Cunca Bocayuva e Guilherme Bastos: A centralidade das favelas e o direito humano à cidade em 2020

Tempo de leitura: 4 min

por Pedro Cláudio Cunca Bocayuva  e Guilherme Bastos Lima*, especial para o Viomundo

Vivemos em meio a um conjunto de movimentos  graves contra as classes populares, contra a Universidade é contra as instituições.

Neste quadro perguntamos: como analisar a conjuntura com uma referência precisa, desde o lugar e o ponto de vista das classes e grupos subalternos?

A partir da noção de sujeitos de direitos corporificados nos territórios, nós temos utilizado as ferramentas da cartografia da ação social, articulando análise de conjuntura com os esquemas de leitura do espaço.

As cartografias têm avançado com as abordagens feministas, com o questionamento das tecnologias de organização social e através da reflexão sustentada no urbanismo crítico.

A nova reflexão crítica leva em conta o desenho das táticas que destacam a centralidade social das periferias e favelas nas megacidades.

Uma sociologia do presente se relaciona com uma teoria da formação social histórica do Estado, que se projeta na disputa e produção social do espaço, incluindo controle dos corpos e fabricação das subjetividades.

Uma certa hegemonia e um discurso conservador têm alimentado a face elitista, machista, autoritária e racista da dominação de classe no Brasil.

O desenvolvimento da conjuntura brasileira aponta o Rio de Janeiro como o centro nervoso da necropolítica racista,  que vem sendo condicionada pelas tecnologias neoliberais de poder apoiadas na radicalização das formas autoritárias de fascismo social, que dominam a cena pública desde 2016.

O cenário urbano metropolitano combina o direito de matar com a incidência desigual e racista, que deteriora ainda mais o quadro da reprodução social com o impacto da pandemia.

O urbanismo de guerra e o urbanismo do “city marketing” levaram à desorganização e ao caos, agora deteriorado pelo discurso negacionista do governo Bolsonaro sobre a pandemia.

A dinâmica de contágio e os riscos mortais encontram um contexto local nas favelas e periferias, acentuando a violação do direito humano à saúde.

Isso aprofunda  o processo de trauma continuado com o colapso e destruição de sistemas de proteção.

Os esforços da cidadania,  o resgate do valor estratégico do SUS,  das instituições de pesquisa, das redes e movimentos sociais têm permitido colocar no centro da disputa o debate sobre a cidade que queremos, com a necessidade urgente de uma outra agenda.

No conjunto, o programa da cidadania é o da construção do direito humano à cidade.

Estamos ante à necessidade de formação de um bloco social e técnico e de uma aliança pela vida, que necessita de outras plataformas orientadas pela noção de Direito à Cidade como Direito Humano.

O agir coletivo e o planejamento urbano alternativo se relacionam com um tipo de desenho estratégico alternativo, que  incorpora os desafios de construir plataformas e projetos voltados para as reivindicações das classes populares organizadas na base territorial e por novos movimentos sociais.

Um povo que se mobilize de forma plural e diversa através de políticas que atuem nas dimensões sanitária e ambiental, assim como nas de moradia de interesse social, valorização do espaço público e do patrimônio comum, das infraestruturas e dos equipamentos com o acesso a bens e políticas públicas.

Vivemos sob efeitos intelectuais e morais perversos.

Vivemos sob a dimensão restritiva de discursos contra os saberes, o conhecimento e  a consciência coletiva.

Precisamos de um novo paradigma que unifique as subjetividades coletivas com corpo, rosto, cor, gênero e classe para uma revolução nas prioridades do planejamento urbano.

As subjetividades coletivas corporificadas no território se constituem como sujeito dos direitos humanos e da emancipação social definindo um horizonte de radicalização da democracia nas cidades.

A Universidade pública busca acompanhar esta transformação paradigmática pela promoção de uma nova inteligência coletiva voltada à construção da  reforma intelectual e moral.

Este processo foi iniciado a partir do aumento crescente na Universidade de jovens moradoras e moradores de favelas e periferias, na maioria afrodescendentes.

Um novo paradigma deve emergir desse processo.

Aquele que reafirma o compromisso do  desenvolvimento do ensino, da pesquisa e da extensão com as classes populares, lutando por transformações nos seus contextos sociais e espaciais.

A crítica da ciência, da tecnologia e da inovação vem apoiando a implementação desta nova agenda.

A produção deste olhar espacial é um movimento que se materializa em construção de redes e fóruns.

Devemos trabalhar na elaboração de planos e projetos que funcionam como lastro para a relação entre autonomia e bem estar.

Num ambiente baseado na nova inteligência coletiva como convergência das múltiplas subjetividades contemporâneas na direção de um projeto de cidade.

Para isso, devemos percorrer as práticas das cartografias da ação, construindo diagnósticos e mapas analíticos precisos que partam da ação e unificação dos caminhos experimentados pelos mais diversos atores e atrizes, tendo em conta a presença de novos personagens.

Destacando o papel de lideranças como Marielle Franco e vozes e corpos que recusam as novas formas de escravidão do trabalho precarizado, que recusam o patriarcado, a homofobia, o racismo, a criminalização dos movimentos e o genocídio do povo negro.

Pensar os ciclos, períodos e momentos exige uma escuta atenta às resistências que se formam.

Para analisar a conjuntura devemos compartilhar visões sobre as relações de força, incluindo o quadro dos projetos que sustentam narrativas e discursos sobre a crise orgânica, que se espalha para além do espaço da sociedade, por força  dos processos epidemiológicos que articulam o caos programado em que vivemos.

Para traçar esse panorama, desenhar o mapa do que está em jogo,  precisamos reunir as vozes portadoras de propostas para subsidiar as soluções urgentes para frear a agenda da morte.

*Pedro Cláudio Cunca Bocayuva é professor do  Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH) e coordenador Laboratório do Direito Humano à Cidade e Território (LDCT) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

 *Guilherme Bastos Lima é pesquisador do LDCT/UFRJ


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