Rubens Casara e Giane Álvares: Neofascismos, eles passarão?

Tempo de leitura: 8 min

hitler e musolini

Mussolini e Hitler em Veneza, Junho de 1934

a-onda

Cena do filme  alemão  A Onda, de 2008. Mostra como m experimento de classe constituiu uma verdadeira ditadura fascista e discute o quão longe o regime de Hitler realmente está dos nossos dias

Neofascismos: eles passarão? O sintoma das urnas

por Rubens Casara e Giane Álvares, no Justificando

Fascismo é uma palavra que, por vezes, aparece vulgarizada. Ela se origina de fascio (do latim fascis: feixe), símbolo da autoridade dos antigos magistrados romanos, que utilizavam feixes de varas com o objetivo de abrir espaços entre as pessoas para que passassem (exercício de poder no corpo do indivíduo).

Em sua origem, portanto, os feixes eram instrumentos a serviço da autoridade e, por essa razão, passaram a ser utilizados como símbolos do poder do Estado. Não por acaso, durante o regime fascista italiano (Fascismo Clássico) essa insígnia foi recuperada com o objetivo de simbolizar a força em torno do Estado.

O fascismo recebeu seu nome na Itália, mas Mussolini não estava sozinho. Diversos movimentos semelhantes surgiram no pós-guerra com a mesma receita que unia voluntarismo, pouca reflexão e violência contra seus inimigos.

Hoje, parece existir consenso de que existe(m) fascismo(s) para além do fenômeno italiano ou, ainda, que o fascismo é um amálgama de significantes, um “patrimônio” de teorias, valores, princípios, estratégias e práticas a disposição dos governantes ou de lideranças de ocasião (que podem, por exemplo, ser fabricadas pelos detentores do poder político ou econômico, em especial através dos meios de comunicação de massa).

Note-se que, ao comentar o surgimento do fascismo clássico, Mariátegui deixou consignado que os “fascistas provêm dos diferentes partidos e setores burgueses. O ‘fascismo’ não constitui, portanto, um conglomerado homogêneo. Em suas fileiras há elementos de filiação e origem claramente reacionárias e conservadoras”(MARIÁTEGUI, José Carlos. As origens do fascismo. PERICÁS, Luiz Bernardo (org.). São Paulo: Alameda, 2010. p.179).

Para seus idealizadores e teóricos, o fascismo era uma ideia política com peso semelhante ao do socialismo ou do liberalismo (curioso notar que, ainda hoje, alguns que se afirmam liberais defendem posições que são típicas do fascismo, como, por exemplo, o boicote a artistas ligados a projetos políticos diversos daqueles a que aderem).

O discurso legitimador das práticas fascistas é de que a ideia que leva a essa prática (que, em regra, não se assume fascista) não teria surgido de abstrações teóricas, mas da necessidade de ação (da vontade de conquista). Bobbio percebeu que o fascismo italiano tinha como programa imediato “pura e simplesmente a conquista do poder” (BOBBIO, Noberto. Do fascismo à democracia: os regimes, as ideologias, os personagens e as culturas políticas. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 28).

Hoje, os neofascistas se contentam em disseminar o ódio contra o que existe para conquistar o poder, sem maiores preocupações com a formulação de um projeto alternativo (outras vezes, apostam em projetos reacionários de retorno a um passado mítico, na verdade, uma representação que funciona como “fantasia”, capaz de dar conta e suporte ao desejo fascista).

Todavia, o fascismo possui uma ideologia: uma ideologia de negação. Nega-se tudo (as diferenças, as qualidades dos opositores, as conquistas históricas, a luta de classes, etc.).

O fascismo é cinza, enquanto a democracia é multicolorida. A ideologia fascista, porém, deve ser levada a sério, pois não só é tão criticável quanto todas as demais ideologias como também apresenta soluções “fáceis” para os mais variados problemas sociais modernos (nesse sentido: MANN, Michael. Fascistas. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 13).

Como ensina Bobbio, os fascistas “talvez não soubessem o que queriam, mas sabiam muito bem o que não queriam. Não queriam, em uma palavra, a democracia, entendida como laborioso e difícil processo de educação na liberdade, de governo através do controle e do consenso, de gradual e sempre contestada substituição da força pela persuasão” (BOBBIO, Noberto. Do fascismo à democracia: os regimes, as ideologias, os personagens e as culturas políticas. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 29).

