Tunísia: A revolta que pegou o mundo de surpresa

Tempo de leitura: 3 min

Tunísia: três respostas de Marwan Bishara

15/1/2011, Al-Jazeera, Qatar

Marwan Bishara é editor de política de Al-Jazeera.

Protestos populares desde meados de dezembro derrubaram Zine El Abidine Ben Ali, que governava a Tunísia há 23 anos. O ex-presidente deixou o país e exilou-se na Jordânia.

(1) As mudanças dramáticas que acabam de acontecer na Tunisia surpreenderam a maioria. Como você explica o sucesso, a ocasião e a velocidade daquelas mudanças?

A resposta mais simples e talvez mais acurada à sua pergunta veio há quase um século de um poeta tunisino Abu Al-Qasem Al-Shabi (Schebbi), em seu Defenders of the Homeland, verso que se tornou o mais popular da poesia árabe e está no hino nacional da Tunísia: “Quando um povo decide viver, o destino se rende, e (…) rompem-se as cadeias da escravidão.”

Diferente do levante na vizinha Argélia, que teve vida curta e outros recentes protestos  socioeconômicos em outros países árabes, o levante popular na Tunísia recebeu apoio imediato de todos os grupos da oposição, dos islâmicos aos comunistas, e dos sindicatos, que ajudaram a levar o movimento para outras partes do país, inclusive até o norte, tão influente.

Além disso, o alto grau de tensão que se acumulou depois de décadas de ditadura, sobretudo nos últimos 23 anos de governo de Ben Ali, que comandava um Estado policial, levou a situação a explodir no instante em que se abriu a caixa, nos primeiros dias de protestos contra o desemprego.

(2) Como se explica que um regime opressor e impopular não seja alvo de críticas da comunidade internacional?

A chamada comunidade internacional mantém-se tradicionalmente calada contra práticas e abusos totalitários dos seus Estados membros e aliados, exceto nos casos em que alguns países e poderes ocidentais invocam questões de opressão política praticada por um ou outro governo, utilizando essas questões como ferramentas de política exterior, ou para mostrar-se ao mundo, como produto de consumo, travestido em campeão da luta por direitos humanos.

Assim, quando regimes opressores, como o que havia na Tunísia, cooperam com os Estados ocidentais em questões econômicas ou estratégicas, os abusos e crimes que cometam são em geral ignorados.

Esse é o fator que melhor explica o silêncio dos líderes ocidentais, ou a confusão inicial de alguns sobre o “levante” tunisino, como também explica o imediato apoio que deram ao “levante” da oposição no Irã, depois das eleições de 2009. Pode chamá-lo de “fator hipocrisia”.

(3) Mas o que a Tunísia tem a oferecer às potências ocidentais?

O presidente recém deposto da Tunísia foi aliado útil dos EUA e de líderes europeus na guerra contra o terrorismo e contra o extremismo islâmico.

Como inúmeros grupos de direitos humanos noticiaram repetidas vezes, aquele governo sempre usou o apoio que recebia do ocidente, como arma para atacar toda e qualquer oposição interna, mesmo que pacífica.

Em 2004, durante visita de Ben Ali à Casa Branca, pouco antes de a Tunísia hospedar uma reunião de cúpula da Liga Árabe, George Bush, então presidente, elogiu Ben Ali como seu aliado na guerra ao terror e elogiou as reformas que fizera no campo da “liberdade de imprensa” e para a realização de “eleições livres e disputadas”.

Sarkozy, da França, fez o mesmo, em 2008, elogiando as reformas “na esfera das liberdades”, quando era regra, na Tunísia, o abuso de direitos humanos. Num único evento, cerca de 200 pessoas foram condenadas, naquela época, por participação em protestos socioeconômicos, na cidade mineira de Redhayef, no sul da Tunísia.

E quando alguns funcionários de países europeus criticavam os atentados aos direitos humanos na Tunisia, quase todos, simultaneamente, elogiavam o desempenho econômico do país.

