Paul Krugman: Cortar programas populares e elevar taxas de juros só vão piorar a crise atual

Tempo de leitura: 4 min

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Krugman: políticas atuais agravarão a crise 

Não culpe a China por novos terremotos financeiros. Fragilidade da economia global tem causas profundas. Resposta convencional – cortar gastos públicos e elevar juros – é a pior possível

por Paul Krugman, no Outras Palavras,tradução de Antonio Martins

Que está causando as quedas abruptas das bolsas de valores? O que elas significam para o futuro? Ninguém tem muitas respostas.

Tentativas de explicar as oscilações diárias nos mercados são normalmente insanas: uma pesquisa em tempo real sobre o  crash de 1987  da bolsa de Nova York não encontrou evidência alguma para nenhuma das explicações que os economistas e jornalistas ofereceram para o fato. Descobriram, ao invés disso, que as pessoas estavam vendendo ações porque – você adivinhou! – os preços caíam. E o mercado de ações é um péssimo guia sobre o futuro da economia. Paul Samuelson brincou, certa vez, que os mercados haviam previsto nove das cinco recessões anteriores, e nada havia mudado a este respeito…

De qualquer forma, os investidores estão claramente nervosos – e têm boas razões para isso. Nos EUA, as notícias econômicas mais recentes são boas (ainda que não ótimas), mas o mundo como um todo parece muito propenso a acidentes. Há sete anos, vivemos numa economia global que tropeça de crise em crise. Cada vez que uma parte do mundo finalmente parece colocar-se em pé, outra despenca.

Mas por que a economia mundial continua capengando?

Na superfície, parece uma sucessão incomum de azares. Primeiro, o estouro da bolha imobiliária e a crise bancária desencadeada em consequência. Então, quando o pior parecia haver passado, a Europa mergulhou numa crise de dívidas e numa recessão em dois mergulhos. A Europa ao fim alcançou uma estabilidade precária e começou a crescer de novo – mas agora, assistimos a grandes problemas na China e em outros mercados emergentes, que haviam sido pilares de força.

Contudo, não se trata de acidentes sem relação entre si. Estamos, na verdade, vivendo o que sempre ocorre quando muito dinheiro está em busca de poucas oportunidades de investimento.

Mais de uma década atrás, Ben Bernanke, então o presidente do banco central dos EUA (FED), argumentou que a disparada do déficit comercial norte-americano não era o resultado de fatores domésticos, mas de uma “abundância global de poupança”. Um volume de poupança muito maior que o de investimentos – na China e em outras nações em desenvolvimento, provocado em parte pelas políticas adotadas em reação à crise asiática dos anos 1990 – estava deslocando-se para os EUA, em busca de lucros. Ele alertou levemente para o fato de que o capital que entrava não estava sendo canalizado para investimentos produtivos, mas para imóveis. É claro  que o alerta deveria ter sido muito mais forte (alguns de nós o fizemos). Mas a sugestão de que o boom imobiliário dos EUA era em parte causado por fraqueza em economias de outros países permanece válido.

É claro que o boom converteu-se numa bolha, que provocou enorme estrago ao estourar. E não foi o fim da história. Houve também uma inundação de capitais, da Alemanha e outros países do norte da Europa, para a Espanha, Portugal e Grécia. Isso também provocou a formação de uma bolha, cujo estouro, em 2009-2010 precipitou a crise do euro.

E ainda não acabou. Quando os EUA e a Europa deixaram de ser destinos atraentes para o capital [devido à redução das taxas de juro a quase zero], a abundância global saiu em busca de novas bolhas a inflar, levando moedas como o real brasileiro a altas insustentáveis. Não poderia durar e agora estamos em meio a uma crise de mercados emergentes que faz alguns observadores lembrarem-se da Ásia nos anos 1990 – lembre-se, onde tudo começou.

Portanto, para onde o fluxo cambiante da abundância aponta agora? Talvez, de novo para os EUA, onde um novo fluxo de capitais externos provoca a alta do dólar e pode tornar a indústria novamente não-competitiva.

