Serra no poder: O sucateamento da saúde pública paulista

Tempo de leitura: 4 min

O sucateamento da saúde pública em São Paulo

Gilson Caroni Filho e João Paulo Cechinel Souza (*), na Carta Maior

Nos últimos dias, temos visto uma infindável torrente de notícias trazendo o presidenciável José Serra como o baluarte derradeiro na defesa por uma saúde pública decente. Cabe-nos, entretanto, salientar alguns pontos propositalmente obscurecidos pela grande mídia sobre o tema em questão.

Desde 1998, com a eleição de Covas e a edição/promulgação de um projeto de lei pelo então presidente FHC, as Organizações Sociais (OSs) passaram a gerir uma série de instituições hospitalares Brasil afora, mas encontraram no Estado de São Paulo seu porto pacífico.

A partir de então, os hospitais e serviços de saúde, que vinham sendo administrados diretamente pelas autarquias municipais e estaduais tiveram seu gerenciamento progressivamente terceirizado, privatizado – sempre pelas mesmas (e poucas) empresas (OSs), e sempre sem licitação.

O esquema, de contratos milionários, envolve aquilo que FHC e Serra fizeram enquanto foram gestores federais: sucateamento e pauperização crescentes das estruturas públicas, principalmente as hospitalares e educacionais, e desvalorização de seus funcionários, para que o argumento privatizador pudesse encontrar respaldo junto à população em geral, com o devido apoio das corporações midiáticas.. E assim foi. E assim continua sendo São Paulo.

Serra deixou à míngua o renomado Instituto do Câncer Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho (IAVC), forçando os profissionais a pedirem demissão pela falta de condições dignas de trabalho no local, relegando a segundo plano o tratamento dos pacientes que lá procuram auxílio. Preferiu deixar de lado um centro de excelência para inaugurar o resplandecente e novo Instituto do Câncer de São Paulo Octávio Frias de Oliveira (ICESP), só para homenagear seu padrinho midiático, aquele cuja família lhe oferece a logística de um jornal diário e a metodologia favorável do Datafolha.

Infelizmente, até hoje o ICESP não funciona plenamente, os profissionais de saúde têm dificuldades imensas para encaminhar para lá os doentes que dele precisam e os pacientes do IAVC continuam com sérios problemas para conseguirem ter sua saúde recuperada.

Por conta dessa mesma terceirização da saúde pública paulista e paulistana, o vírus da dengue encontrou em São Paulo um grande apoio governamental. Minimizando a atuação das Unidades Básicas de Saúde (UBS) na prevenção de diversos problemas de saúde, subestimando o fator pluviométrico e seu poder disseminador de doenças, a Prefeitura Municipal de São Paulo demitiu centenas de agentes de combate às zoonoses, essenciais para o controle da doença.

A responsabilidade pelo aumento de quase 4.000% no número de casos de dengue na cidade é debitada na conta da população que não está à altura da arquitetura inovadora do tucanato. Sem contar os assombrosos índices de contaminação nas cidades de São José do Rio Preto e Ribeirão Preto, todas administradas por políticos com ideias semelhantes às dos prefeitos paulistanos Serra-Kassab – e por eles apoiados.

Não bastasse tamanho descalabro, delegou às OSs a administração de diversas UBS, prejudicando, sobremaneira, a inserção das equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF) no Estado, onde podemos encontrar um enorme vácuo no mapa brasileiro no que diz respeito à sua efetiva implementação. A saber, as equipes de ESF são inseridas tendo em vista, basicamente, o contingente populacional a ser atendido. Com base nisso, São Paulo deveria ser o Estado com maior número de equipes – justamente o contrário ao que se constata na realidade.

No que diz respeito às estratégias de atendimento primário à saúde, Serra fragmentou todo o atendimento prestado pelas UBS, esperando, assim, reinventar a roda – e, com ela, quem o legitimasse publicamente. Essa foi a lógica que o levou a criar o “Dose Certa”, o “Mãe Paulistana” e as unidades de Atendimento Médico Ambulatorial (AMAs), que, reunidos, constituem, justamente, o que se chama no resto do Brasil de ESF.

Mas a farsa de José Serra não tem começo tão recente. Antes de redescobrir a pólvora no atendimento primário, já estava chamando para si os louros do programa dos Genéricos, verdadeiramente criado pelo médico e então Ministro da Saúde Jamil Haddad (PSB/RJ) em 1993, que, atendendo a orientações da Organização Mundial de Saúde, editou e promulgou o Decreto-Lei 793. Este sim, revogado integralmente por FHC e Serra em 1999, foi posteriormente reeditado por eles mesmos (lei 9.787/99 e decreto 3.181/99), acrescentando, vejam que pequeno detalhe, inúmeras concessões às grandes indústrias farmacêuticas.

