Professor Aziz, a mesa vazia e o prenúncio dos novos tempos na USP

Tempo de leitura: 2 min

Mensagem via e-mail do professor Caio Toledo, da Unicamp: “Repasso a emocionada e lúcida nota de uma estudante da FFLCH sobre Aziz Ab´Saber. Talvez seja um das mais belas homenagens prestadas a esse digno intelectual que, até o fim de sua vida, combateu incessantemente as profundas iniquidades da sociedade brasileira”.

por Maria Carlotto, aluna da FFLCH-USP, enviada a amigos

“Ontem [15 de março], por volta das 22h, um funcionário da Faculdade de Filosofia passou avisando aos poucos que restavam que a biblioteca estava fechando. Desci as escadas e, como sempre, vi o professor Aziz Ab´Saber sentado em uma mesa de canto lendo, com a ajuda de uma lupa, um livro de quase mil páginas. As luzes da biblioteca estavam se apagando, mas ele insistia em continuar, resistindo no limite da desobediência.

Nos últimos anos, vi essa cena muitas vezes e ontem, por um segundo, sorri por simpatia daquele professor que não precisava estar ali, numa quinta-feira de chuva, enfrentando uma tarefa que parecia superar as suas forças.

Hoje à noite [16 de março] cheguei nessa mesma biblioteca e a mesa estava vazia. Nenhuma nota de falecimento. Tudo funcionava normalmente, impelido por uma corrente de normalidade que nos oprime e contra a qual ele dedicou a sua vida, com grandes obras e pequenos gestos como esse, de resistir diante de um livro, sob uma mesa no escuro.

Talvez seja o prenúncio dos tempos que se iniciam numa USP que certamente não foi a que ele conheceu.”

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Comentários

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tia

È uma pena

Bonifa

Grande Aziz Ab Saber, amou o Brasil como ninguém, defendeu o Brasil como ninguém. Quase foi levado à desilusão total pela longa batalha com a mediocridade acadêmica adesista de idéias de ultra liberalismo e dependência eterna/externa. Mas ele foi e é muito superior a toda aquela mediocridade que insiste em não permanecer na sepultura, porque morta já está há bom tempo.

zumarcos

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá …

David

Ele era um ser humano Emérito e de grande simplicidade.

Marat

O texto foi maravilhoso e prenúncio de que as trevas estão na USP foi bastante claro. Assim como a TV Cultura, a USP está sendo destruída aos poucos!

Elias

Entre quarta e sexta-feira desta semana a USP, o Brasil e o mundo perderam dois de seus melhores cérebros, César Ades, etólogo/psicólogo e Aziz Ab'Saber, geógrafo. Ambos deixaram valorosas pesquisas e teses no Instituto de Estudos Avançados (IEA). Meus sentimentos às famílias dos dois grandes professores . César, de origem judaica, Aziz de origem libanesa. Aqui a Ciência trabalhou pela paz. A história jamais irá esquecê-los.

Com todo o respeito

Elias

    Cibele

    O professor César Ades morreu atropelado. Não importa em que condições, se certos ou errados, todos os motoristas devem se conscientizar de que estão manejando uma arma. Vamos aprender a lição? Mais um grande mestre (e, provavelmente, um grande ser humano) que se vai porque o carro é o centro de tudo. Não pode parar, não pode andar mais devagar, não pode deixar o pedestre exercer seu direito à liberdade, no caso, simplesmente de andar na rua! Quantos mais? Lembram-se da professora da PUC? São muitos casos. Pensem nisso e assistam "Entre rios". Como podemos sequer pensar em democracia? Tirem a carrocracia do poder!

    Elias

    Estou plenamente de acordo, Cibele, abs.

    Cibele

    Elias, obrigada pelo retorno. Apesar de tristes, temos que prosseguir. O que revolta mais é a brutalidade. Veja mais um caso (o filho do Eike, carro de quase TRÊS MILHÕES!): http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1063633-fa
    Abs.