O que provoca a abundância global? Provavelmente, uma soma de fatores. O crescimento populacional está arrefecendo em todo o mundo e, apesar de toda a fanfarra com as últimas tecnologias, elas não parecem criar nem um grande aumento de produtividade, nem demanda para investimentos. A ideologia da austeridade, que conduziu a um enfraquecimento sem precedentes dos gastos públicos, ampliou o problema. E a inflação baixa, em todo mundo, que significa taxas de juros baixas, mesmo quando as economias estão crescendo aceleradamente, reduziu o espaço para cortar estas taxas, quando as economias se contraem. Qualquer que seja o mix preciso das causas, o importante agora é que os governos assumam seriamente a possibilidade – eu diria probabilidade – de que excesso de poupança e fraqueza econômica global tenha se tornado a nova normalidade.

Minha percepção é de que há, hoje, uma profunda falta de vontade política, mesmo entre governantes sofisticados, para aceitar esta realidade. Em parte, é devido a interesses especiais: Wall Street e os mercados não gostam de ouvir que um mundo instável requer regulação financeira, e os políticos que desejam matar o estado de bem-estar social não querem ouvir que os gastos governamentais não são um problema, no cenário atual.

Mas há também, estou convencido, uma espécie de preconceito emocional contra a própria noção de abundância global. Políticos e tecnocratas gostam de se enxergar como pessoas sérias, que tomam decisões difíceis – como cortar programas populares e elevar taxas de juros. Eles não querem ser informados de que estamos num mundo em que políticas aparentemente rigorosas irão tornar as coisas piores. Mas nós estamos, e elas vão.

 


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Comentários

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FrancoAtirador

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Pena que aqui no braZil os Tecnocratas não leem o Krugman e nem ouvem o Belluzzo.
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(http://www.cartacapital.com.br/colunistas/Lbelluzzo)
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Só acreditam no que dizem os “Jornalistas Sérios, como Míriam Leitão e William Waack”.
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(http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/juiz-cita-miriam-leitao-e-william-waack-para-decidir-contra-lula-no-caso-gentili)
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Felipe Souza

É verdade Hélio, há muita insatisfação sem justificativa, na verdade a mal disfarçada busca pelo poder. Mas discordo de você não quanto ao tema abordado pelo nobre economista. A discussão talvez não esteja na indicação, mas senão na dosagem e na forma do ajuste.
Aqui ou na China, o corte abrupto de investimentos e dispêndio governamental em nome nem tanto de superávit fiscal (como temos visto os últimos resultados das metas que não serão atingidas), mas sim para sinalizar farol ao mercado, é alem de erro econômico (que me permitam a arrogância) um erro concepcional de país emergente. Aí fica entre a desconfiança satisfeita do mercado e a insatisfação de confiança da sociedadade produtora.
Dá tempo de mudar…

Julio Silveira

Não adianta Paul, quem manda no governo é o medo da Globo, e dos outros grupos como ela, identificados ideologicamente. Esses grupos que ganham na alta ou na baixa, e que mesmo se o Brasil quebrar, terão tapete vermelho desses países que os moldaram culturalmente por conta de seus milhões absorvidos do país, e que criaram sofismas sob medida como por exemplo “cidadão do mundo”, para recebê-los como cidadãos preferenciais. Para a grande maioria desrespeito, dificuldades, pouco caso.

helio dias horvath

Quando Krugman fala do erro em cortar programas populares e aumentar juros, ele está falando, em seu estilo obscuro de exegeta que analisa o que sequer imagina, dos EUA e da Europa. Nunca do Brasil. Pois o que acontece neste momento no Brasil não tem nada a ver com a chamada política de austeridade da União Européia contra a Grécia e nem remotamente com o neo-liberalismo dos desorientados tucanos no Brasil, ou em qualquer outra parte do planeta. Aqui, Dilma e sua equipe estão focadas essencialmente em acertar o caixa do governo no curto e no médio prazos, condição sine qua non para que ela governe de acordo com que prometeu ao seu eleitorado. Simples assim. É preciso portanto que cesse todo o injustificado barulho contra o seu governo, não o produzido pelos derrotados na eleição passada, pois é um direito deles reclamar (dentro da lei). O barulho que é preciso cessar é aquele oriundo daqueles que supostamente a apoiam, o tal do fogo amigo, amigo na verdade dos inimigos da Presidente. Vamos parar com a ranhetice e o nhém-nhém. Já, como apreciam os devotos de Santo Expedito, no governo ou na oposição.

    Roberto Locatelli

    “Acertar o caixa do governo”. Pois é, cada 0,25% de aumento da taxa de juros significa a perda de centenas de milhares de empregos e um enorme AUMENTO dos gastos do governo. Portanto, é ruim. Exceto, é claro, para banqueiros e rentistas.

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