Pepe Escobar: Como ovelhas silenciosas

Tempo de leitura: 4 min

Líbios e o xeque do Bahrain: rock’n roll de sabres

17/3/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online

O ocidente “ilustrado” acaba de enviar mensagem ao povo líbio rebelde: as forças de Muammar Gaddafi terão de acabar com a raça de vocês, num mar de sangue, antes de que o pessoal aqui decida alguma coisa. E mesmo que decidamos, será tarde demais. Desculpem. Foi mau.

Quanto ao rei dos reis, teve de aumentar o gás para tomar aqueles pilares da inércia burocrática – a ONU, a União Europeia, a Liga Árabe; agora, está em marcha batida, depois de Ajdabiya já ter praticamente caído, apenas a 150 quilômetros de Benghazi, numa estrada de deserto praticamente vazia. O leste libertado da Líbia está batido, sovado e enrolado, assando, com sabre e tudo.

Gaddafi disse que o ocidente blefava – e está ganhando a aposta. Riu do fracasso abjeto anglo-francês, que não conseguiu impor qualquer zona “no-fly” (não que a coisa o preocupasse; Gaddafi sempre preferiu artilharia pesada e tanques). Viu a inércia da Casa Branca, quando a Casa de Saud reprimiu com selvageria o “Dia de Fúria” na 6ª-feira. Registrou o silêncio da Casa Branca, quando a Arábia Saudita invadiu o Bahrain na 2ª.

Viu logo o quanto, para Washington, é impensável qualquer mudança de regime tanto no Bahrain quanto na Arábia Saudita. E, por mais que o ocidente deseje mudança de regime na Líbia – concluiu ele –, nada arriscarão para consegui-lo. Deve ter dado uma espiada no índice democrático da Unidade de Inteligência de The Economist e lá viu que a Líbia aparece no 158º lugar, e a Arábia Saudita, no 160º. Estamos empatados – deve ter pensado: os dois temos petróleo e nem um nem outro deixaremos cair a peteca.

Na Líbia e no Bahrain, a grande revolta árabe de 2011 parece ter chegado à linha vermelha: aqui, toda e qualquer mudança de regime pára – a Casa de Saud fica com o primeiro lugar no topo da pirâmide das ditaduras árabes, seguida pelos asseclas, os reinos e sheikados do Golfo.

A cereja do bolo da hipocrisia é que, semana passada, os ministros de Relações Exteriores dos países do Conselho de Cooperação do Golfo declararam que o regime de Gaddafi ter-se-ia tornado “ilegítimo”. Conclamaram a Liga Árabe a “assumir suas reponsabilidades e tomar as necessárias medidas para conter o banho de sangue na Líbia” – já depois de a máquina de repressão do Bahrain ter assassinado cidadãos desarmados e de a Arábia Saudita ter ameaçado fazer o mesmo.

E que ninguém espere qualquer socorro da al-Jazeera do Qatar: a cobertura é abertamente favorável à invasão do Bahrain pelos sauditas, depois de a rede ter praticamente ignorado uma semana de protestos. Chame a coisa de “esprit de corps” de todos os membros do GCC. O rei Hamad al-Khalifa do Bahrain já implantou três meses de estado de emergência – os apoiadores insistem em não chamar de lei marcial – e autorizou os comandantes de suas forças armadas a fazer o que lhes pareça necessário para calar os protestos, podendo, inclusive, assassinar o próprio povo.

Atenção às linhas vermelhas

Os oficiais militares de Gaddafi também já viram de que lado continuam a soprar os ventos repressivos do deserto: bombardeio intenso e artilharia pesada os empurrarão até a terra prometida (recapturada). Por seu lado, o principal comandante militar rebelde o general Abdel Fattah Younis, ex-ministro do Interior de Gaddafi, que já tem a cabeça a prêmio (4 milhões de dólares), apostou a fazenda em que seus rastreadores localizariam as posições da artilharia e dos tanques de Gaddafi e fariam o serviço de sabotagem. Não funcionou. Recuou a linha vermelha em Adjabiya; a linha caiu no prmeiro dia. Só lhe resta defender-se desesperadamente, corpo a corpo, rua a rua – mas Gaddafi não desperdiçará infantaria: sua estratégia é bombardeio incansável até o juízo final.