Jose Mario HRP

O mundo tucano é assim…………rendição incondicional ao capitalismo tupi niqui entreguista!
É o Cerrra!

Gerson Carneiro

"A vida é bela e cruel despida. Tão desprevenida e exata que um dia acaba"

Ritual – Cazuza

Fernando

Milton Santos, Josué de Castro, Aziz Ab Saber…

Que falta esse pessoal faz.

Sônia Bulhões

Lamento o fim de pessoa tão importante. Para quem crê em Deus pensa que ele irá se encontrar com outras figuras que deixaram muita saudade: Sérgio Buarque, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes entre outros tantos …. É pena.

Maurilio

Discordo do texto do colega mencionado nas aspas. Creio que uma homenagem deve ser feita à maneira que o falecido gostaria que fosse. E se perguntassem a vontade do professor, assim como o próprio texto descreve, era o de que a Biblioteca permanecesse operante ainda que pela via da desobediência. Hoje a Biblioteca da FFLCH funcionaria até 12h e fui lá pegar um livro para estudar como orgulhosamente venho feito nesses tempo de graduação na FFLCH, e pra muito desgosto meu a Biblioteca estava fechada sob o pretexto do luto do professor. Acontece que se a vontade dele fosse feita, a biblioteca não fecharia, funcionaria por mais tempo. E das coisas que funcionam por horas a fio nesse sistema injusto que nos suga e nos explora, creio que o explorar o máximo do que pode oferecer os recursos de uma biblioteca, não faz mal nenhum para a sociedade como um todo.

    Miguel

    mostrar alguma deferencia com gestos assim (um lutozinho de um dia que nem e' tao movimentando na universidade), nao vai atrapalhar tanto seus estudos.

marcosomag

Nota do site oficial da USP sobre a morte do Professor Aziz Ab'Saber:

"Aziz Ab’Saber, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, morreu aos 87 anos nesta sexta-feira (16) às 10h20, vítima de um ataque cardíaco em sua residência. O velório será realizado a partir das 19 horas no Salão Nobre da FFLCH, acesso pela Rua do Matão, s/n, Cidade Universitária, São Paulo, no Prédio da Diretoria e Administração. O sepultamento será no sábado (17), às 11 horas, no Cemitério da Paz (Rua Doutor Luiz Migliano, 644, Morumbi, São Paulo).

A Faculdade decretou luto oficial."

Luto oficial, só na FFLCH!

É o fim da picada!

Ricardo JC

Brasileiro,

Apreciei muito seu comentário e concordo em grande parte com o que você diz. Sou professor de uma Universidade Federal aqui no RJ e estamos sofrendo muito com esta nova mentalidade. Universidades funcionando como escolões (grande parte dos professores somente se envolve, e muito pouco, com as suas próprias aulas) e fábricas de publicações. Mas pior do que tudo isso é perceber que, na verdade, o sistema de avaliação da produção científica brasileira, imposto pela CAPES e pelo CNPq, apenas serve para que os "grandes cientistas" (entre aspas e minúsculas, mesmo) possam exercer seu poder sobre o sistema e compartilhar dos recursos públicos com os amigos. A avaliação da CAPES, na minha área, muda toda vez que muda o coordenador e de acordo com os seus próprios interesses. É uma numerologia sem fim…

Maria Libia

Disem que ninguém é insubstituivel, mas no caso do professor, não há o que por no lugar. Um homem de uma cultura e humanidade exemplares. Realmente estou muito triste com este fato.

    marisa

    Maria Libia, por acaso vc é a viúva do professor Norberto, morto pela ditadura? Vc é a la?

@kazerohum

A primeira que vi o professor Aziz Ab'Saber num debate, foi na Tv Puc: jamais me esqueci dele. Fará muita falta para o Brasil!

Polengo

Quando o rodas morrer, vai sair no jornal, vai ter nota de falecimento, homenagens babonas, etc.
Mas quando alguém realmente importante morre, o jornal não se importa não, e os invejosos e incapazes esforçam-se pra fazer de conta que nada aconteceu.