Presidente de honra do PSB, Jamil Haddad faleceu em 2009, divulgando a todos quantos quiseram ouvi-lo que sua ideia fora usurpada por Serra e seu respectivo partido. Faltou, obviamente, o prestimoso apoio da mídia corporativa para divulgar suas denúncias.

Da mesma forma, Serra se “esquece” de mencionar outros atores importantes e nada coadjuvantes quando se refere ao Programa Nacional de Combate à AIDS. Relata sempre que foi o mais importante, senão o único, agente responsável pela implantação do Programa, tentando obscurecer os trabalhos fundamentais desenvolvidos desde meados da década de 80 pelos médicos Pedro Chequer, Euclides Castilho, Luís Loures e Celso Ferreira Ramos Filho, além da coordenação realizada dentro do Ministério da Saúde, no início da década seguinte, pelo ex-ministro Adib Jatene e pela bióloga Dra. Lair Guerra de Macedo Rodrigues.

Tanto esforço não valeu muito no município de São Paulo, que parece não ter feito a lição de casa no que diz respeito à redução da mortalidade associada à AIDS nos últimos anos – entre o final da gestão Serra e o começo da gestão Kassab (2008-2009). Segundo dados da própria Secretaria Municipal de Saúde, houve um aumento do número de óbitos pela doença no município, contrariamente ao que aconteceu no resto do país.

Muito embora essa mistura de hipocrisia e obscurantismo seja maquiada pela grande imprensa ao divulgar os feitos tucanos na área da saúde, contra ela existem fatos concretos e objetivos. E sobre isso Serra não pode fazer nada. Sobra-lhe a opção de negar sua existência ou pedir à Folha de São Paulo que reescreva a história da forma que lhe parece mais conveniente. Talvez não seja interessante para sua candidatura que se descubra o real sentido do que promete. Quando fala em acabar com as filas para a saúde estamos diante de uma proposta de modernização gerencial ou uma ameaça de extermínio? É uma dúvida relevante.

(*) Gilson Caroni Filho – professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

(*) João Paulo Cechinel Souza – médico especialista em Clínica Médica e residente em Infectologia no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo.


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Comentários

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Nelson

Como a índole peessedebista é naturalmente privatista, trabalha para que o empresariado privado – o grande, é óbvio; aos médios e pequenos deve sobrar somente alguma rebarba – tenha mais oportunidades para engordar seu lucro, o que o Serra fez em São Paulo é algo normal em um governo do PSDB.
Cabe ao povo paulista e ao povo brasileiro em geral rechaçar, com veemência, posturas semelhantes à de Serra e de outros mandatários. O povo deve impor pressão sem tréguas aos governos para que eles cumpram com suas obrigações.

Nelson

A maioria dos candidatos a cargos eletivos importantes, deputados e senadores, governadores, presidentes, já recebem financiamento de empresas da medicina privada a suas campanhas. Então, uma vez eleitos, eles não poderão cumprir com a obrigação que citei no comentário anterior, pois, em agindo assim estarão "roubando mercado" de seus próprios financiadores de campanha, provocando a queda em seus lucros.
Atualmente, são poucos os governos e parlamentares que conseguem se eleger sem contar com uma boa quantidade de recursos oriundos de empresas privadas. Assim, fica claramente comprometida a liberdade de ação para que os eleitos possam votar favoravelmente a questões que interessam a toda a população e não a questões partitulares.

Nelson

Meu caro amigo Azenha.
A obrigação de qualquer governo é garantir, a cada cidadão, o direito de desfrutar de uma saúde pública de qualidade sem que para isso este tenha que despender um centavo sequer a mais além dos impostos que já pagou. Porém, ao fazer isso, ao cumprir sua obrigação, este governo estará, em maior ou menor medida, "roubando mercado" da medicina privada.
Eis o X (bem grande) da questão.
Continua.

Adelina

Reportagem muito esclarecedora. Parabéns aos jornalistas.
Adelina

Observadoro

Serra agora atribui agora a paternidade dos genéricos ao "banqueiro e nosso amigo" Ronaldo Cezar Coelho!!!

Leiam:
http://oglobo.globo.com/pais/eleicoes2010/mat/201

Gustavo

Caro Azenha, olha o vídeo no site do governo de SP dizendo que o José Serra é o criador da lei dos genéricos a partir dos 50s

Agora, ele acaba de negar a paternidade na Folha, sem se dar ao luxo de dizer o nome do verdadeiro criador.