Essa mistura de pouca reflexão (o fascismo, nesse particular, aproxima-se dos fundamentalismos, ambos marcados pela ode à ignorância) e recurso à força (como resposta preferencial para os mais variados problemas sociais) produziu reflexos no sistema de justiça criminal.

No fascismo, tanto a pena quanto o processo penal, por exemplo, orientam-se à proteção do Estado (o indivíduo é visto como um inimigo em potencial) com a ampliação do poder penal e correlata diminuição das garantias individuais. O afastamento de direitos fundamentais, a ampliação do encarceramento (com a transformação do preso em mercadoria), a correlata redução da idade penal e o incremento do controle social das populações indesejadas são medidas que sempre se adequaram ao projeto fascista.

No fascismo, o Estado apresenta-se como superior a todos os indivíduos. Estes, portanto, ficam subordinados às razões estatais e a um poder praticamente sem limites. Há uma tentativa de edificação de um Estado total, isto é, um Estado que se sobreponha ao indivíduo a ponto de anulá-lo. Não por acaso, a intolerância torna-se uma constante, o que leva à repressão da diferença (revela-se, pois, natural que sexistas e homofóbicos identifiquem-se com projetos neofascistas).

Nega-se, portanto, a alteridade e acentua-se a criação e a preocupação com os inimigos do Estado, com aqueles que criticam ou não acatam as razões do Estado. Note-se que as tentativas de solucionar os problemas de saúde pública (como as questões das drogas etiquetadas de ilícitas e do aborto) e de controlar reivindicações populares (basta pensar no fenômeno da criminalização dos movimentos sociais) através do sistema penal são manifestações desse Estatismo que se vinculam ao ideário fascista.

Outra característica marcante é o fato do fascismo se apresentar como um fenômeno racional ou mesmo natural. O fascismo e as práticas fascistas aparecem para os seus adeptos como consequências necessárias do Estado, dessa relação entre homens que dominam outros homens através do recurso à violência que se apresenta como legítima. Assim, como toda forma de ideologia, o fascismo não é percebido como tal por seus agentes: tem-se, então, a naturalização de práticas fascistas, mesmo em ambientes formalmente democráticos.

Também é reconhecida como característica dos movimentos fascistas o seu pronunciado ativismo, com o recurso à força como meio preferencial à solução dos diversos problemas sociais. Por evidente, os frequentes excessos gerados por esse ativismo passam a exigir uma ampla cumplicidade entre os membros do establishment: magistrados, promotores de justiça, policiais, militares, jornalistas, homens de negócio e etc.

Mario Sznajder, ao pesquisar sobre o fascismo, declarou que “não há dúvida de que o fascismo é uma ideologia política, baseada em certas afirmações de origem filosófica e cultural, adotada por movimentos intelectuais, sociais e políticos para transformar-se em partido e regime onde as circunstâncias históricas o permitissem. Ou ainda para proporcionar aspectos propagandísticos e operacionais a movimentos políticos que não podem ser definidos como fascistas, mas que vêem no fascismo ideológico e prático uma fonte de inspiração (…).

Também são componentes essenciais do tipo de nacionalismo que o fascismo adota e opera o seu caráter guerreiro e violento” (SZNAJDER, Mario. Fascismo e Intolerância. In: Tempos de fascismo: ideologia – intolerância – imaginário. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci e CROCI, Federico. (orgs.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010. p. 25).

Os vários fascismos também sempre tiveram a necessidade de um inimigo demonizado em razão do qual a utilização da força estaria legitimada. Esse inimigo é o “estranho” (no recente processo eleitoral, o inimigo era o “desinformado”, o “nordestino”, o “pobre” ou o “petralha”).

Na pós-modernidade, o estranho a ser demonizado (e, portanto, objeto em potencial do sistema penal e das práticas fascistas) é aquele que não está inserido funcionalmente na sociedade (e que, para o neofascista, nunca poderá ser inserido) de consumo ou que se opõe ao status quo.