A Batalha de Benghazi é a última frente dos rebeldes. Como a estrada do mar se bifurca em Ajdabiya, a máquina de Gaddafi contornará Benghazi, tomará as cidades do leste, junto à fronteira do Egito, e dali sitiará Benghazi pelos dois lados. Há rios de sangue no horizonte.

A história talvez comprove, em breve, que a Casa Branca conseguiu neutralizar o jogo duplo anglo-francês – explicitamente –, de nada fazer sobre a Líbia. Gaddafi foi “terrorista”, passou ao estágio de “o nosso filho-da-puta”, agora é “um bandido”, mas é bandido que Washington conhece. Desde o início, Washington temeu um pós-Gaddafi com tintas de islamismo. Pouco importa que o governo provisório de Benghazi tenha-se revelado tribal e nacionalista. Esperto, Gaddafi investiu na versão de rebelião conduzida pela al-Qaeda porque sabia que acreditariam. Como acreditaram.

No final, o ocidente sequer ficará com o petróleo. Gaddafi acaba de dizer à TV alemã que as empresas ocidentais – exceto as alemãs (porque a Alemanha votou contra a zona de exclusão aérea) – podem dar adeus aos anos de bonança movida a petróleo líbio. “Não confiamos naquelas empresas. Conspiraram contra nós. Nosso petróleo agora irá para os russos, os chineses, os indianos.” Em outras palavras: para os BRICSs.

Sejamos justos: ao presidente Barack Obama dos EUA só restou a fantasia de múmia. Depois da orgia de hegemonia preventiva, unilateral, dos neoconservadores à Bush, Obama já não tinha cacife para mais uma invasão imperialista de país muçulmano. Especialmente porque a Casa Branca deve ter percebido que o capital moral dos EUA no mundo árabe já é virtualmente igual a zero.

Sobretudo, a Casa Branca aprendeu que a China – para nem falar dos demais BRICSs – era e continua a ser contra qualquer intervenção. A China tem imensos interesses na África e não quer sacudir o bote. E, além de tudo, com déficit de um trilhão de dólares, ninguém pode meter-se em traquinagens de zonas “no-fly”: os seus eleitores, sem tostão, entendem que deveriam ser eles o objeto de socorro humanitário, não os remotos líbios.

O futuro é sombrio. Não haverá mudança de regime. Em vez disso, haverá um tsunami de sangue. A cavalaria norte-americana não aparecerá. E todos assistiremos às imagens da al-Jazeera como ovelhas silenciosas.


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Comentários

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Pepe Escobar: A guerra Club Med | Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] Infelizmente, ainda falta muito para que se chegue a essa situação de fazer a coisa (moral) certa. A história deve registrar que o ponto de virada foi, sim, a 3ª feira, 15/3. quando, em entrevista a uma televisão alemã, o africano rei dos reis disse, com todas as letras, às megaempresas ocidentais – excluiu as alemãs, porque a Alemanha estava contra a zona aérea de exclusão – que dessem adeus aos anos de bonança alimentados com petróleo líbio. Gaddafi disse, literalmente: “Não confiamos naquelas empresas. Conspiraram contra nós. Nosso petróleo agora irá para os russos, os chineses, os indianos.” Em outras palavras: para os BRICSs. (Ver Como ovelhas silenciosas). […]

Valdeci Elias

Pobre do povo libio. Se correr um ditador pró-EUA pega, se ficar Khadafi come.

O_Brasileiro

Será que o sanguinário ditador Kaddafi vai morrer sem pagar pelos seus crimes???

