de Israel conduz,
diante dos olhos do mundo, uma política de extermínio
e limpeza étnica.”

Desde outubro de 2023, lideranças políticas e militares
israelenses deram início a uma escalada de desumanização
dos palestinos e incitação explícita ao genocídio.

As declarações oficiais, somadas aos atos concretos
de destruição em massa, resultam em uma constatação
incontornável:
Israel comete um crime de genocídio contra o povo
palestino – um crime que persiste até hoje, graças à omissão
(ou conivência) de grande parte da comunidade internacional.

O massacre de civis em Gaza vai muito além dos bombardeios
aéreos.
Soldados israelenses, em ações no solo, cometeram atrocidades…

Sob o pretexto de uma guerra contra o Hamas, Israel
promoveu a destruição sistemática da estrutura social,
política e cultural da região.

Segundo dados recentes, cerca de 92% dos edifícios
residenciais de Gaza e 69% de todas as suas estruturas
foram destruídos ou severamente danificados.

Hospitais, escolas, redes de saneamento, fontes de água
potável e todo o sistema de saúde foram desmantelados.

A fome é usada como arma de guerra:
dois milhões de pessoas enfrentam insegurança alimentar
grave.

A situação descrita pelo diretor da UNRWA, Philippe Lazzarini,
é de puro horror:
‘As pessoas em Gaza não estão nem mortas nem vivas.
São cadáveres ambulantes’.

Hoje, 87,7% da Faixa de Gaza está sob controle das
Forças de Defesa de Israel (IDF) [Leia-se: Forças Armadas Israelenses].

Cerca de 2,1 milhões de pessoas estão encurraladas
em áreas devastadas, sem acesso a alimento, água,
medicamentos ou qualquer perspectiva de vida.

Esse isolamento não é efeito colateral – é um plano
estratégico deliberado de aniquilação de um povo.

Não estamos diante de uma crise humanitária.

Estamos diante de um projeto político de destruição.

Não há erro. Não há acidente. Há método. Há intenção.”
[…]
“A Convenção da ONU para a Prevenção e Punição
do Crime de Genocídio (1948) obriga os Estados
a prevenir o genocídio e a não serem cúmplices.

Manter relações diplomáticas, comerciais, militares
ou tecnológicas com Israel – especialmente após a
abertura da investigação formal por genocídio na
Corte Internacional de Justiça, em Haia – representa
uma afronta direta a essa convenção.

Países que têm poder para agir, mas optam pela omissão,
estão manchados por essa cumplicidade.

Não há mais desculpas.

Quem mantém acordos, financia o genocídio, como bem
apontou Francesca Albanese, relatora especial da ONU
para os territórios palestinos ocupados.

Quem não rompe, compactua.

Se realmente quisermos deter o massacre em Gaza,
é urgente que os Estados-membros da ONU rompam
imediatamente todas as relações com o Estado de Israel.

Isso inclui embargo total de armas, suspensão de
acordos comerciais, tecnológicos e de investimentos.

Essa é, infelizmente, a única linguagem que o regime
israelense entende.

O governo brasileiro, sob a liderança do presidente Lula,
tem adotado posições importantes:
denunciou o genocídio, aderiu à investigação
da Corte Internacional de Justiça, suspendeu exportações de materiais militares e se retirou
da chamada International Holocaust Remembrance
Alliance (IHRA), entidade que manipula a definição
de antissemitismo para silenciar críticas ao Estado
de Israel – uma agenda hoje promovida, no Brasil,
por setores de extrema direita e endossada por
instituições como a PUC-SP.

Mas o momento histórico exige mais.

É hora de o Brasil romper todas as relações diplomáticas e comerciais com Israel.

Não apenas por coerência com os princípios de nossa política externa, mas por um imperativo moral e jurídico.

O genocídio não pode ser relativizado. Não pode ser ignorado.
Não pode ser normalizado.”

PAULO SÉRGIO PINHEIRO
Professor aposentado de Ciência Política na USP;
ex-ministro dos Direitos Humanos;
relator especial da ONU para a Síria e
membro da Comissão Arns.
https://t.co/AUKk7LrBq0
https://x.com/VIOMUNDO/status/1955989622627938417

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Zé Maria

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“Os EUA Sancionaram a Relatora Especial
da ONU Francesca Albanese –
Eis Por Que Ela é o Alvo Errado”

Por Alvina Hoffmann*, em The Conversation

Os Estados Unidos impuseram sanções contra a relatora especial da ONU para os territórios palestinos, Francesca Albanese.

É uma situação sem precedentes.

O secretário de Estado americano, Marco Rubio, citou como motivo o envolvimento direto dela com o Tribunal Penal Internacional “nos esforços para investigar, prender, deter ou processar cidadãos dos Estados Unidos ou de Israel”.

A declaração também descreveu as “cartas ameaçadoras enviadas por Albanese a dezenas de entidades em todo o mundo, incluindo grandes empresas americanas”, como uma escalada de suas estratégias.

As sanções foram enquadradas como prevenção de “excessos ilegítimos e abuso de poder do TPI” e como parte da Ordem Executiva 14203 de Trump sobre a imposição de sanções ao TPI [Tribunal Penal Internacional].

Isso levanta a questão: quem são os relatores especiais e por que o desempenho de Albanese em seu papel provocaria uma reação tão forte dos EUA?

Os relatores especiais são especialistas independentes em direitos humanos, parte do sistema de procedimentos especiais do Conselho de Direitos Humanos da ONU, estabelecido em 1979.

Há 46 “mandatos temáticos” sobre questões como execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados e meio ambiente, e 14 “mandatos por país” , incluindo na Palestina.