A França é o principal parceiro comercial da Tunísia, e o quarto maior investidor estrangeiro no país; e 80% do comércio exterior da Tunísia é com a União Europeia.

Parece evidente que a abertura descontrolada da economia neoliberal aos investimentos ocidentais é fator de peso, que explica a deterioração da situação econômica na Tunísia e em outros países árabes.

PS do Viomundo: Os direitos humanos foram instrumentalizados pelo Ocidente para fazer valer seus interesses políticos, econômicos e diplomáticos. É por isso que vale dividir o Sudão, mas não a Nigéria. É por isso que se condena o Zimbábue, mas não a Arábia Saudita. É por isso que se denuncia o Irã, mas não a Tunísia.


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Comentários

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Nelson

O jornalista e escritor espanhol, Pascual Serrano, faz uma pergunta:
Havia uma ditadura em Túnis?

"O cidadão médio europeu nunca havia ouvido nenhuma queixa contra o presidente tunisino, os meios de comunicação não denunciavam aquilo que era uma ditadura, os parlamentos não aprovavam resoluções de condenação àquele governo, não se escutavam acusações contra a falta de liberdade de expressão nesse país. Inclusive, a ONU celebró uma conferência sobre o direito à informação em sua capital, na capital de um país onde não se podia acessar o Youtube, porém ninguém nos havia contado".
"As ditaduras estão sempre em Cuba, Venezuela e Bielorússia, em países onde as eleições as ganha a esquerda"

Assim, Serrano começa seu interessante artigo publicado em http://www.rebelion.org/noticia.php?id=120478.

Por aí podemos refletir um pouco mais sobre o jogo do "dois pesos, duas medidas" permanentemente colocado em prática pelos órgãos de mídia hegemônicos e seus – como gostava de designar o saudoso Aloysio Biondi – (de)formadores de opinião.

Marat

Enquanto isso, o ditador egípcio Mubarak é chamado de "presidente"; O ditador saudita fantasiado de rei, é denominado "rei" pelos ocidentais.
O ocidente faz a agenda do que é "verdade" e do que é "mentira".
Mundo caótico, esse!

Elton

Antes do presidente recém deposto, a Tunísia viveu dédadas nas mãos de outro ditador já falecido, Habib Bourguiba que inclusive nos anos 70 se não me falha a memória, proclamou-se presidente vitalício.

O_Brasileiro

"Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido" Coríntios 13:12.

Os países ocidentais ajudaram o governo tunisino a viver mais uma das várias farsas neo-liberais, iguais ou piores do que a norte-americana que culminou com a crise de 2008.
Mas, como em 2008 na América do Norte, chegou a hora de se encarar os fatos, a realidade na Tunísia!
Toda ação tem consequências. As do neoliberalismo são devastadoras! Baixos salários, desemprego, especulação, "bolhas", entre outras.
Não lembro exatamente a letra da música que diz algo como: quem está embaixo quer subir, e quem está em cima não quer descer…

yacov

É o Lema do "Ricuperiano" moldando as relações internacionais: "O que é bom para mim, o que me favorece, eu mostro o que não é, eu escondo" .

"O BRASIL PARA TOOS não passa na glOBo – O que passa na glObo é um braZil para TOLOS"

Gerson Carneiro

É o poder de ação e execução tratado no meu texto "A força que brota na hostilidade" publicado no blog mariafro.

Gerson Carneiro

É o poder de ação e execução tratado no meu texto no blog mariafro.

Gerson Carneiro

Parece que o texto está tratando do principado de São Paulo. Tanto as perguntas quanto as respostas.
Ou é uma profecia.
Aguardaremos esse revolta.
Um dia irá acontecer.

    Armando Bolliere

    O bloco ai, do Padin Pade Çerra, Saliere Alkimin, Kassab e outras peças ruíns junto com o neo-lberalismo e esta imprensa nefasta estão com o dias contados. O Povo já tomou conhecimento do Circo dos horrores que eles levaram o Brasil. 500 anos de opressão. Agora basta!

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