Leonardo Boff: O capitalismo atingiu o teto extremo. E depois?

Tempo de leitura: 3 min

Meio-Ambiente

Se conhecêssemos os sonhos do homem branco…

Leonardo Boff*, no Jornal do Brasil

A crise econômico-financeira que está afligindo grande parte das economias mundiais criou a possibilidade de os muito ricos ficarem tão ricos como jamais na história do capitalismo, logicamente à custa da desgraça de países inteiros como a Grécia, a Espanha e outros, e de modo geral toda a Zona do Euro, talvez com uma pequena exceção, a Alemanha.

Ladislau Dowbor, professor de economia da PUC-SP, resumiu um estudo do famoso Instituto Federal Suiço de Pesquisa Tecnológica (ETH), que por credibilidade concorre com as pesquisas do MIT de Harvard.

Neste estudo se mostra como funciona a rede do poder corporativo mundial, constituída por 737 atores principais que controlam os principais fluxos financeiros do mundo, especialmente ligados aos grandes bancos e outras  imensas corporações multinacionais.

Para esses, a atual crise é uma incomparável oportunidade de realizarem o sonho maior do capital: acumular de forma cada vez maior e de maneira concentrada.

O capitalismo realizou agora o seu sonho, possivelmente o derradeiro, de sua já longa história. Atingiu o teto extremo. E depois do teto? Ninguém sabe.

Mas podemos imaginar que a resposta nos virá, não de outros modelos de produção e consumo mas da própria Mãe Terra, de Gaia, que, finita, não suporta mais um sonho infinito.

Ela está dando claros sinais antecipatórios, que, no dizer do Prêmio Nobel de Medicina Christian de Duve (veja o livro Poeira vital: A vida com imperativo cósmico, 1997), são semelhantes àqueles que antecederam as grandes dizimações ocorridas na já longa história da vida na Terra (3,8 milhões de anos).

Precisamos estar atentos, pois os eventos extremos que já vivenciamos nos apontam para eventuais catástrofes ecológico-sociais ainda na nossa geração.

O pior disso tudo é que nem os políticos nem grande parte da comunidade científica e mesmo  da população se dá conta dessa perigosa realidade. Ela é tergiversada ou ocultada, pois é demasiadamente antissistêmica.

Obrigar-nos-ia a mudar, coisa que poucos almejam. Bem dizia Antonio Donato Nobre num estudo recentíssimo (2014) sobre O futuro climático da Amazônia: “A agricultura consciente, se soubesse o que a comunidade científica sabe (as grande secas que virão), estaria na rua, com cartazes, exigindo do governo proteção das florestas e plantando árvores em sua propriedade”.

Falta-nos um sonho maior que galvanize as pessoas para salvar a vida no Planeta e garantir o futuro da espécie humana.

Morrem as ideologias. Envelhecem as filosofias. Mas os grandes sonhos permanecem. São eles que nos guiam através de novas visões e nos estimulam para gestar novas relações sociais, para com a natureza e a Mãe Terra.

Agora entendemos a pertinência das palavras do cacique pele-vermelha Seattle dirigidas ao governador Stevens, do estado de Washington em 1856, quando este forçou a venda das terras indígenas aos colonizadores europeus.

O cacique não entendia por que se pretendia comprar a terra. Pode-se comprar ou vender a aragem, o verdor das plantas, a limpidez da água cristalina e o esplendor das paisagens? Para ele, tudo isso é terra, e não o solo como meio de produção.

Neste contexto reflete que os peles-vermelhas compreenderiam o porquê e a civilização dos brancos “se conhecessem os sonhos do homem branco, se soubessem quais as esperanças que esse transmite a seus filhos e filhas nas longas noites de inverno, e quais as visões de futuro que oferece para o dia de amanhã”.

Qual é o sonho dominante de nosso paradigma civilizatório que colocou o mercado e a mercadoria como o eixo estruturador de toda a vida social?

É a posse de bens materiais, a acumulação financeira maior possível e o desfrute mais intenso que pudermos de tudo o que a natureza e a  cultura nos podem oferecer até à saciedade.

É o triunfo do materialismo refinado que coopta até o espiritual, feito mercadoria com a enganosa literatura de autoajuda, cheia de mil fórmulas para sermos felizes, construída com cacos de psicologia, de nova cosmologia, de religião oriental, de mensagens cristãs e de esoterismo. É enganação para criar a ilusão da felicidade fácil.

Mesmo assim, por todas as partes surgem grupos portadores de nova reverência para com a Terra.

