Paulo Moreira Leite: A direita precisa de embusteiros

Tempo de leitura: 3 min

O Segredo de Demóstenes

por Paulo Moreira Leite, em seu blog na Época

sugerido pelo Julio Cesar Macedo Amorim

Confesso que não dá para ficar espantado com as delinquências do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Sem ser preconceituoso, pergunto: o que se poderia esperar de um contraventor a não ser que se dedicasse à contravenção?

Que fosse rezar ave-maria depois de pagar aposta no jacaré e no leão? Mas há motivo para se espantar com o sucesso de Demóstenes Torres. Como ele conseguiu enganar tantos por tanto tempo?

A resposta não se encontra no próprio Demóstenes, mas em quem se deixou ser enganado. O senador é um produto típico do radicalismo anti-Lula que marcou a política brasileira a partir de 2002. A polarização política criada em certa medida de modo artificial foi um campo fértil para políticos sem programa e aproveitadores teatrais.

Demóstenes contribuiu com sua veemência e sua falta de freios para criar um ambiente de intolerância política no Congresso, reeditando o velho anti-comunismo da direita brasileira, da qual o DEM é um herdeiro sem muitos disfarces.

Num país onde a oposição se queixava de que não havia oposição, Demóstenes apresentou-se. Contribuía para estimular o ódio e o veneno, com a certeza de que nunca seria investigado. Aliás, não foi.

Caiu na rede de seu amigo e parceiro Cachoeira.  Se aquele celular fajuto de Miami fosse mesmo à prova de grampos, é provável que até hoje o país estivesse aí, ouvindo Demóstenes e seus discursos… Quem sabe até virasse uma estrela da CPI…sobre Carlinhos Cachoeira.

Nunca se fez um balanço da passagem de Demóstenes pela secretaria de Segurança de Goiás, nunca se conferiu a promessa (doce ironia!) de acabar com o jogo do bicho no Estado nem as razões de seu afastamento do PSDB de Marconi Perillo.

Demóstenes dava até entrevistas contra as cotas e escrevia textos citando Gilberto Freyre. Pelo andar da carruagem, em breve seria candidato a Academia Brasileira de Letras e um dia poderíamos ouvi-lo tecendo comentários sobre a obra de Levi-Strauss, sobre a escola austríaca de economia…

O senador foi promovido, tolerado e bajulado por uma única razão:  necessidade.

Nosso conservadorismo está sem quadros e sem votos. Lembra a conversa de que “faltam homens, faltam líderes”? Vem desde 64…

A dificuldade de construir um programa político autêntico e viável para enfrentar a competição pelo voto está na origem de mais um embuste.

Já tivemos Jânio Quadros, Fernando Collor… Felizmente Demóstenes não chegou tão longe.

Mas todos foram mestres na arte de esconder seu real programa político e oferecer a moralidade como salvação suprema.

O carinho, a atenção, a boa vontade com que Demóstenes foi tratado mostra que teria um longa estrada pela frente.  Não lhe faltavam sequer intelectuais disponíveis para oferecer um verniz acadêmico, não é mesmo? Há um problema de origem, porém.

A história da democratização brasileira é, basicamente, a história da luta da população mais pobre para conseguir uma fatia melhor na distribuição de renda. Este era o processo em curso antes do golpe que derrubou Jango. A luta contra o arrocho e contra os truques para escamotear a inflação esteve no centro das principais manifestações populares contra o regime.

Desde a posse de José Sarney que o sucesso e o fracasso de cada presidente se mede pela sua competência para para responder a esse anseio.

Aquilo que os economistas chamam de plano anti-inflacionário, estabilização monetária e etc, nada mais é, para o povão, do que defesa de seu quinhão. O Cruzado e o Real garantiram a glória e também a desgraça de seus criadores apenas e enquanto foram capazes de dar uma resposta a isso.

Essa situação também explica a popularidade de Lula, ponto de partida para o Ibope-recorde de Dilma. E aí chegamos à pior notícia. O conservadorismo brasileiro aposta em embustes porque não quer colocar a mão no bolso. Quer votos mas não quer mexer – nem um pouquinho – na estrutura de renda. Quer embustes, como Demóstenes.

Fiquem atentos. Quem sabe o próximo Demóstenes apareça na CPI do Cachoeira, do Cavendish … e do Demóstenes. O conservadorismo preocupa-se apenas com seu próprio bolso. Para o povo, oferece moralismo.


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Comentários

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Alexandre Cesar Costa Teixeira

QUANDO SERÁ ?

Quando será que veremos tal posicionamento sendo DESTACADO nas ondas televisivas da Tv Globo ?