Hoje, mostra-se cada vez mais crível a hipótese de que as crises do capitalismo fazem aflorar movimentos em direção ao fascismo. Na linha desenvolvida tanto por Leandro Konder (KONDER, Leandro. Introdução ao fascismo. São Paulo: Expressão Popular, 2009, p. 53) quanto por Robert Owen Paxton (PAXTON, Robert. A anatomia do fascismo. Trad. Patrícia e Paula Zimbres. São Paulo: Paz e Terra, 2007, p. 43) pode-se afirmar que as forças capitalistas, incapazes de assegurar a expansão contínua dos mercados, o amplo acesso à matéria-prima e à mão barata (e obediente) e o controle sobre os movimentos reivindicatórios (que não interessam à logica da produção e circulação de mercadorias) por meio de operações adequadas ao modelo democrático, viram-se obrigadas a encontrar novas maneiras de alcançar esses objetivos pela força, ou seja, o projeto capitalista, não raro, tem que assumir a forma de um movimento fascista.

Hoje, vivenciam-se os efeitos de mais uma crise do capitalismo e, no Brasil, acentua-se o sentimento de que o risco de fascistização se faz presente.

O assassinato de um militante do Partido dos Trabalhadores (PT) que fazia campanha para o seu candidato, as agressões e ofensas a eleitores de vários partidos, o crescimento da bancada parlamentar que aposta tanto no recurso à violência quanto nos discursos de ódio e de negação da alteridade (fundamentalistas religiosos, “bancada da bala”, etc.), a naturalização com que foi encarada a proposta de um dos candidatos à presidência de reduzir a idade penal e as apostas eleitorais/eleitoreiras de reforma da legislação penal, com o aumento de penas e a redução das garantias processuais (como lembra o Marcelo Semer, “aderir a estado policial pode ser opção eleitoral; sair dele nunca é”), são sintomas de que a ameaça da fascistização da sociedade brasileira é real.

O grande problema é que as condutas que flertam com o fascismo funcionam como uma válvula de escape do irracional.

Quem, por exemplo, defende a redução da idade penal não pode ser convencido com argumentos racionais (como, por exemplo, a apresentação dos resultados das diversas pesquisas que apontam que os países que diminuíram a idade penal não reduziram a criminalidade), isso porque argumentos racionais só surtiriam efeito se a opção pela defesa da redução da idade penal (ou a opção eleitoral que encarna esse desejo) tivesse se dado através da argumentação, isto é, de maneira crítica, através da aceitação de argumentos racionais.

Não por acaso, os discursos nos comícios do Nacional-Socialismo distinguiam-se pela habilidade dos oradores (todos com boa dicção e presença de palco impecável) em recorrer à emoção e evitar ao máximo uma argumentação objetiva (gritos, ofensas e acusações bastavam à manipulação das massas). Não por acaso, nestas eleições, os discursos de ódio ao outro substituíram a apresentação de propostas concretas ou o confronto entre os projetos políticos que cada candidato representava.

O quadro que se avizinha não parece promissor. A nova composição do Congresso Nacional, apontado pelo DIAP como o mais conservador desde 1964, e o crescimento do potencial eleitoral dos candidatos que mais se aproximam do ideário fascista é um risco à democracia.

Impõe-se, portanto, uma postura ética que sirva de obstáculo aos movimentos antidemocráticos. Uma postura ético-poética (TIBURI, Marcia. Filosofia prática. Rio de Janeiro: Record, 2014): ética, porque entendida como um processo comprometido com o outro (em especial, com aquele que mais necessita); poética, uma vez que voltada à criação (poiesis) de vida (plena/digna), uma atitude de concretização dos direitos fundamentais de todos, como forma de resistir às tendências que apostam no ódio e na violência.

Apesar das muitas críticas que podem ser feitas à atual gestão federal, são inegáveis os avanços percebidos com o crescimento econômico, os baixos índices de desemprego, o sucesso de políticas de distribuição de renda e a redução de desigualdades tanto sociais quanto regionais. Nada justifica o ódio ao governo e a violência dirigida aos programas que criou (Bolsa Família, Mais Médicos, etc.).

Violência que, no mundo-da-vida, se volta à população que deles se beneficia.

Importante lembrar, com Zizek, que a violência não se limita à sua expressão vulgar/subjetiva (a violência em que os protagonistas são facilmente identificados), posto que existem formas simbólicas e estruturais de violência (ZIZEK, Slavoj.Violência: seis reflexões laterais. São Paulo: Boitempo, 2014).