Inauguram comportamentos alternativos, elaboram novos sonhos de um  acordo de amizade com a natureza e creem que o caos presente não é só caótico mas generativo de um novo paradigma de civilização, que eu chamaria de civilização de re-ligação, sintonizada com a lei mais fundamental da vida e do universo, que é a panrelacionalidade, a sinergia e a complementariedade.

Então teríamos feito a grande travessia para o realmente humano, amigo da vida e aberto ao Mistério de todas as coisas. Ou mudamos, ou seguiremos por um triste caminho sem retorno.

*Leonardo Boff, ecoteólogo e filósofo, é também escritor. É dele o livro ‘Proteger a Terra e cuidar da vida: Como escapar do fim do mundo’ (Record, 2010).

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Comentários

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Hell Back

Estou propenso a acreditar que o mundo cairá em um estado em que a economia terá que ser regulada de tal forma que haja uma distribuição mais equânime da riqueza. Não há outra saída.

Renato

Mais um socialista. Os socialistas não tem direitos em falar em ecologia devido ao desastre do Mar de Aral na falecida URSS. Quando drenaram água para abastecer as grandes plantações de arroz, acabando com essa bbase hidrográfica.

Socialistas vivem em Cuba (que logo será engulida pelo mar da Flórida, Deus é Justo) e deixa eu comprar meios sociais de produção em paz

    Maurilio Gadelha

    O SOCIALISMO NUNCA EXISTIU – Na URSS, a economia já estava privatizada, o que caiu foi o partido único, não souberam disfarçar como se faz nos EUA, O partido Republicano e o Democrata, tem programas idênticos. Com a queda do Regime, empresários russos apossaram-se de times de futebol e casas de shows, por toda Europa.
    O que caiu foi o neoliberalismo, do Ronald Reagan e da Margareth Tatcher, com a queda do muro de Berlin, perderam a o inimigo causador de todos os males (O comunismo). Ai tiveram que assumir todas virtudes e defeitos. Os defeitos sempre foram superiores. Deu no que deu, os EUA, logo, logo menor que a China, A Europa, o Canadá e o Japão desabando. O que virá com certeza não será o capitalismo rentista e predador. Nem a doutrina fechada da ditadura do mercado, nem a ditadura do proletariado promoveram respostas satisfatórias.

Mário SF Alves

Pensar globalmente e agir localmente. Em homenagem ao frei Leonardo Boff.

PS: A homenagem é em respeito ao frei Leonardo, mas, pensei em endereçá-la ao frei Betto, também, por que não?

Edgar Rocha

Não tem volta. Esquece. Mas, se me permitem um alento cristão: os mansos herdarão a Terra. Não me impressiono com nem uma possibilidade cataclísmica. Estamos tão egocentrados que esquecemos a finitude de nossa existência. Recentemente perdi um sobrinho de 34 anos num atropelamento estúpido. Foi um choque de realidade. A dor imensa nos mostra: ninguém tem estrela na testa. Viver nestas condições atuais, sempre com medo, com a tragédia cotidianizada… Isto que temos não é vida. É sobrevida.
Fecho os olhos e tenho certas lembranças da infância. Nas férias no interior de Minas. Êta vida besta, meu Deus! Besta, Drummond? Besta?!

Besta é tu!

Não prezo pelo primitivismo. Nem pelo atraso. E a simplicidade é o que há de mais avançado no momento. Que venham as tragédias. Mas, venham de uma vez. O mundo já não aguenta mais sofrer em conta-gotas, viver pra se esquivar.

De resto, o pouco que sobrar, com Deus é muito. Quem vive com pouco, vive. Quem vive com muito, faz como os maias: vão comendo uns aos outros até sobrarem só as pedras. Ponto Final.

    Edgar Rocha

    Não me impressiono com “nenhuma” possibilidade cataclísmica. Até porque, escrever mal já é um desastre.

    Mário SF Alves

    Boa, Edgar.

    Força aí na superação da perda de seu ente querido. Possivelmente, mais uma lamentável consequência do atraso cívico-cultural, da irresponsabilidade existencial e/ou da falsa sensação de poder; qualquer uma delas nos trás danos; às vezes irreparáveis.
    ________________________

    Edgar Rocha

    Muito obrigado, Mário. Ele morreu ajudando gratuitamente a uma família na W. Luís. Era guincheiro. Havia feito um serviço e viu a senhora esperando num local isolado pelo socorro. Ficou preocupado com a família. Veio um bêbado (funcionário de uma empresa de segurança, ironia) e simplesmente o destruiu. Estou contando só pra mostrar que tem um pouco de todas as suas palavras na explicação desta estupidez: atraso cívico-cultural, irresponsabilidade existencial e/ou da falsa sensação de poder. Está tudo ali. Você resumiu perfeitamente.

