O parto é sempre difícil

Tempo de leitura: 3 min

por Luiz Carlos Azenha

Eu estava a caminho de uma escala em Dubai, para em seguida viajar para o Quênia, onde ia visitar a família de Barack Obama lá no interior, por perto de Kisumu.

Caiu nas minhas mãos o livro de Kishore Mahbubani, “O novo hemisfério asiático, a irresistível mudança do poder global para o Oriente”.

Ele argumentava que algumas coisas estavam se transformando de forma vertiginosa na Ásia e na África.

A rápida expansão da rede de telefonia celular era uma delas. A internet, outra. As TVs via satélite, mais uma.

Mahbubani tratava particularmente da revolução dos banheiros dentro de casa, na Ásia. Era, logicamente, uma metáfora. Ele argumentava que, depois de trazer os banheiros para dentro de casa, com o conforto do banho quente e de instalações sanitárias adequadas, os asiáticos poderiam se dedicar com mais afinco a outras esferas da vida pública.

É o que está acontecendo agora, em ritmos diversos, em diferentes partes do mundo, também como resultado da globalização.

Visitando a casa da família Obama fiquei sabendo de uma declaração que ele havia dado entre duas viagens à terra natal, em épocas bem distintas. Na primeira, a terra da família Obama era ainda um rincão isolado do mundo. Na segunda, quem não dispunha de um telefone celular ia à praça central do povoado — na verdade, um terreno baldio — alugar um para fazer as chamadas.

Numa birosca do centro encontramos um serviço especial: um senhor que alugava a tomada para carregar os celulares, já que nem todas as casas da região tinham energia elétrica.

Obama notou, depois da segunda visita, que agora os quenianos, conectados ao mundo, passavam a ter as mesmas aspirações dos norte-americanos, especialmente por serviços públicos como hospitais, escolas, rede de água e de energia elétrica. Concluiu que os quenianos iriam se mobilizar em busca deles, alterando profundamente a política local.

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Foram estas mesmas forças que se levantaram na primavera árabe, que combinou demandas sociais históricas com o rápido trânsito de ideias garantido pelas tecnologias da informação.

A disputa pelos recursos finitos que, em tese, permitiriam atender aos desejos de consumo dessa imensa maioria provoca uma grande contradição no interior do modelo econômico: as elites locais vão exigir uma fatia maior dos recursos naturais — terra, água, petróleo, minérios –, entrando em conflito com os interesses representados pelas grandes corporações, inclusive as midiáticas, que hoje guiam o poder no Ocidente.

Ou vocês acham que o alinhamento automático de nossos colunistas com Washington é por acaso?

O buraco criado por esta enorme contradição vai tragar estados nacionais frágeis, que enfrentem crises políticas, econômicas ou sociais. Lá se foi a Líbia, por exemplo. Ou o Iraque. Nos dois casos, por causa do petróleo e às custas de mais ou menos intervenção externa. Próxima na fila: a Venezuela.

Semanas antes da invasão americana do Iraque eu estava em Bagdá. Fui jantar com um diplomata local e perguntei a ele se era fato que os americanos seriam recebidos com flores, como era a expectativa de Washington. Ele se contorceu na mesa para não ser ouvido, cochichou que Saddam de fato era odiado pela maioria, mas disse: “Eles não contam com o nacionalismo”. Era, afinal, o veículo do partido Baath, que levou Saddam ao poder: o nacionalismo árabe forjado na guerra anticolonial.

Hoje, quem diria, aquele revolucionário chamado George W. Bush — segundo definição da revista Time –, que queria reformar o Oriente Médio à imagem e semelhança dos Estados Unidos, deve se assustar com o fato de que os xiitas controlam o Iraque e reforçam o papel regional do Irã, ameaçando justamente os grandes aliados de Washington, os países do Golfo Pérsico, em que minorias sunitas governam maiorias xiitas.

Mas a interferência externa gerada pela disputa por recursos naturais chega acompanhada da ebulição interna, provocadas pelo desejo de consumo e de participação. Forças que ora se combinam, ora se enfrentam, aceleradas por conexões muitas vezes feitas à revelia da mídia corporativa.

No Brasil, podemos dizer que os surpreendentes 20 milhões de votos de Marina Silva, no primeiro turno de 2010, se devem em parte a isso.

Eu imagino que seja desconfortável para os que praticamente detinham o monopólio do saber, da comunicação ou do poder político lidar com essa nova ‘revolução burguesa’, como definiu com propriedade a revista Economist.

Resta saber quais serão consequências quanto estes bilhões descobrirem, em alguns anos, que não há ‘mundo’ suficiente para todos.

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