Ao reforçar a tradição autoritária e elitista em que está inserida a sociedade brasileira, esses ataques aos programas sociais do governo caracterizam-se como manifestações de violência simbólica. De igual sorte, eventual eliminação desses programas, que reduziram a miséria e a desigualdade, consistiria em grave violência estrutural.

Rubens Casara é Doutor em Direito, mestre em Ciência Penais, professor do IBMEC/RJ e membro da Associação Juízes para a Democracia e do Corpo Freudiano

Giane Ambrósio Álvares, advogada, mestranda em Processo Penal pela PUC/SP e membro da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares

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Comentários

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Luiz

Na realidade, pelo que pude entender, o fascismo é um sintoma de que o capitalismo está indo mau.

    Mário SF Alves

    Exatamente.

    E, por analogia, nazismo é quando além de mal, o capitalismo já não encontra mais solução no campo da retórica e da economia dita civilizada.
    ________________________
    Só não dá pra saber se a analogia pode ser a mesma em se tratando de países onde imperem o subdesenvolvimentismo capitalista.

Patricio

Eles passarão. Nós, passarinho.

    Michel

    Deixa de ser mané!

    Mário SF Alves

    Mané? Mané, por quê, ô, por dedução, esperto?

    Elias

    Olha, Patricio, não leve a mal o Michel, ele certamente nunca leu Mário Quintana…

L@!r M@r+e5

O artigo do VioMundo e o do Paulo Moreira Leite apresentado pelo Franco Atirador estão excelentes!

O Mar da Silva

Sem dúvida, há setores da sociedade brasileira que têm postura fascista. E a mídia contribui para tentar dar legitimidade ou naturalidade aos seus anseios. Faltou ao governo uma postura, uma ação no sentido de mostrar as agressões à democracia que a aceitação dessa postura levaria.

Como dito no artigo, a postura fascista foi vista em diferentes órgãos – ou agentes deles. É notória a participação do Ministro Gilmar Mendes na tentativa de naturalização da agressão à constituição e do Estado de Direito.

Infelizmente, o governo federal ficou acuado diante da violência da oposição no judiciário, na mídia, da direita e no mercado. E o ambiente se tornou propício para o desabrochar dos fascistas dirigindo seu ódio contra o PT e seus eleitores.

O processo do mensalão do PT foi simbólico a esse respeito. Uma trama quase perfeita. O ambiente só deve piorar, pois está em gestação o petrolão para pegar a Dilma. Todas as cartas já estão na mesa: o juiz Moro, a Veja, o Globo, o Estadão, a direita e os cansados, agora liderados por Lobão e o Bolsonaro Filho.

Poesia e Ética não será suficiente para conter essa segunda maré de ódio e farsa.

FrancoAtirador

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Toda Atitude de Imposição da Vontade de Um sobre Outrem é Fascista.
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    FrancoAtirador

    .
    .
    “A Amargura Egocêntrica”

    Hanna Arendt usava a expressão “Amargura Egocêntrica”,
    para definir a Psicologia Social dessas Pessoas
    que integravam Movimentos de Vocação Fascista.

    Ela escreveu:

    “A Consciência da Desimportância e da Dispensabilidade
    deixava de ser a Expressão da Frustração Individual
    e se tornava um Fenômeno de Massa.”

    “O que perturba os Espíritos Lógicos é a Indiscutível Atração
    que esses Movimentos exercem sobre a Elite“.
    .
    .
    O Fascismo Cresceu, Insuflado pela Imprensa

    Por Miguel do Rosário

    Vale a pena ler a reflexão de Paulo Moreira Leite,
    sobre a agressividade crescente de alguns grupos
    contra outros cidadãos brasileiros,
    por preconceito contra quem pensa
    (e vota) diferente .

    Agressividade e Fascismo Insuflados pela Mídia.

    O Discurso do Ódio da Mídia já criou até mesmo um Terrorista.

    Até onde isso vai?

    Pouco se fala disso na mídia brasileira,
    porque ela sempre tentou vender a imagem
    de que a Imprensa é apenas Irmã da Democracia.

    Sim, é Irmã, mas é também a Traidora e a Carrasca.

