Antonio de Azevedo: Minerais críticos e soberania tecnológica do Brasil

Tempo de leitura: 4 min

Brasil, Minerais Críticos e Soberania Tecnológica

Por Antonio Sérgio Neves de Azevedo*

Na encruzilhada entre a geopolítica do século 21 e a emergência climática, o Brasil começa a redescobrir o valor estratégico de seu subsolo.

A recente iniciativa do governo federal para estruturar uma Política Nacional de Minerais Críticos representa mais do que um ajuste de rota: trata-se de tentativa histórica de reposicionar o país no tabuleiro global da tecnologia e da energia limpa.

O mundo vive uma corrida inédita por minerais como nióbio, terras raras, lítio, cobalto e grafite, insumos essenciais à transição energética, à mobilidade elétrica e à indústria de ponta.

De repente, nomes que antes circulavam apenas em laboratórios de engenharia ou planilhas de mineradoras passaram a figurar nos corredores diplomáticos e nos fóruns internacionais de segurança nacional. O Brasil, até aqui um exportador passivo de riquezas brutas, é agora visto como peça-chave em um novo arranjo de poder mundial.

Essa nova atenção internacional ficou evidente com a revelação recente de que os Estados Unidos formalizaram interesse em estabelecer parcerias com o Brasil para o fornecimento de minerais estratégicos.

A narrativa, em tese, é de cooperação entre democracias para diversificar cadeias de suprimento e reduzir a dependência da China. Mas, para quem observa com lupa, percebe-se que o interesse é menos pela parceria e mais pela posse.

A história da mineração brasileira é uma aula amarga de como não fazer política de recursos naturais: ausência de valor agregado, destruição ambiental, exclusão social e lucros drenados ao exterior.

O Brasil detém 98% das reservas conhecidas de nióbio e possui depósitos promissores de terras raras em estados como Bahia, Pará e Amazonas.

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No entanto, seguimos sem dominar as tecnologias de transformação desses elementos em bens industriais de alto valor agregado, como supercondutores usados no desenvolvimento de IAs, turbinas avançadas e ligas metálicas de alta performance.

É por isso que a nova política para minerais críticos precisa romper com o modelo colonial de exploração. Três eixos devem estruturá-la: controle estratégico estatal, autonomia tecnológica nacional e segurança jurídica com justiça socioambiental.

Primeiro: o Estado precisa assumir papel de protagonista, garantindo soberania sobre os depósitos, orientando a exploração com responsabilidade socioambiental e exigindo contrapartidas concretas em forma de investimento, pesquisa e reindustrialização. Minerais críticos não são commodities comuns: são ativos de poder.

Segundo: não haverá soberania real sem domínio tecnológico. O Brasil precisa investir pesadamente em centros de excelência voltados à extração, separação, refino e aplicação de elementos estratégicos.

Temos universidades e institutos com potencial, mas carecemos de visão de longo prazo e de investimentos maciços em ciência, tecnologia e inovação. A transformação do nióbio e das terras raras em motores elétricos, baterias sólidas ou ligas metálicas supercondutoras exige conhecimento de ponta, ciência em seu estado mais puro e refinado.

É nesse ponto que a engenharia e a ciência dos materiais se tornam absolutamente importantes. Trata-se de uma área estratégica, responsável por estudar, projetar e aplicar materiais em sua forma mais nobre, promovendo inovação desde a extração até o produto final.

Essa engenharia está na base de muitos dos avanços em energia limpa, eletrônica, mobilidade elétrica e tecnologias médicas. Sem profissionais altamente qualificados nas ciências duras, o Brasil permanecerá como mero fornecedor de matérias-primas, incapaz de disputar o protagonismo industrial do futuro. Valorizar, formar e reter talentos é, portanto, uma questão de soberania nacional.

Terceiro: é urgente estabelecer mecanismos legais e diplomáticos que protejam os interesses nacionais contra práticas neocoloniais. A mineração high-tech precisa romper com a lógica de exclusão que caracterizou o passado. Isso inclui garantir os direitos das comunidades tradicionais, estabelecer compensações ambientais justas e assegurar o retorno social da riqueza gerada.

Além disso, o Brasil precisa construir uma governança eficaz para os minerais críticos, orientada ao desenvolvimento soberano. Isso implica integrar políticas industriais, tecnológicas e ambientais, rompendo com a lógica de dependência que marcou a mineração tradicional.

Estudos recentes alertam para os riscos de se repetir o padrão histórico de especialização primária e reforçam a necessidade de uma política pública articulada, que fortaleça a capacidade do Estado em coordenar interesses públicos e privados.

A transição energética só será justa e sustentável se estiver vinculada a um novo pacto federativo e territorial, que democratize os ganhos e reduza as assimetrias regionais.

Nesse contexto, se países como os Estados Unidos desejam acesso ao nosso lítio e nióbio, que venham como sócios, não como achacadores ou compradores de ocasião. Que tragam investimento, transferência de tecnologia, formação de profissionais e respeito ao arcabouço jurídico e constitucional brasileiro. O mundo precisa de nossos minerais, mas o Brasil precisa, sobretudo, de um projeto de nação para um contínuo e estável crescimento.

Dito isso, em tempos de descarbonização global, digitalização acelerada e guerras por cadeias produtivas, o Brasil tem diante de si uma janela histórica de oportunidades. Mas ela se fechará rapidamente se não souber agir com visão estratégica, coragem política e compromisso com as presentes e futuras gerações.

A independência que nos falta hoje não se conquista com espadas ou discursos de ocasião, mas com investimentos maciços em ciência, tecnologia dos microchips, nuclear, supercondutores, superligas e centros de pesquisa em inteligência artificial.

