Ignacio Delgado: Para você que apoia o impedimento da presidenta Dilma

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RESUMO DA ÓPERA: PARA VOCÊ QUE APOIA O IMPEDIMENTO DE DILMA ROUSSEF

Ignacio Godinho Delgado, especial para o Viomundo

1) Você pode contar nos dedos os juristas que apontam as tais “pedaladas fiscais” como crime de responsabilidade. Bicudo e Reale Jr, respectivamente, se movem por ressentimento e vínculos ancestrais com o campo político que quer derrubar Dilma Roussef;

2) De todo modo, se assim tipificadas, as “pedaladas” ocorridas em 2014 não podem ser objeto de impedimento, porquanto a Constituição não prevê processo, para tal fim, que incida sobre mandatos anteriores;

3) Por outro lado, as eventualmente ocorridas em 2015 foram contornadas com a aprovação pelo Congresso da nova meta fiscal;

4) Se você insistir, importa assinalar que o vice-presidente, que assumiria o governo com a queda de Dilma, também assinou decretos de “pedaladas”, sendo, pois passível de impedimento, a não ser que a norma não valha para todos;

5) Você talvez deva considerar, ademais, a ponderação de Geraldo Alckmin, que apontou as pedaladas como “causas fúteis” para justificar um processo de impedimento, observando que em tais procedimentos incorrem praticamente todos os governantes, nos diferentes níveis federativos;

6) Você pode, então, mudar de assunto, e ponderar que o processo de impedimento se justifica por causa do escândalo de corrupção da Petrobrás (não obstante o que consta no pedido de abertura de processo em curso), por que nos governos do PT a corrupção na empresa se tornou “organizada”, como diz FHC, embora existisse anteriormente. Neste caso, seria de bom alvitre você matutar sobre alguns possíveis encadeamentos de situações e eventos amplamente conhecidas:

a) Ricardo Semler, um empresário do PSDB, apontou a existência de achaques com propinas desde a ditadura, quando aspirava ser fornecedor da Petrobrás. Elogiou as ações que, hoje, se fazem para mudar esse quadro, dizendo que “nunca se roubou tão pouco no Brasil”, por conta disso;

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b) O principal partido na montagem do esquema, segundo Youssef, um dos “delatores premiados”, foi o PP, ex-PDS, a antiga Arena, da ditadura, que frequentou com grande assiduidade diferentes governos desde a redemocratização;

c) Os funcionários que estão à frente do esquema foram todos nomeados antes de 2003 e relatam eventos equivalentes nesse período. Recentemente um deles observou que Delcídio Amaral recebeu propinas enquanto esteve na direção da empresa, nomeado por FHC;

d) Cunha, com longa biografia de corrupção em diversos órgãos públicos, desde o início da década de 1990, está também envolvido nas ações de corrupção contra a Petrobrás;

e) As doações para as campanhas dos candidatos à presidência das empresas envolvidas na Lava a Jato foram enormes para todos os candidatos competitivos;

f) Durante o governo FHC foi flexibilizado o regime de licitação na Petrobrás, facilitando a corrupção;

g) Por fim, talvez seja o caso de lembrar, que FHC confessou, em seus diários, que soube, em 1996, de problemas de corrupção na Petrobrás.

Não vamos presumir que FHC prevaricou, pois devia estar ocupado com outras coisas, quenado recebeu tal denúncia, mas você ainda acredita que, antes de 2003, tudo foi apenas pontual? As informações apontadas acima são peças soltas de um cordão sem fio? Não lhe parece que existem redes muito mais amplas que o descrito pela mídia e revelado na Operação Lava a Jato que, estranhamente, delimitou o alcance de sua investigação a partir de 2003?

7) Se você quer realmente combater a corrupção, não seria melhor apoiar uma investigação ampla dos mecanismos de apropriação de recursos públicos para fins eleitorais no Brasil, ao invés de seguir cegamente a propaganda da mídia que afirma ser tudo coisa do PT? Não deveria exigir que a Operação Lava a Jato evitasse certo viés partidário, revelado, por vezes em enunciados indiscretos de seus protagonistas? Não deveria apoiar a medida de prescrever o financiamento empresarial de campanhas eleitorais, rejeitada por partidos como o PSDB e o DEM (que hoje se apresentam como campeões da ética e da moralidade), uma das raízes de processos de corrupção, que foi, finalmente, consolidada em decisão recente do STF,  furiosamente criticada pelo impoluto ministro Gilmar Mendes?

8) Não deveria você considerar esquisito que um corrupto notório, como Cunha, esteja fazendo de tudo para encaminhar o processo do impedimento, atropelando regras regimentais e a Constituição, e que, na Comissão que impôs com suas trapaças, pelo menos 1/3  dos componentes está indiciado em processos de corrupção? Não parece a você que tais personagens podem ter interesse em defenestrar Dilma para esmaecer o combate à corrupção que, em seu governo, tem sido implacável, recebendo elogios de diferentes órgãos e personagens de relevo no cenário internacional?

9) Você talvez invoque a necessidade do impedimento para alcançar estabilidade para o país sair da crise. Porém, importa alertar-lhe que a Constituição não prevê o impedimento como instrumento de governabilidade e que, no caso atual, talvez a prejudique ainda mais. Quanto à crise, sem desconsiderar erros diversos, você poderia matutar sobre como a pregação diuturna do golpe e a propagação do caos pela mídia afetam as expectativas dos agentes econômicos, e a sua disposição de investir, impactando a arrecadação, e ampliando a dimensão da crise (sem contar as consequências da Operação Lava a Jato).

(Preciso contar-lhe um segredo: a mídia brasileira não é neutra, nem imparcial. Por favor, não espalhe)

10) Mas se ainda assim, você disser que o impedimento é um mecanismo constitucional e que pode ser usado para tirar o PT do governo, mesmo que o pedido acatado por Cunha não se ancore nos termos previstos na Constituição, você deveria olhar para dentro de si mesmo e encarar a verdade. Não lhe interessa o combate à corrupção. O que está movendo você é o ódio. Você é um golpista.

11) Mas existe tempo para se redimir e lutar contra a corrupção, criticando o PT, se isso for importante para sua identidade (se soubesse com os petistas o fazem, especialmente quando falam da Dilma…), mas evitando, talvez, atitudes de ódio, que, por certo tem afastado você de muitos amigos diletos. É possível permanecer no mesmo campo político que você está sem manchar sua biografia com atitudes golpistas. Largue este caminho. Abrace a democracia.

Ignacio Godinho Delgado é Professor Titular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), nas áreas de História e Ciência Política, e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia-Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED). Doutorou-se em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1999, e foi Visiting Senior Fellow na London School of Economics and Political Science (LSE), entre 2011 e 2012

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