    A Imprensa vive traindo a Democracia
    e apoiando a Ditadura e o Fascismo.

    Todos os Movimentos Fascistas tiveram início na Imprensa,
    inclusive o brasileiro, que culminou no golpe de 64.

    (http://tijolaco.com.br/blog/?p=22263)
    .
    .
    O FASCISMO À ESPREITA NA RETA FINAL

    Por Paulo Moreira Leite, em seu blog.

    Atos de violência e intimidação são resultado previsível de uma política de criminalização da política e dos políticos

    Na quinta-feira, quando Dilma teve uma queda de pressão no SBT, um médico gaúcho usou o twitter para mandar essa “#%&!##”chamar um “médico cubano.”
    (Dois dias antes, ao sair do carro no estacionamento da TV Band, para o debate anterior, a presidente foi recebida pelos gritos de um assessor parlamentar adversário. Ouviram-se coisas como “vaca”, “vai para casa…”)

    No Rio, o cronista Gregório Duvivier passou a receber diversos tipos de ameaça depois que publicou um texto onde deixou clara sua preferência por Dilma.

    Agressores avançaram sobre o escritor Enio Gonçalves Filho, blogueiro com momentos de boa inspiração — e que é cadeirante — quando ele se dirigia ao Churrasco dos Desinformados, na Praça Roosevelt.
    Enio se dirigia a um protesto para responder ao comentário de Fernando Henrique Cardoso sobre a vantagem de Dilma nos estados do Nordeste (“O PT está fincado nos menos informados, que coincidem de ser os mais pobres. Não é porque são pobres que apoiam o PT. É porque são menos informados,” disse FHC).

    No meio do caminho, três sujeitos avantajados tentaram obrigar Enio a tirar sua camisa vermelha — ele é petista — e chacoalhavam sua cadeira de rodas.

    Uma comunidade de quase 100 mil usuários numa rede social, que se declaram profissionais da classe médica brasileira, se tornou palco de uma guerra dentro da corrida presidencial.
    Com o título de “Dignidade Médica”, as postagens do grupo pregam “castrações químicas” contra nordestinos, profissionais com menor nível hierárquico, como recepcionistas de consultório e enfermeiras, e propõe um “holocausto” contra os eleitores de Dilma.

    Eleições apertadas, que envolvem projetos políticos distintos, podem gerar conflitos entre eleitores que chegam a lembrar torcidas de futebol.

    Mas estamos assistindo a uma situação diferente:

    Ações Agressivas destinadas a dar Suporte a uma Ideologia Política
    de Exclusão e Negação de Direitos Elementares.

    A maioria dos estudiosos costuma ligar a emergência do ódio político,
    sentimento que está na base dos movimentos fascistas,
    a situações de crise econômica, quando a maioria das pessoas
    não enxerga uma saída para suas vidas nem para suas famílias.

    Embora a economia brasileira tenha crescido pouco em 2014,
    ninguém definiria a situação do Brasil como catastrófica.

    Ao contrário do que ocorria na Europa dos anos 20 e 30,
    que viu nascer os regimes de Benito Mussolini e Adolf Hitler,
    o Brasil não se encontra numa situação de superinflação
    nem de desemprego selvagem.
    A média dos últimos quatro anos de inflação
    é a segunda mais baixa da história do IBGE —
    numa linha que vai até 1940.

    O desemprego é o menor da história e continua caindo.
    Nada menos que 123.000 novos postos de trabalho
    foram criados em setembro 2014.

    É inegável que ao longo dos anos ocorreram avanços na distribuição de renda, no combate a desigualdade, na ampliação dos direitos das maiores que passavam excluídas pela historia.

    A intolerância de 2014 tem origem política
    e tem sido estimulada pelos adversários do PT e Dilma.

    Procura-se questionar a legitimidade de suas decisões
    e rebaixar moralmente os eleitores os apóiam.

    Em 2006, quando Lula foi reeleito, um ano e meio depois
    das denúncias de Roberto Jefferson, o Estado de S. Paulo
    publicou uma reportagem tentando sustentar
    que “a aceitação da corrupção na política
    está mais presente entre os eleitores de baixa renda.”