    Nelson

    Pelo menos à Justiça humana, talvez ele não tenha que responder pelos seus crimes, meu caro "O Brasileiro".
    Neste caso, ele não é o único. Bush, Reagan, Pinochet, Duvalier e muitos outros escaparam ilesos.
    Porém, à verdadeira Justiça, que não falha, não há quem escape.

ebrantino

Conceição, enviei comentário para este post, e para o post da declaração do Min. Glberto Carvalho – Será que foi ao "buraco negro", novamente- Ebrantino. Favor esclarecer, se for o caso faço de novo.Ebrantino

ebrantino

Em politica às vezes há o ótimo, o bom, o regular, o ruim e o péssimo.
Outras, somente o regular, o ruim e o péssimo.
Nesse caso, sobrou apenas o regular, o ruim e o péssimo.
Regular, é o que vai acontecer, ao que parece, Kadaffi vence agora, desgasta-se e sai mais adiante; ruim seria a destruição da Libia por "humanitários" e "corajosos" bombardeios de aviação e foguetes, cujo único interesse seria dizer ao resto do muito o recado "Yes we can", bombardear voces; e, finalmente, o péssimo seria a ocupação do pais por tropas Americano Européias, tomando, filantropicamente o petróleo aos libios,e inaugurando uma nova revolta de sabe lá quantos anos. Ebrantino.

Benedita da Silva

Que loucura, gente!!! Parece, com exclusão do Felipe, que vocês não sabem o que falam!!! Queriam mais uma invasão dos gringos? Os problemas da Líbia é dos líbios. Vocês deram, às suas manifestacões, o tom do artigo, que também é um horror.
A Líbia tem o maior IDH da África, quase toda a populacão alfabetizada, bom sistema de saúde e não tem vestibular para universidades. Não faltam vagas. Fez a reforma agrária, dando terra e infra-estrutura. Em face da quantidade grande de tribos, existem comunidades com poder administrativo.

Sou Kadafi pelo que ele representa não só para a África, mas, principalmente, para o Oriente Médio, apoiando sempre a luta dos palestinos, Síria , Irã, contra o domínio dos USA e Israel na região.
E o faco analisando o contexto mundial do momento, quando os gringos estão, parece, perdendo a vez. Felizmente. E nós fizemos algo para isto, através do Lula e Amorim. O Patriota de hoje está sem luz. Uma pena!!! Saudade do AMORIM.

ricardo

o exemplo da baia dos porcos, pelo jeito, não serviu para nada!

Regina Braga

Haverá sim,o banho de sangue..Foi aprovado a zona de exclusão e o envio de tropas…EUA,Inglaterra,França,Alemanha,Árabia Saudita…são as forças humanitárias em açaõ.

Bonifa

Não acreditamos em banho de sangue na Líbia, com a vitória de Kadafi. Embora o mais certo é que não haja perdão para as lideranças da rebelião, sobretudo para os antigos colaboradores do regime. Consideramos também como totalmente absurda a possibilidade de qualquer intervenção militar do “Ocidente” na Líbia, explicada com qualquer tipo de motivação, inclusive a magnânima luta pela liberdade e pelo humanitarismo. A França, que mais gritou pela intervenção, recebeu como resposta de Kadafi a exigência da devolução do dinheiro que ele, Kadafi, havia dado a Sarkozi para ajudar na sua eleição a presidente da República. Nunca a orgulhosa França havia sido exposta a tão acachapante humilhação, por conta da falta de escrúpulos de seus próprios políticos. Por outro lado, o “Ocidente” não terá condições para nenhuma interlocução mais profunda com Kadafi. Então será a vez dos países emergentes, com a Turquia à frente, por sua proximidade regional. Kadafi poderá ser levado a dar anistia aos rebeldes e terá oportunidade de diminuir a “mentalidade tribal” que é um obstáculo à modernização da Líbia e, talvez até, empreender alguma reforma política mais próxima da democracia. Kadafi poderá, sim, ser levado a tanto, pelo diálogo franco com os países emergentes.

mucio

Que isso sirva de exemplo aos brasileiros devemos confiar sim, mas em nós mesmos e mais ninguem. No mundo o que há são jogos de interesses e o que conta pra tigrada das nações imperialistas, reizinhos árabes, papas e mulás é o interesse deles poder, dinheiro.