[youtube RtYcG4uIVAg http://www.youtube.com/watch?v=RtYcG4uIVAg youtube]

Urbano

Isso de somenos importância, pois o que importa mesmo é o tucorvo no poleiro da gaiola, sempre.

Elias Avelar

Olá Azenha, tudo bem?!

Uma sugestão ao R7 e a Rede Record de TV , para que você Azenha, juntamente com o PHA componham o quadro de entrevistadores que irão sabatinar o Serra no dia em que ele for lá, a Dilma já foi e se saiu muito bem!

Pensem, se ele fugir, ponto pra vocês, se ele for vocês dois (Azenha e PHA) terão uma chance talvez unica de fazer umas perguntas que todos nós queremos fazer a ele, e os outros não tem coragem de fazer…

Abraços…

PS.: Façamos aqui uma corrente pessoal, leitores do Vi o Mundo e do Conversa Afiada – Azenha e PHA entrevistem o Serra na sabatina do R7 e da Record!!!

    Míriam Lúcia

    quem fez a dfofa sabatina – ou entrevistinha muito amigavel foi a tucana do Brasilia meia-noite e o rapazinho que apresenta o jornal das nove da Record News. Tucaninhos até o último fio de cabelo. Um congraçamento demo-tucano.
    Foi muito triste o papel da Record. Decepcionadissima.

soniapt

sem falar do hospital do servidor estadual que foi construido com ¨"nosso" dinheiro e ele tercerizou tudo acabou as filas, mas nao tem vaga para consulta nenhuma , mandou embora mais de 600 medicos de categoria e arrumou uns credenciamentos horrorosos, minha mae morreu na uti de santos particular pq ele centralizou todas as utis aqui em sp e nunca tinha vaga, 49 dias de uti particular pq o GRANDE FDP nao nos deu a vaga e eu pagava para minha mae 2% de meu salario durante 8 anos sem nunca ter usado e quando precisou , agora esta um horror vc tem de marcar por telefone so que vaga nem pensar p

Zarkus Bittencourt

Nunca esqueçam disso:
Gestão do José Serra está e sempre estará próximo do que foi a DITADURA.
Você vai querer isso de volta?
Perder tudo o que consquistamos nestes últimos 8 anos? [youtube PAOEFTXAN8U http://www.youtube.com/watch?v=PAOEFTXAN8U youtube]

Ignez

Estou fazendo um trabalho sobre a prestação da assistência à saúde em São Paulo. Esse artigo traz dados novos. Quanto mais pesquiso, mais fico estarrecida com o estado de coisas em São Paulo. Não poderia ser de outro jeito, pois o "jenio" só desmontou e destruiu tudo o que existia de bom… Que Deus nos livre desse "cabeça ôca" para sempre!

Zé Cabudo

Lênin tinha razão. Homenagear, fazer estátuas ou dar nome de alguém (ou de algo particular) a ruas, cidades, rios, monumentos naturais e artificiais, edifícios públicos por si só já é um erro. Haja vista a lamentável mudança de nome do aeroporto Dois de Julho. O "herói" de hoje pode ser desmascarado como o vilão de amanhã. Idolatria é para doutrinas religiosas, não para um Estado Republicano. O Estado deveria homenagear movimentos populares históricos, obras de arte, ideais democráticos, os povos indígenas, outras nações, ou mesmo outras coisas menos nobres, como minerais, planetas, espécies biológicas, números… acho que já deu pra entender.

José Augusto Valente

Serra no poder: o sucateamento da malha rodoviária paulista (não pedagiada). Conforme matéria e comentários no Portal T1:

Rodovias estaduais e vicinais de São Paulo estão em situação crítica, diz o TCE/SP
http://tinyurl.com/2av7wbl

.

Ed.

Azenha e equipe:
Ano passado (ou por aí), foi inaugurado no Morumbi um empreendimento particular de alto padrão (tipo hotel / flat) para a terceira idade. Chamava-se, se não me engano, "Iléa". Eu acompanhei a construção, vi prospectos comerciais, etc.
Algum tempo depois, este empreendimento virou algo como "Instituto Lucy Montoro" e ganhou um enorme logo do "Gov.do Estado de SP". Estranho? Um caso de "Investimento reverso"? Estatizou?!
Pesquisei no Google e as páginas desapareceram, mas esqueceram do "cache", onde peguei um ïnvestimento de 50 milhões para a "compra"… em Sto.Amaro …(distrito grande…).
Há um cheiro de salvamento de "negócio micado" … Ou para "alto padrão", o neoliberal faz o contrário da sua cartilha?!
Uma investigação jornalística não faria mal, faria?

    O Chris Almeida BH

    Isso parece feder, acho que vale a reportagem sim…

Ed.