    Ao fazer pesquisas que associavam valores morais
    aos anos de educação formal de um cidadão,
    o estudo A Cabeça do Brasileiro
    sugeria que a baixa escolaridade
    — condição da maioria da população —
    tornava a parcela menos educada da população
    mais vulnerável ao “jeitinho”
    e outras práticas condenáveis.

    Procurando entender a Origem do Fascismo
    nas Primeiras Décadas do Século Passado,
    Hanna Arendt deixou Lições
    que podem ser úteis para o Brasil de 2014.

    Hanna Arendt usava uma expressão interessantíssima
    — “amargura egocêntrica” — para definir a psicologia social
    dessas pessoas que integravam movimentos de vocação fascista.

    Ela escreveu: “a consciência da desimportância e da dispensabilidade
    deixava de ser a expressão da frustração individual
    e se tornava um fenômeno de massa.”

    É sempre interessante recordar um levantamento feito em 2011
    pelo instituto Data Popular. Entrevistando 18.000 cidadãos
    na parte superior da pirâmide de renda, o DataPopular descobriu que:

    55,3% concordam que deveria haver produtos para ricos e pobres

    48,4% concordam que a qualidade dos serviços piorou com o maior acesso da população

    62,8% concordam que estão incomodados com o aumento das filas

    49,7% concordam que preferem frequentar ambientes com pessoas do seu nível social

    16,5% concordam que pessoas mal vestidas deveriam ser barradas em alguns lugares

    26,4 % concordam que o metrô aumenta a circulação de pessoas indesejáveis na região em que moram

    17,1% concordam que todos os estabelecimentos deveriam ter elevadores separados.

    A Intolerância e o Ódio cresceram no Brasil
    com uma consequência inevitável de um movimento
    destinado à criminalização da política e dos políticos
    — em particular do Partido dos Trabalhadores,
    nascido para ser “aquela parede protetora”
    das classes assalariados e dos mais pobres,
    para usar uma expressão de Hanna Arendt.

    Pela destruição das barreiras de classe,
    que permitem distinguir um partido de outro,
    os interesses de uns e de outros,
    firmou-se o conceito de que nossos homens públicos
    são autoridades sem escrúpulo e bandidos de alta periculosidade,
    sem distinção, descartáveis e equivalentes, “não apenas perniciosas,
    mas também obtusas e desonestas, ” como escreveu a mestra.

    As atitudes agressivas e tentativas de humilhação
    nasceram durante o julgamento da AP 470,
    no qual se assistiu a um espetáculo seletivo de longa duração.

    Enquanto os acusados ligados ao PT e ao governo Lula
    eram julgados em ambiente de carnaval cívico-televisivo,
    num espetáculo transmitido e estimulado por programas de TV,

    os acusados do PSDB, envolvidos nos mesmos esquemas,
    dirigidos pelas mesmas pessoas
    — e até com mais tempo de atividade —
    foram despachados para tribunais longe da TV,
    a uma distância de qualquer pressão por celeridade.

    Sequer foram julgados — embora a denúncia seja anterior.

    Há outros componentes no Brasil de 2014.

    A referência sempre odiosa aos médicos cubanos
    que respondem pelo atendimento de brasileiros
    que nossos doutores verde-amarelos
    não têm a menor disposição de atender,
    revela o casamento do preconceito
    com um anticomunismo primitivo,
    herança viva da ditadura de 1964.

    Permite ao fascismo recuperar o universo Ame-o ou Deixe-o,
    assumir-se como aliado da ditadura sem dizer isso de forma explícita.

    O progresso social dos últimos anos ajudou a criar
    ressentimento de camadas de cima que se vêem ameaçadas
    — em seu prestígio, mais do que por outra coisa —
    em função do progresso dos mais pobres,
    essa multidão despossuída que na última década
    conseguiu retirar uma fatia
    um pouco mais larga do bolo da riqueza do país.

    Em 2010, a vitória de Dilma Rousseff foi saudada em São Paulo
    por um grito no twitter:
    “Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado!”,
    escreveu uma estudante de Direito.
    Três anos mais tarde, ela foi condenada a um ano e cinco meses de prisão,
    mas teve a pena transformada em prestação de serviços comunitários.

    “O que perturba os espíritos lógicos
    é a indiscutível atração
    que esses movimentos
    exercem sobre a elite “,
    escreveu Hanna Arendt.