    Polengo

    Toda vez que um justo grita
    um carrasco vem calar
    quem não presta fica vivo
    quem é bom mandam matar

pall kunkanen

Os poucos sóis da USP estão indo, e a universidade entra na fase anoitecer de sua história. Como bem disse o brasileiro, o modelo educacional em curso no Brasil é um modelo falido, que tende ao obscuro. Em nada rejuvenesce, renasce ou aponta outro caminho ao país. O conservadorismo encrustado no poder age como um freio na nação que mesmo deslanchando na área econômica, não consegue avançar em direitos humanos, civis e na desigualdade. Setores do atraso conseguem manipular a educação da nação corroendo o futuro como um ácido. E é na noite que estes seres obscuro agem, pois sabem que o sol é um ótimo desinfetante.

    Cibele

    A sociedade brasileira é conservadora. Muito. Pode-se ver isso até por aqui. Dê uma olhada no post sobre o UFC. Será que alguém acredita na consciência do brasileiro, com essa educação que temos? Ninguém tem consciência de nada, santo Deus! Amam a violência, justificam tudo com a desculpa de que proibição não é legal e pronto. Dizem que não gostam, mas sabemos que a hipocrisia é reinante. Esperar o que? Pensei que as pessoas que aqui comentam realmente fossem sensíveis, mas não sei. Nossa sociedade é bruta porque gosta. Irremediavelmente conservadora e violenta. Gostei do seu comentário, me fez lembrar que, no fundo, esse conservadorismo encrustado no poder é reflexo dos eleitores que temos. Tudo é um triste círculo vicioso. Desculpe o desabafo.

José Eduardo

Como a biblioteca, a USP está sendo apagada pelo obscurantismo totalitário de tucanos ligados à Opus Dei (Alckmin) e TFP (Reitor Rodas). Reina a treva na (antes!) "maior universidade do país". Um ensaio do que virá se e quando os tucanos voltarem ao poder em Brasília…

    pperez

    Creio que com os trapalhões Serra,FHC,Aecio e Alckmin acho que o futuro dos Tucanos é mesmo sete palmos de terra!

    Polengo

    28 palmos é melhor,
    sete para cada meliante que vocë citou.

    Todos juntinhos.

franciscão

Faltou o nome da aluna.

    Conceição Lemes

    Franciscão, dê uma lida, de novo. É Maria Carlotto. abs

Mário

Agora os cabeça de planilha estão no poder, aliás estão no poder há mais de 20 anos. Quem é da USP sabe o que estou falando.

Linda mensagem, me faz lembrar daquela música: "naquela mesa tá faltando ele, e a saudade dele tá doendo em mim" Nelson Gonçalves

    Christiano Almeia

    Ab Saber. Não importa se nome ou sobrenome. Diz tudo. Saber. O exemplo altera o sobrenome. Ou o nome? Saber! Saber é conhecer? Não. Saber é conhecer e reparti-lo! Assino em baixo: "Naquela mesa, tá faltando ele e a saudade dele, tá doendo em mim…"!

    Tania Silva

    Nelson Gonçalves, não.
    Sérgio Bittencourt. Que escreveu a música em homenagem a seu pai, Jacob do Bandolim.

    ivan

    rsrsrsrsrsrrsrsrsrrss!!!!!!

    Alvaro Tadeu Silva

    Desculpe, mas essa música foi feita por Sergio Bittencourt em homenagem a seu pai, Jacob do Bandolim. É belissíma, mas não é representativa na discografia de Nelson Gonçalves. A gravação original, do próprio compositor, é bem melhor e fez bem mais sucesso na época.

FrancoAtirador

.
.
A nobreza está no caráter.

Foi-se um nobre brasileiro.

Fará falta à Humanidade.
.
.

VERA

É uma pena!!!