Especialistas em direitos humanos, oriundos da academia, advocacia, direito e outras áreas profissionais relevantes, são nomeados para desempenhar uma variedade de tarefas, incluindo a realização de visitas a países, o envio de comunicações a Estados sobre casos individuais de violações de direitos humanos, o desenvolvimento de padrões internacionais de direitos humanos, a participação em advocacia e a prestação de cooperação técnica com base em sua expertise jurídica e temática.

Em 1967, 22 anos após sua criação, as Nações Unidas estabeleceram disposições institucionais para especialistas independentes em direitos humanos. Isso aconteceu pela primeira vez em 1967, quando nomearam um grupo de trabalho ad hoc de especialistas em apartheid e discriminação racial na África Austral.

Em 1968, o mesmo grupo de especialistas foi nomeado para investigar “Práticas Israelenses que Afetam os Direitos Humanos do Povo Palestino e de Outros Árabes dos Territórios Ocupados”.

Essa estrutura ainda está em vigor.

Na época, nem a África do Sul nem Israel permitiram a entrada de especialistas em seus territórios para inspecionar seu histórico de direitos humanos.

Mas em 2003, quase uma década após a realização das primeiras eleições democráticas, a África do Sul emitiu um convite permanente para todos os procedimentos especiais temáticos, o que significa que se comprometeram, pelo menos em teoria, a sempre aceitar pedidos de visita de relatores.

Ataques a Relatores Individuais
Albanese, especialista em direito internacional dos direitos humanos, é a oitava relatora desde a criação de seu mandato em 1993.
Ela foi nomeada para esse cargo pro bono em 2022 por três anos, e seu mandato foi recentemente renovado por mais três anos.

Foi seu relatório mais recente, de 30 de junho (https://www.ohchr.org/sites/default/files/documents/hrbodies/hrcouncil/sessions-regular/session59/advance-version/a-hrc-59-23-aev.pdf), que a levou a ser sancionada pelos EUA.

O relatório se concentrou no papel do setor empresarial em “empreendimentos coloniais e genocídios associados” e nomeou mais de 60 empresas como “cúmplices”.

Diversas instituições e figuras importantes dos direitos humanos a defenderam.

Agnes Callamard, ex-relatora especial sobre execuções extrajudiciais e atual secretária-geral da Anistia Internacional, observou os “efeitos intimidadores para todos os relatores especiais” da decisão dos EUA.

Altos funcionários de direitos humanos da ONU denunciaram esse precedente perigoso e pediram sua reversão.

Em fevereiro de 2024, o governo de Israel declarou Albanese persona non grata em resposta à sua observação de que “as vítimas do massacre de 7 de outubro não foram assassinadas por serem judias, mas em resposta à opressão israelense”.

Assim como no caso das sanções recém-impostas, ela chamou essa medida de distração e apelou ao mundo para que mantivesse o foco em Gaza.

Imunidade Diplomática
Relatores especiais gozam de imunidade diplomática, o que, em teoria, deveria permitir que se manifestassem ou escrevessem relatórios críticos sem medo de represálias.

Contudo, em 1989 e 1999, a CIJ [Corte Internacional de Justiça das Nações Unidas] teve que intervir com um parecer consultivo em dois casos em que esse status foi ameaçado após os países de origem de dois relatores especiais tentarem restringir sua liberdade de expressão.

Tratava-se do romeno Dumitru Mazilu , encarregado de escrever um relatório sobre “Direitos humanos e juventude”, e do malaio Dato’ Param Cumaraswamy, relator especial sobre a independência de juízes e advogados.

Relatores especiais escreveram uma carta coletiva denunciando o segundo caso, quando o governo malaio entrou com vários processos judiciais contra Cumaraswamy.

O corpo de especialistas chamou isso de “assédio judicial a um relator especial” e “uma afronta ao status das Nações Unidas como um todo, seus funcionários e seus especialistas em missão”.

Relatores especiais ocupam uma posição institucional ambígua.
Eles recebem seu mandato do Conselho de Direitos Humanos, mas agem em caráter pessoal e, portanto, não são considerados funcionários da ONU.
Na prática, precisam equilibrar cuidadosamente as relações entre o secretariado da ONU, a sociedade civil, os representantes dos Estados e, às vezes, seus próprios países.

Os pareceres consultivos ajudaram a esclarecer que cabe ao secretário-geral, como chefe das Nações Unidas, conferir-lhes os privilégios de imunidade diplomática.
O acordo também abre espaço para que tribunais nacionais discordem do secretário-geral.
Isso permitiu que, em alguns casos individuais, países exercessem alguma forma de controle sobre seus próprios cidadãos.

O recente ataque a Albanese agrava a crise orçamentária mais ampla da ONU, já que o governo Trump está retendo fundos de cerca de US$ 1,5 bilhão (£ 1,2 bilhão), além de outros países como China, Rússia e Arábia Saudita.

Esses são sérios desafios para os programas de direitos humanos e ajuda humanitária da ONU.

Como casos anteriores de ataques contra relatores individuais demonstraram, é importante que todos os relatores se unam como um só corpo e defendam a integridade do sistema como um todo.

Apesar desses ataques à sua integridade e à sua pessoa, Albanese mantém a fé nos instrumentos da lei de direitos humanos.

Como ela afirmou durante uma palestra pública da qual participei na SOAS – University of London em novembro de 2024, ainda precisamos explorar todo o potencial desses instrumentos.

Isso só pode ser feito coletivamente.

*Alvina Hoffmann é Professora de Estudos Diplomáticos,
Departamento de Política e Estudos Internacionais, School of Oriental and African Studies (S.O.A.S.) –
Universidade Federal de Londres, Grã-Bretanha.

https://theconversation.com/the-us-has-sanctioned-un-special-rapporteur-francesca-albanese-heres-why-shes-the-wrong-target-261788

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