Tudo isso exige atenção urgente do Brasil. Trata-se da independência mineral, científica e tecnológica, e ela deve ser conquistada, palavra por palavra, por mãos brasileiras com dedicação, garra e vontade.

Dessa feita, o século 21 não será lembrado apenas pela emergência climática ou pelas transformações digitais, mas pela redefinição radical das soberanias nacionais a partir da geopolítica dos materiais estratégicos.

Nesse novo cenário, o Brasil não pode mais se permitir o papel subalterno de exportador de riquezas in natura, enquanto importa tecnologia a preços exorbitantes. A construção de uma Política Nacional de Minerais Críticos não é apenas uma resposta à conjuntura internacional, é um gesto de autodeterminação, uma recusa ao velho ciclo de dependência que marcou nossa história.

Assumir o protagonismo nesse campo exige mais do que explorar jazidas: requer transformar potencial em potência, vocação em projeto.

É hora de o Brasil integrar conhecimento científico, proteção ambiental e justiça social em uma política de Estado que vá além dos ciclos eleitorais. Se a riqueza do subsolo brasileiro hoje desperta o apetite das grandes potências, que isso nos sirva de alerta e de avanço, e não de deslumbramento momentâneo.

A verdadeira soberania tecnológica nasce quando um país domina as cadeias de valor, protege seu território e promove seu povo. E esse futuro, embora disputado, ainda está ao nosso alcance.

Cabe aos brasileiros e brasileiras decidirem se continuaremos exportando o futuro, ou se teremos a coragem histórica de construí-lo aqui, com inteligência, dignidade e propósito nacional.

Antonio Sérgio Neves de Azevedo é estudante de doutorado, Curitiba/Paraná

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Comentários

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Nelson

COMENTÁRIO 2

É imperdível, obrigatória, a leitura, ou releitura, de brilhantes matérias feitas pelo Azenha lá em 2012 e publicadas aqui neste mesmo Viomundo.

As matérias versam sobre a vergonhosa forma de exploração da gigantesca reserva de minério de ferro de que dispomos, e também do manganês do Amapá, cujas reservas se acabaram em meio século, deixando uma enorme devastação ambiental e quase nada para o povo amapaense e o brasileiro.

A seguir, disponibilizo os links para as matérias citadas. Seus títulos já dizem praticamente tudo, mas, volto a afirmar, a leitura das mesmas é fundamental.

http://www.viomundo.com.br/denuncias/lucio-flavio-pinto-a-vale-engorda-o-para-emagrece.html – 21-05-2012
Lúcio Flávio Pinto: A Vale engorda. O Pará emagrece

http://www.viomundo.com.br/denuncias/lucio-flavio-pinto-ritmo-de-exportacao-de-minerio-de-ferro-e-crime-de-lesa-patria.html – 16-06-2012
Lúcio Flávio Pinto: Ritmo de exportação de minério de ferro de Carajás “é crime de lesa Pátria”.

Nelson

COMENTÁRIO 1

Excelente texto, meu caro Neves de Azevedo.

Temo, porém, que o mesmo vá acabar caindo na mesma vala comum de tantos outros escritos por eminentes patriotas (os verdadeiros, não os canalhas, no dizer da Samuel Johnson) ao longo de décadas.

Lamentavelmente, apesar de tantos alertas feitos por brasileiros de grande gabarito, o que se sobressaiu foi o entreguismo mais abjeto enquanto uma parcela bastante significativa, a maioria, temo, segue acreditando que privatizar tudo é o rumo que nos levará ao paraíso.

Veja o caso do minério de ferro, que segue tendo grande importância nas cadeias produtivas. Já há vários anos o Brasil vem exportando cerca de 1milhão de toneladas ao dia desse minério. Algo absurdo, indizível; coisa de otário bem otário, poderíamos dizer.

Se não todo, mas a maior parte desse minério deveria sair das reservas de Carajás ou de Minas Gerais e rumar para siderúrgicas, metalúrgicas, laminadoras, etc, aqui dentro do país.

O final do ciclo, teríamos agregado valor, gerado empregos para nosso povo, tecnologia para a nação e impostos que ajudariam o Estado brasileiro a garantir as necessárias compensações bastante frisadas no texto.

Só que não. Ainda antes de entregar a Vale do Rio Doce, a direita – tucanos no comando – já havia encaminhado, em 1996, a aprovação da ignominiosa Lei Kandir.

Com tal lei, a exportação dessa imensa quantidade de minério de ferro, já absurda, repetindo, se torna ainda mais escandalosa, vez que gera pouquíssimo imposto tanto para os Estados envolvidos (Pará e Minas Gerais) quanto para a União.

Ah, e quanto aos lucros da exploração do minério de ferro? São abiscoitados por uns poucos, enquanto 210 milhões de brasileiros, os verdadeiros donos da imensa riqueza, arcam com os custos e ficam “vendo a banda passar”.

Zé Maria

Congresso Agro-Minera-Predador

“Passando a Boiada”

Congresso NaZional tem mais de 40 Projetos
Contra a Natureza, além do PL da Devastação

Levantamento feito pelo Observatório do Clima
relembra outros projetos em trâmite que também
ameaçam direitos e legislações ambientais.
Saiba quais são.

[ Reportagem: Alice Andersen | Revista Fórum ]
https://revistaforum.com.br/politica/2025/7/27/passando-boiada-congresso-tem-mais-de-40-projetos-contra-natureza-alem-do-pl-da-devastao-184141.html
https://www.oc.eco.br/wp-content/uploads/2025/07/OC-Vetos-Licenciamento_23_7.pdf

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