    Richard Sennet, um dos principais estudiosos das sociedades contemporâneas,
    definiu o ressentimento como a convicção de que determinadas reformas
    em nome do povo “traduzem-se em conspirações que privam as pessoas comuns
    de seu direito e seu respeito.”

    Os benefícios oferecidos aos mais pobres resultam em insegurança e insatisfação
    por parte dos cidadãos que estão acima das políticas sociais
    dirigidas às camadas inferiores, explica Sennet,
    para quem essas pessoas tem o sentimento de que o governo “não conhece grande coisa de seus problemas, apesar de falar em seu nome.”

    Mas quais seriam estes problemas?
    Hanna Arendt falou em “amargura egocêntrica.”

    Na década de 1950, poucas medidas de Getúlio Vargas
    despertaram o ódio de seus adversários
    como a decisão de aumentar o salário mínimo em 100%.

    Pouco importava que esse número se baseasse
    na inflação do período anterior, de inflação altíssima.

    A questão é que, com um salário desses,
    um operário da construção civil poderia ganhar
    o mesmo que um militar de baixa patente e outros funcionários públicos
    — e isso era inaceitável num país onde o trabalho de um pedreiro
    era visto como a herança da escravidão.

    O fim da história nós sabemos.

    (http://paulomoreiraleite.com/2014/10/18/o-fascismo-espreita)
    .
    .

    FrancoAtirador

    .
    .
    Ainda no curso da Campanha Eleitoral, no Segundo Turno,

    o Professor Venício Lima já alertava para o que viria:

    “Infelizmente, Não Há Indícios de que a Linguagem do Ódio
    Desaparecerá com a Realização do Segundo Turno.
    Ao contrário…”
    .
    .
    O que Será Feito do Ódio e de Sua Linguagem?

    Por Venício Lima, no O.I., via Carta Maior

    Ao fazer um balanço crítico do ano que chegava ao fim,
    na perspectiva da atuação da mídia brasileira,
    escrevi neste Observatório, em dezembro de 2013:

    “O que de mais importante aconteceu no nosso país de 2005 para cá
    – vale dizer, ao longo dos últimos oito anos – e se consolidou em 2013
    com as várias semanas de julgamento televisionado, ao vivo,
    no Supremo Tribunal Federal – foi a formação de uma linguagem nova,
    seletiva e específica, com a participação determinante da grande mídia,
    dentro da qual parcela dos brasileiros passou a ‘ver’ os réus
    da Ação Penal nº 470, em particular aqueles ligados ao Partido dos Trabalhadores. (…)
    Nos últimos anos ‘mensalão’ passou a ser ‘um esquema de corrupção’
    e tornou-se ‘mensalão do PT’, enquanto situações idênticas e anteriores,
    raramente mencionadas, foram identificadas pela geografia e não pelo
    partido político (‘mensalão mineiro’).
    Como resultado foi se construindo sistematicamente uma associação
    generalizada, seletiva e deliberada entre corrupção e os governos Lula
    e o PT, ou melhor, seus filiados e/ou simpatizantes. (…)
    A generalização seletiva tornou-se a prática deliberada e rotineira
    da grande mídia e, aos poucos, as palavras ‘petista’
    – designação de filiado ao Partido dos Trabalhadores –
    e ‘mensaleiro’ se transformaram em palavrões equivalentes a ‘comunista’,
    ‘subversivo’ ou ‘terrorista’ na época da ditadura militar (1964-1985).
    ‘Petista’ e ‘mensaleiro’ tornaram-se, implicitamente, inimigos públicos
    e sinônimos de corruptos e desonestos”.
    (ver “A Linguagem Seletiva do ‘Mensalão’“: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed777_a_linguagem_seletiva_do_mensalao)

    Em abril de 2014, depois de visitar várias regiões do país
    lançando seu premiado romance K, o escritor e jornalista Bernardo Kucinski
    recuperou a palavra “politicídio” para descrever o que antecipou
    como “uma mobilização em marcha para exterminar o PT da sociedade brasileira,
    a começar pela sua presença no imaginário da população”.

