William Galvão: O Judiciário brasileiro mostra a sua face reacionária

Tempo de leitura: 3 min

A censura e o aval reacionário da justiça

por William Galvão

Em julho de 1968 um grupo com cerca de cem integrantes da organização paramilitar de extrema direita Comando de Caça aos Comunistas (CCC) invadiu o Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, depredou o local e espancou atores da peça “Roda Viva”.

O espetáculo, que falava essencialmente de arte e fazia críticas à indústria cultural, foi tido como subversivo e uma ameaça ao regime.

“A peça não tinha nada diretamente político, o que havia era uma montagem muito forte”, afirmou o roteirista da produção Chico Buarque, em uma série em DVD de retrospectiva de sua carreira.

A encenação ocorreu quatro anos após o golpe de estado que instituiu a ditadura militar no país.

No final daquele mesmo ano, o regime militar emitiu o Ato Institucional Número Cinco (AI-5), o quinto e mais duro de uma série de dezessete decretos.

O AI-5 deu ao Presidente da República autoridade para fechar o Congresso Nacional e os Legislativos dos estados, suspendeu o direito ao habeas corpus e, entre outras atrocidades, institucionalizou a censura prévia na música, no cinema, no teatro, nos jornais e na televisão.

Um corte de trinta e dois anos após a redemocratização do Brasil, a censura volta com força ao debate público e, assim como nesse período sombrio da nossa história recente, a censura vem carregada de questões morais como a manutenção dos ditos bons costumes da suposta família tradicional brasileira.

Se antes a caça era aos comunistas e contrários ao regime ditatorial, hoje ela escolhe novos algozes como minorias políticas como a comunidade LGBT, os negros, os índios e as mulheres, por exemplo. A justificativa vem sempre carregada preconceitos e de violência sob um discurso acerca da “liberdade de expressão”.

Mesmo sem a repressão militar, existe um ar de legitimidade em alguns casos por passar muitas vezes pelo crivo do próprio Poder Judiciário.

Três exemplos recentes demonstram certo reacionarismo partindo da Justiça. Uma decisão do juiz Antonio de Campos Júnor, da 1ª Vara Civel de Jundiaí (SP) proibiu a exibição do espetáculo “O Evangelho segundo Jesus, rainha do céu”, que estrearia no Sesc Jundiaí na última sexta-feira, 15.

A peça é uma adaptação da obra da dramaturga inglesa Jo Clifford, que reconstrói passagens bíblicas com uma mulher transgênero na figura de Jesus Cristo, sob uma perspectiva contemporânea e promove a reflexão sobre a opressão e intolerância sofridas por transgêneros e minorias em geral.

A mensagem é clara: ser cristão é amor, perdão e aceitação.

O juiz entendeu em sua decisão que figuras sagradas como Jesus Cristo não podem ser “expostas ao ridículo”.

Após a polêmica do encerramento da exposição “QueerMuseu — Cartografias da Diferença na Arte Brasileira” pelo Santander Cultural, em Porto Alegre, após uma onda de protestos reacionários promovidos pelo Movimento Brasil Livre (MBL), outro caso envolvendo as artes plásticas ocorreu em Campo Grande (MS).

O quadro “Pedofilia”, da artista Ropre (Alessandra Cunha), que denuncia a pedofilia, foi retirado do Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul (Marco) pela Polícia Civil na quinta-feira, 14 de setembro.

A ação ocorreu após boletim de ocorrência aberto pelos deputados estaduais Paulo Siufi (PMDB), Herculano Borges (Solidariedade) e Coronel David (PSC) na Delegacia Especializada de Proteção a Criança e ao Adolescente (Depca).

O delegado Fabio Sampaio, responsável pela apreensão, entendeu que o quadro fazia apologia à pedofilia ou ao criminoso.

Uma decisão judicial ainda mais grave aconteceu no Distrito Federal.

O juiz federal da 14ª Vara do Distrito Federal Waldemar Cláudo de Carvalho concedeu liminar que abre brecha para que psicólogos ofereçam terapia de reversão sexual, a chamada “cura gay”.

Esse tipo de tratamento é proibido desde 1999 pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP).

A decisão atende ao pedido da psicóloga Rozangela Alves Justino em processo aberto contra o colegiado, que aplicou restrição à profissional por oferecer a terapia aos seus pacientes.

Os representantes do CFP destacaram que a homossexualidade não é considerada patologia.

O entendimento é internacional, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Esse caso é ainda mais grave porque a censura passa a focar diretamente na vida das pessoas.

Esses três casos recentes ilustram explicitamente a maneira com que as forças mais conservadoras e reacionárias têm se manifestado no país.

Esse obscurantismo que tem ganhado força no ambiente político e social do Brasil parte de campos ideológicos opostos à construção de um país mais igualitário tanto em questões socioeconômicas como no avanço dos direitos humanos e das populações menos privilegiadas.

Leia também:

A carta de Paulo Fonteles Filho ao general Mourão


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!

Deixe seu comentário

Leia também