O_Brasileiro

Vários das recentes publicações aqui no Viomundo estão bastante interligadas, principalmente às que dizem respeito à USP e ao sistema estadunidense de avaliação do ensino. Elas estão diretamente ligadas à política educacional brasileira, baseada em testes de avaliação, o que parece ter sido copiado dos EUA pelo PSDB, e deste pelo PT.
As universidades brasileiras estão se tornando escolas técnicas, sem senso crítico, com uma produção intelectual quantitativamente avantajada, mas qualitativamente incipiente. E ai entra a CAPES e seu método quantitativo de avaliação da produção intelectual.
Isso em grande parte porque as descobertas científicas brasileiras, e as soluções apontadas pelos cientistas brasileiros, em todas as áreas, são ignoradas pelos gestores e pelos políticos.
Há uma dissociação entre o que se deseja e o que se faz pra se conseguir o desejado.

    Felipe

    http://www.revistaensinosuperior.gr.unicamp.br/bl

    Going Global 2012 – British Council, 3º dia
    Publicado em 16 de março de 2012 por Renato Pedrosa
    O 3º dia teve, para o Brasil, um sabor especial: nada menos do que 5 brasileiros participaram de sessões. A mais interessante foi a que teve como tema as economias emergentes da América Latina, com Glaucius (CNPq) e Simon Schwartzman na mesa, além de uma representante do Ministério da Educação da Colômbia. Mas o Brasil e seu programa Ciência sem Fronteiras foram o foco das atenções, como aliás tem sido ao longo da conferência. O programa tem despertado enorme interesse das universidades aqui no Reino Unido, e certamente daquelas em outros países, por razões óbvias.

    Glaucius fez a apresentação básica, com as metas e as bases do programa. Simon levantou pontos relevantes, incluindo um que ele gostaria de ver repensado: a ausência das áreas de Ciências Sociais, Humanidades e Artes na proposta. Glaucius respondeu que, apesar de essas áreas não estarem contempladas diretamente, bolsas do PCSF de outras áreas liberariam verbas do orçamento original do CNPq e Capes que estariam sendo direcionadas para essas áreas.

    Mas creio que o tema deveria ser mais debatido, pois a decisão, que Glaucius colocou claramente como tendo vindo da própria Presidência, indica uma falta de relevância dessas áreas para o atual governo – no meu entender um erro. Para entender melhor por que penso assim, é preciso recorder que, na fase anterior de alta participação no exterior de estudantes de pós-graduação (até mais ou menos meados da década de 80), áreas como Educação, Sociologia, História, Artes e outras, não tiveram a mesma densidade que as das Ciências da Natureza, Matemática, Saúde, Engenharias. Assim, algumas delas nunca atingiram o nível de maturidade acadêmica a que Física, Matemática, Química, Biologia, Medicina, Engenharias etc. chegaram. Isso trouxe sérios prejuízos para algumas delas, em que se vê hoje baixíssima densidade acadêmica de nível internacional, mesmo nas melhores universidades brasileiras.

    Isso para a pós-graduação. Mas, mesmo na graduação, o tema da educação e formação de caráter geral, que foi recorrente ao longo desses 3 dias, seria melhor servido se nossos estudantes das áreas de História, Geografia, Pedagogia, Economia, Sociologia etc. da graduação, pudessem também se beneficiar de uma estadia de 6 meses ou mais numa universidade como Princeton, Yale, Berkeley, Stanford, Oxford, Cambridge, Sciences-Po, Munique, Roma, Milão, Barcelona, Amsterdam etc.

    Mencionei isso ao Glaucius no final da sessão, vou voltar ao tema com ele, seria interessante que outras pessoas com visão semelhante – reitores, pró-reitores, docentes, insistissem nesse ponto. Sobre as outras mesas, volto num próximo post.

    Airton

    "Nenhuma nota de falecimento. Tudo funcionava normalmente…" Máquina não morre, funciona normalmente. Que senso esperar daquilo que nada sente?

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