    Saul Leblon comentou na Carta Maior:

    “A aspiração não é nova nas fileiras conservadoras.
    Em 2005, já se preconizava livrar o país ‘dessa raça pelos próximos trinta anos’.
    Jorge Bornhausen, autor da frase, reúne credenciais
    e determinação para levar adiante seu intento. (…)
    A verdadeira novidade é a forma passiva como um pedaço
    da própria intelectualidade progressista passou a reagir
    diante dessa renovada determinação de exterminar o PT
    da vida política nacional”
    (http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/O-politicidio-contra-o-PT/30728).

    Nos meses que antecederam à realização da Copa do Mundo de Futebol presenciamos a uma intensa e uniforme campanha de descrédito que celebrava o fracasso antecipado em expressões do tipo “Não vai ter Copa”. Fracasso antecipado pela incapacidade brasileira – mas, sobretudo, do governo brasileiro – de realizar um evento dessa magnitude.

    Superada a Copa do Mundo, iniciou-se o ciclo eleitoral propriamente dito e recrudesceu a indisfarçável partidarização da grande mídia em níveis desconhecidos até aqui. Hegemoniza-se rapidamente, não só na grande mídia, mas também nas redes sociais, uma assustadora “linguagem do ódio” – incluindo a edição deliberada de imagens – contra os governos liderados pelo PT nos diferentes níveis da administração pública e contra petistas que os apoiam.

    Talvez a característica mais forte dessa “linguagem do ódio” seja a utilização dos verbos “acabar”, “varrer”, “eliminar”, “exterminar”, “expulsar”, “aniquilar” que contamina e, em muitos casos, transita de um para outro lado da disputa, como se estivéssemos numa guerra civil em que o lado derrotado devesse ser “banido” da face da terra.

    E o pós-eleições?

    Há alguns anos tenho escrito sobre processos de intolerância que vêm sendo construídos e estimulados por uma grande mídia cada vez mais partidarizada e, de fato, sem compromisso verdadeiro com o processo democrático. A menos de uma semana do segundo turno da eleição para Presidência da República e para governadores de 14 estados da Federação, não é possível ignorar o nível de irracionalidade e polarização a que se chegou à disputa eleitoral.

    A questão incontornável é o que será feito do ódio e de sua linguagem que vêm sendo construídos e estimulados com a participação ativa da grande mídia ao longo dos últimos muitos meses, independentemente dos resultados das urnas.

    Como se comportarão os oligopólios da mídia partidarizada, derrotados ou vitoriosos, depois das omissões e distorções evidentes em favor de uma das posições políticas em disputa?

    Infelizmente – inclusive, levando-se em conta o comportamento da grande mídia nos estados onde haverá segundo turno também para governador – não há indícios de que a linguagem do ódio desaparecerá com a realização do segundo turno.

    Ao contrário.

    O que é possível fazer para que se restabeleçam
    as condições mínimas de tolerância necessárias
    à convivência democrática?

    A ver…

    (http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/O-politicidio-contra-o-PT/30728)
    .
    .

    Mário SF Alves

    “Toda Atitude de Imposição da Vontade de Um sobre Outrem é Fascista.”

    Sim, inclusive, o uso de imperativos, tão comuns no merchandising.

    FrancoAtirador

    .
    .
    Sim, Mestre Mário, tipo:

    “Compre Porcos na Lama

    e Leve Nabos Ensacados”
    .
    .

    FrancoAtirador

    .
    .
    O DILETANTE DE MARTINS PENA E A ÓPERA DE RIPPER

    ‘O Diletante’ é uma divertida obra de Martins Pena,
    que critica, de forma bem-humorada,
    o gosto pelo que vem de fora,
    modismo que data da primeira metade do século XIX,
    principalmente após a chegada da Família Real
    e da ‘Côorte’ Portuguesa ao Brasil.

    Para contar as trapalhadas provocadas por um rico comerciante
    que, amante de ópera, faz tudo para unir sua filha
    com um pretendente que também se interesse pelo gênero,
    a adaptação de João Guilherme Ripper ambienta a trama
    em Copacabana, no Rio de Janeiro dos anos 1950.

    (http://www.ct.ufrj.br/comunicacao/events/opera-na-ufrj-o-diletante)
    (http://www.portugues.seed.pr.gov.br/arquivos/File/leit_online/martin_pena2.pdf)
    .
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