Ouvi dizer que Serra planejaVA privatizar até as forças armadas, e já teria feito contato com a Blackwater, através do íntimo "governor" Schwarzenegger…
hehe

Guilherme Milani, SP

Mas que careca vazia a do Serra. Além de não ter cabelos também não tem cérebro. Ele é o mestre do tro-ló-ló, joga palavras vagas ao vento tão profundas quanto um pires. Se ele for o mais preparado, Deus nos livre do pior! Vade retro, Nosferatu de Pinheiros. Teu lugar é na Cova do Covas!

paulo chacon

Sou professor esugiro fazer a seguinte matéria: Serra no poder. O sucateamento da educação pública. O restantre da matéria é igual. Tudo o que é públlico, Serra e a quadrilha tucana destroem. Como eles não podem privatizar (verdadeiramente) a educaçao e a saúde então, eles destroem, abandonam, sucateiam. Saúde, Educação, Segurança Pública, Transporte e Habitação são as vítimas de serra (minúsculo mesmo) e psdb/demo. Este elemento e estes partidos precisam ser banidos da vida política do Brasil. Dilma neles e Lula sempre.

Fabio Silva

DENÚNCIA GRAVÍSSIMA NO BLOG DO FERNANDO RODRIGUES!

"PT usa aprovação de Lula para pedir dinheiro para Dilma"

Será que ninguém que receba sua porção de sal do PIG escapa? Nem gente séria? Ao final das eleições, os donos das empresas continuam donos, e os dirigentes continuam embolsando os pró-labores, comissões e gratificações. Os jornalistas e comentaristas nada mais têm que sua força de trabalho e sua credibilidade. O que fazem, depois de situações ridículas como essa? Ficam os anos seguintes juntando os cacos de si?

João Luiz cardoso

Zicado o monstrengo da Av.dr.Arnaldo. A começar pelo(s) rótulo(s) sucessivos e voláteis: com Dr.Pinotti (governo Fleury) era Instituto da Mulher- sonho megalômano do ginecologista famoso, que por ,talvez, décadas, virou um esqueletão de concreto, conhecido pela escumalha com "Xoxotão". Nunca terminado, com a duplinha Barradas/Serralho se metamorfoseia em IAVC, homenagem capenga ao celebre médico , fundador da Faculdadde de Medicina da USP, Instituto Dr.Arnaldo Vieira de Carvalho foi obra natimorta. Ai tudo é história: homenagem ao pai o Tavinho, a tercerizaçãpo selvagem, etc e tal.
O que deve ser feito é o retorno do centro de oncologia para a Saúde Pública, com letras maiúsculas.

    clemes

    João Luiz, abs

O Brasileiro

Bem, a farsa está sendo desmascarada! "Pode-se enganar muitos por pouco tempo; poucos por muito tempo; mas não se consegue enganar muitos por muito tempo!"

O Brasileiro

Não sei se ainda é assim, mas era!
Um outro ponto sobre a "jestão" tucana da saúde:
Vocês, quando vão ao barbeiro ou ao cabeleireiro, gostam de ser atendidos cada vez por uma pessoa diferente? A maioria vai responder que não. Agora imagine se é o médico que cuida da sua saúde e da sua família…
O esquema das terceirizações não pára nas OSs. Estas, por sua vez, contratam serviços (terceirizam a terceirização!) de cooperativas de profissionais de saúde, como os médicos, sem vínculo empregatício (embora tenham que contribuir como autônomos para o INSS, não tem direitos trabalhistas, só previdenciários), que poucas vezes são fixos. O mesmo acontecia com os funcionários públicos de vários hospitais do estado, que abandonavam pelos baixos salários (sei que até hoje os salários são muito baixos!). Um sai, outro entra no lugar, tapando um buraco. E assim vai levando. Esse é o jeito tucano de governar!
Isso sem falar das dívidas dos hospitais do estado e das OSs, de milhões e milhões de reais.

    Wilson

    Sou carioca, mas um amigo tem parente médica em SP: segundo ele, essa profissional da saúde acumularia vínculos em várias OSs, "trepando" horários (que não cumpre em parte, logicamente) e, por isso, receberia de fato menos que o formalmente declarado. A diferença, alguém embolsaria (ou, quem sabe, poderia ir para alguma caixinha – 2)…

    Gostaria que os paulistas confirmassem se isso é vero…

    André LB

    Si non è vero, è ben trovato. Encaixa-se bem com o que se conhece dos últimos 16 anos neste Estado (com "E" maiúsculo, que para mim "estado" só serve em "estado civil" ou "estado físico da matéria")..

    O Brasileiro

    Eu até coloco com "E" maiúsculo, quando o governo o tratar como tal.
    P.S.: Eu devia ter colocado entre aspas!

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