Marcos Paulo Miranda: Até quando haverá tragédias em Minas por conta da mineração?

Tempo de leitura: 3 min

Marcos Paulo de Souza Miranda

Arquivo pessoal

MINERAÇÃO E TRAGÉDIAS EM MINAS GERAIS. ATÉ QUANDO?

por Marcos Paulo de Souza Miranda, no Saúde do Meio, sugestão de Álvaro Rodrigues dos Santos

Minas Gerais tem o seu próprio nome ligado à mineração, atividade que durante o apogeu do ouro e do diamante sustentou, em boa parte, a economia de Portugal.Nos dias de hoje, sem a fartura de pedras e metais preciosos, o minério de ferro é uma das bases da economia do Estado.

Mas um lado funesto decorrente das atividades minerárias ao longo de mais de três séculos de exploração é ainda pouco conhecido: a perda de vidas humanas e a destruição do meio ambiente em episódios recorrentes na história do povo mineiro.

Tratando sobre a extração de ouro no Morro de Pascoal da Silva, em Vila Rica, em 1717, o Conde de Assumar deixou registrado em seu diário que os negros faziam “huns buracos mui profundos aonde se metem, e pouco a pouco vão tirando a terra para a lavar; porém esta sorte de tirar ouro he mui arriscado, porque sucede muitas vezes cahir a terra e apanhar os negros debayxo deitando-os enterrados vivos”.

O Barão de Langsdorff, ao percorrer região de Mariana em 1824, registrou: “passamos por um vale pobre e árido, por onde ocorre o rio São José, turvo pela lavação do ouro e em cujas margens se veem montes de cascalhos, alguns até já cobertos de capim. É difícil imaginar uma visão mais triste do que a deste vale, outrora tão rico em ouro”

Em meados de 1844, na Mina de Cata Branca, município de Itabirito, à época alvo da exploração aurífera por uma empresa britânica, houve o desabamento da galeria explorada e soterramento de dezenas de operários escravos. Segundo os registros, dias depois do acidente ainda eram ouvidas vozes e gemidos dos negros em meio aos escombros. Ante a dificuldade de resgate, foi tomada a decisão de se desviar um curso d’água para inundar a mina, matando os pobres trabalhadores sobreviventes afogados, ao invés de esperá-los morrer de fome.

Sobre o fato, José Pedro Xavier da Veiga deixou registrado nas suas célebres Efemérides Mineiras: “E lá estão enterradas naquele gigantesco túmulo da rocha as centenas de mineiros infelizes, que encontraram a morte perfurando as entranhas da terra para lhe aproveitar os tesouros. A mina conserva escancarada para o espaço uma boca enorme rodeada de rochas negras e como que aberta numa contorção de agonia”.

Em 21 de novembro de 1867, na Mina de Morro Velho, em Nova Lima, um desabamento matou dezessete escravos e um trabalhador inglês. Dezenove anos mais tarde, em 10 de novembro de 1886, a história se repetiu em Morro Velho.

Mais recentemente, rompimentos de barragens nas minas de Fernandinho (1986) e Herculano (2014), em Itabirito; Rio Verde (2001), no Distrito de Macacos, em Nova Lima; e da Mineração Rio Pomba (2008), em Miraí, redundaram em dezenas de outras mortes e prejuízos irreversíveis ao meio ambiente.

No último dia 05 de novembro de 2015, em Mariana, o rompimento de duas barragens da empresa Samarco soterrou quase integralmente o Distrito de Bento Rodrigues, ceifou vidas, destruiu dezenas de bens culturais e danificou de forma severa os recursos ambientais de vasta extensão da Bacia do Rio Doce.

Todos sabem que a história é mestra da vida e os fatos adversos por ela registrados devem servir de alerta para o futuro, para que os erros não sejam repetidos.

O aprendizado com os equívocos de antanho deveria impor ao setor minerário da atualidade uma completa mudança de paradigmas. Afinal, temos condições de sermos autores da nossa própria história e não podemos admitir a repetição reiterada desses desastres como algo normal, inerente às atividades econômicas de Minas Gerais.

Entretanto, percebemos que ainda se avultam as inconsequentes condutas induzidas pela ambição do lucro fácil e pelo desdém aos direitos alheios, não raras vezes secundadas pela omissão ou incompetência de autoridades públicas responsáveis pelos processos de licenciamento ambiental, que se contentam com a adoção de tecnologias ultrapassadas em empreendimentos de alto risco, que raramente são fiscalizados.

A anunciada flexibilização do licenciamento ambiental pelo Governo de Minas, com o nítido propósito de beneficiar, entre outros, o seguimento dos empreendimentos de mineração, segue na contramão do que a sociedade mineira espera e precisa: segurança e respeito aos seus direitos.
É hora de dizer um basta.

Marcos Paulo de Souza Miranda é promotor, coordenador da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais. 

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Comentários

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Marcos Pinto Basto

Em quem vai prestar atenção nas palavras dum desconhecido que aponta e imediato quem são os reais culpados da trágica hecatombe em Mariana/MG?
Primeiro a Samarco/Vale/PHP, depois o prefeito de Mariana que foi informado várias vezes sobre grandes infiltrações de água no paredão da represa de lama tóxica, a seguir temos a responsabilidade do governo estadual e secretarias encarregadas das minerações e do meio ambiente. O ministério de minas e energia por nunca ter fiscalizado as minerações e vai acabar sobrando para D.Dilma, como sempre.

Arthemísia

O promotor pode explicar, já que sabe tanto da história da mineração em Minas Gerais, quantos inquéritos o MP/MG abriu contra as mineradoras e quantas vezes o Judiciário as condenou? E se isso aconteceu, por que elas não foram devassadas como a Petrobras?

Urbano

Até que os envolvidos trabalhem baseados no lucro racional, e não na ganância irracional, em seu mais alto grau…

FrancoAtirador

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Não surtiram Efeito os Termos de Ajuste de Conduta (TACs) firmados pelas Mineradoras
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com o Ministério Público Estadual de Minas Gerais nos Períodos dos Governos do PSDB.
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(http://www-antigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/arquivo/id/14214)
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