O início da propaganda eleitoral: O anjo, o estadista e a mãezona

Tempo de leitura: 3 min

por MC*

Ao assistir aos primeiros programas eleitorais de Eduardo Campos, Aécio Neves, e Dilma Rousseff me pareceu que o que se vendia eram o Anjo, o Estadista e a Mãezona. Acostumada a trabalhar a construção da narrativa, vi a propaganda eleitoral como que às avessas, tentando fazer a radiografia do que foi ao ar e dos símbolos que as peças carregavam.

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Com o olhar contaminado por esse vício de tentar ler a ideia por trás das imagens, imagino que o roteiro do programa de Eduardo Campos pode ter nascido mais ou menos assim:

Abre com ele em quadro. Close.

Trecho de discurso positivo e esperançoso. Cobre com imagens dele mesmo.

Nada de drama, enterro, tristeza. Alegria nordestina.

Entra trilha instrumental.

Cenas desta e de outras campanhas revelam os valores de um político jovem, sonhador, competente e de família.

Sobe trilha. Alceu Valença sopra na memória afetiva de várias gerações que “a voz do anjo sussurou no meu ouvido, eu não duvido já escuto os teus sinais”.

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Takes do candidato mostram que ele chegava perto, conversava, abraçava, beijava, transformava e empolgava.

Sobe som dele com eleitores revela como ficava à vontade com o povo.

“Tu vens, tu vens. Eu já escuto teus sinais…”

Curto, emotivo e sem grande custo financeiro.

Singelo, emociona. Eficiente, valoriza a marca.

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O briefing do programa do PSDB parece ter sido algo como:

Estúdio, fundo neutro, de terno e gravata, Aécio Neves fala à Nação.

É quase um pronunciamento. Solene.

Att diretor, postura de estadista. Att cenografia, verde e amarelo bem suave na tapadeira.

Trilha épica.

Discurso do candidato é o texto-base da narrativa.

Imagem e ideias dele se espalham pelo país.

Brasileiros com perfis variados e catalogados no IBGE com renda abaixo de 10 salários mínimos vêem e ouvem o que tem a dizer o novo líder.

O povo não fala, só ouve.

O rosto dele está sempre em evidência. Precisa marcar. O candidato se apresenta como um chefe novo que começa no cargo. E dá as boas vindas aos funcionários da firma. Bem-vindos.

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O programa que João Santana fez para Dilma é uma superprodução e superdecupado às avessas seria assim:

Clipe com avanços em várias areas. Ideia de que mudanças muitas vezes são silenciosas.

Locutor sereno. Trilha discreta.

Grandes obras, país grande e renovado.

Dilma fala relaxada e segura, no jardim

Sorri, trabalha, estuda, pica tomate e faz um macarrãozinho.

Estádios, aeroportos, hidrelétricas.

Dedicada, mamãe fez tudo isso e promete mais.

Historias reais dão credibilidade e emoção à peça.

Pessimismo, não.

Segundo mandato, sim.

Amada pelo povo é coroada numa chuva de selfies enlouquecida.

Quando parece que acabou, entra o maior cabo eleitoral do país.

Lula, de branco, em casa, fundo claro, mínimos detalhes em vermelho.

Pede o cheque em branco no fio da barba e bigode grisalhos.

Clip alegre da mulher valente contamina o país.

Muito Norte e Nordeste.

A mãe assume que é guerrilheira. E já enfrentou coisa pior.

Volta Lula. Pede licença e homenageia o amigo Eduardo.

Duas linhas, serenas e o bordão do afilhado.

Em termos de comunicação, o programa de João Santana supera de longe os concorrentes. Humilhação pior só a dos 7 a 1 para a Alemanha.

*Telejornalista com premiada trajetória na edição de reportagens e documentários

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