Quando será que teremos um texto seu com tanto zelo abordando as “relações” da revista Veja com a BANDIDAGEM ?

QUANDO SERÁ ?

Benedito

Ao citar os representantes da direita, o autor lembrou-se de Collor e Jãnio, mas “esqueceu-se” de FHC. Este foi o grande embuste da política brasileira. Com passado de esquerda, assumiu a presidência para cumprir a pauta da direita. FHC serviu como uma luva à direita brasileira, que sempre foi alinhada aos interesses norte-americanos. Collor e Janio tiveram o fim que conhecemos. E não conseguiram fazer o que a direita esperava deles. Já FHC alinhou-se ao Consenso de Washington e, com seu passado supostamente esquerdista, conseguiu executar o serviço da direita com mais competência do que teria conseguido um direitista autêntico como Maluf. Não à toa, toda a direita brasileira tece loas eternas ao Fernando Henrique. A sorte do Brasil é que o FHC não deixou herdeiros políticos competentes.

Adão

O que acontece aqui, acontece também alhures. Decerto que todos os paises latinos tem o seu Demóstenes incensado pela midia corporativa. Tivemos sorte que aqui ele caiu como um patinho graças à PF do Lula e da Dilma (diferente do que era anteriormente). Ele não enganava ninguém, foi a midia venal que fez dele o falso paladino da moralidade. A mim pelo menos ele nunca convenceu. Com o fim da guerra fria a direita ficou sem discurso e como não quer distribuir renda com os mais pobres vive em busca de pretexto para perpetuar seus privilégios. Nesse contexto surgem os Cachoeiras e Demóstenes da vida.

silvinho

Infelizmente, essa é a prática praticada pela galera da bufunfa, ou que se acha portadora dela. Enfim, por isso só tem canalhas disfarçados de calcutá,lamentavelmente.

Marcelo de Matos

Tenho ouvido muito nhenhenhém sobre a atividade criminosa de Cachoeira, mas, há muitas questões sem resposta: 1) a indicação de servidores públicos por Cachoeira não justificaria uma intervenção federal em Goiás? O irmão de Demóstenes, Benedito Torres, é o Procurador Geral de Justiça no Estado e, segundo escutas, obedeceria a ordens do irmão senador. Os partidos políticos, inclusive o PSOL, que quer passar como vanguardista na luta contra a corrupção, não pensaram nisso? 2) onde está a OAB que não pediu ordem na casa em Goiás? É possível manter um Procurador-Geral de Justiça nessas condições? 3) Onde estão os catões, como Pedro Simon, que sempre pediam o afastamento do suspeito? Por que Demóstenes ainda não foi afastado? 4) Será preciso desmembrar os vários crimes em vários processos, do contrário teremos um novo catatau com 60 mil folhas, como o mensalão; 5) há crimes que demandam apuração imediata, como as licitações vencidas com documentos forjados em Anápolis e Catalão, em Goiás, e no município de Itanhaém, em São Paulo.

Eliana

Candidatíssimos ao posto de Demóstenes: álvaro dias, lorenzone, Francischine.São os próximos fariseus.

Leonardo Brito

Estão vendo? Nem só de mervais e que tais vive a grande imprensa… há vida comprometida com o bom jornalismo, também.

erivaldosilva

Boa Analise de Moreira Leite. Mas por que nossa elites sempre se deixando enganar? Não seria uma tentativa de enganar um grupo de pessoas, fazendo-as acreditar que algo falso é real, ou seja uma forma de alto engano de nossa elite? É simbólico que a revista Veja, para justificar aos leitores a sua falha de avaliação pretérita, foi atribuir ao senador uma dupla personalidade, como Dr. Jekyll e Mr Hyde, o médico e o monstro. Veja retoma uma questão que já havia sido levantada pela jornalista Dora Kramer: como o senador goiano foi capaz de enganar tanta gente por tanto tempo? (Detalhe: não foi uma autocrítica)Demóstenes enganou ou se deixaram enganar por ele?

    strupicio

    Erivaldo…acaso vc tem baixa “alta” estima?

    Jacó do B

    O Demóstenes só enganava os leitores da Veja e os fãs do Álvaro Botox Dias. E essa CPMI é mais da Veja que do Cachoeira e Demóstenes.

José X.

Nada de Veja ??? Esse PML não me engana. Todos, repito, todos os artigos que ele escreve sempre são para esconder alguma coisa. Na época da invasão da USP pela polícia do Alckmin o PML veio com um papo sobre drogas, legalização, etc, como se isso tivesse alguma coisa a ver com a violência do governo declaradamente neo-fascista do Alckmin, que usa a força e a brutalidade para esconder sua incompetência astronômica (vide o caso Pinheirinho).

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