O_Brasileiro

O que se planta hoje, colher-se-á no futuro!
Os heróis líbios revolucionários serão reconhecidos pelas próximas gerações!
E Kaddafi e sua família serão desprezados pelas atrocidades que têm cometido.

Felipe Machado

Ué? Vocês querem uma intervenção americana?

urbano

A juventude rebelada da Libia esta aprendendo com seu sangue o quanto é dificil o caminho a liberdade. É um alto preço e esperemos que seja menor do que se imagina. Dessa luta sairão os novos tempos para os povos árabes. Melhor do que o cavalo de troia do Ocidente que mata devagar e camuflado em suas arengas de democracia e mata muito mais

Etevaldo Silveira

O que está acontecendo na Líbia me fez concluir que, se um tirano quiser realmente afogar em sangue uma revolução popular, ele consegue. Se houver determinação em fazer de tudo para esmagar uma revolução, inclusive contratar mercenários estrangeiros, qualquer revolução pode ser esmagada.

Bom, quero ver o que Kadafi vai fazer com o seu "brinquedinho" chamado Líbia depois dessa guerra. Para ele, se manter no poder a qualquer custo é mais importante do que o futuro do país. E o futuro da Líbia é sombrio. Praticamente toda a mão-de-obra estrangeira especializada, que tocava a economia, foi embora do país. O que vai sobrar para Kadafi governar é um país em escombros.

dukrai

uma única discordância, Kadafi propagandeou a versão da condução da rebelião pela Al Quaeda e ninguém acreditou.
o Terror vai durar enquanto durar o petróleo, 20, 30 anos e vai restar pra Líbia o que restou pra Indonésia, que exportou todo o seu petróleo a 3 dólares e hoje importa a 100.

Frederico Francine

É como um jogo de xadrez. Tentaram um golpe pra ver se os EUA apoiariam no intuito de derrubar Kadafi. Os Americanos apoiaram, mas não bastou o apoio dos EUA eles precisavam do apoio dos próprios Árabes e e estes negaram fogo. Chegarama conclusão (Os Árabes) que é muito melhor apoiar o Kadafi do que intervenção da Otan ou de outra potencia. Se fud……. os revoltosos de araque!
Agora o Kadafi ficará muito mais forte, apesar de que ele deve (depois que as coisas serenarem) renunciar e passar o Governo como o Oni Mubarak no Egito. Mas, por enquanto quem dás cartas é o Kadafi

Rafael Ribas

O Brasil e nossa diplomacia que apoiei sempre nestes ultimos anos, também deixo muito a desejar fazendo o jogo burocratico da ONU, sem condenação a este regime do khadafi, sem contar parte da esquerda apoiando este ditador como que sendo contra os EUA. ou só só agora neoaliado, tudo se justificaria. O Brasil e parte de nossa esquerda tem siso tão hipocrita quanto os que sempre criticaram.

SILOÉ

Burros foram os oposicionistas que instigados pelos EUA acreditaram na sua ajuda.

Luiz Albuquerque

O Observatório de Relações Internacionais adora reproduzir as Pepe escobar trazidas ao público brasileiro pelo Azenha no Viomundo. Vejam outras matérias do Pepe Escobar no Observatório:
http://neccint.wordpress.com/?s=Pepe+Escobar

e vejam outras matérias sobre a trágica situação na Líbia:
http://neccint.wordpress.com/?s=L%C3%ADbia
Luiz Albuquerque
Observatório de Relações Internacionais

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