    Concordo com o Boff. Em última instância: “É a posse de bens materiais, a acumulação financeira maior possível e o desfrute mais intenso que pudermos de tudo o que a natureza e a cultura nos podem oferecer até à saciedade”. É isto que nos faz sermos tão imediatistas, niilistas, egocêntricos, irresponsáveis… Se o cara soubesse a beleza humana que ele destruiu pelo prazer de correr um pouco mais… Não espero tanto.

renato

Eu depois de um tempo que sigo os Blogs Sujos de Politica.
Me perdi, em alguns sentimentos.
Perdi minha fé no Homem.
perdi minha Fé na Justiça.
Perdi minha fé na Classe politica.
Perdi um lado.Sou só esquerda.
Perdi meu contato Ecologico.
Perdi minha Igreja.Não fui mais.
Perdi minha capacidade de ler livros.
Perdi minha capacidade de discernimento.
Perdi minha capacidade de torcer para seleção Brasileira
Perdi minha capacidade de torcer para o Palmeiras.
E se Dilma colocar qualquer pessoa da DIREITA no seu Ministério.
Perderei a capacidade de gostar Dela.
perderei a capacidade de gostar do PT.
Perderei a capacidade de lembrar do LULA.

    renato

    Mas respondendo a pergunta.
    Se os poderosos perderem a mamata.
    Vão fazer guerra.

    Mário SF Alves

    E de quem é a culpa por tanta, tamanha e emblemática perda?

    Prezado e admirável, Renato:

    “Pensar globalmente e agir localmente”, eis a saída. Ou uma saída, quem sabe.

Hell Back

Estou propenso a acreditar que o mundo cairá em um estado em que a economia terá que ser regulada de tal forma que haja uma distribuição mais equânime da riqueza. Não vejo outra saída.

FrancoAtirador

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Nós já estamos no ‘Depois’…
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    FrancoAtirador

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    Entrevista: THOMAS PIKETTY

    “A Europa está à Beira do Abismo
    de uma Grave Crise Política,
    Econômica e Financeira”

    Por Daniel Fuentes Castro, no EL DIARIO.es
    Tradução de Daniella Cambaúva para Carta Maior

    (http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Piketty-Estamos-a-beira-de-uma-grave-crise-politica-economica-e-financeira/7/32284)
    .
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    Mário SF Alves

    Se THOMAS PIKETTY tem esse diagnóstico, e ele já nos satisfaz, imagine como seria poder imaginar diagnóstico da realidade atual à luz do próprio Marx.

    Mário SF Alves

    A propósito:

    “Não se pode esquecer que este trabalho teria sido impossível sem as tecnologias da informação, que permitem reunir e tratar dados históricos em uma escala impossível para Marx e até mesmo Kuznets. É fácil criticar os economistas do passado, mas eles trabalhavam na mão. Não contavam com as ferramentas que nós temos e, sobretudo, não tinham a perspectiva histórica que hoje temos e que nos permite contar a história do capital e das desigualdades. Isto é o que meu livro tenta fazer. Não pretende anunciar uma revolução, tenta apenas colocar à disposição dos leitores as pesquisas históricas que pudemos reunir sobre mais de vinte países e que englobam três séculos. O livro é, antes de qualquer coisa, uma história do capital.”

    Thomas Piketty

    Mário SF Alves

    Prezado FrancoAtirador,

    Indiquei-lhe um link para um importante discurso proferido pelo estadista russo Vladimir Putin em outubro/2014, no Clube de Discussão Valdai, em Sochi. Você chegou a ver?

    Se não, eis um endereço para a íntegra: https://cultodoconhecimento.wordpress.com/2014/11/17/discurso-de-vladimir-putin-no-clube-valdai/
    ___________________________________________
    1)Peritos internacionais são unânimes em afirmar que o presidente da Rússia foi o primeiro dos líderes mundiais a chamar os processos em curso no mundo pelos seus nomes.

    2)Alguns dizem que o discurso dividiu o mundo político em antes e depois.

    3) A imprensa e a mídia dos Estados Unidos e do Ocidente comentaram surpreendentemente pouco o discurso do presidente russo Vladimir Putin na reunião do clube de discussão internacional Valdai. Tal tétano informacional normalmente acontece quando a análise acerta no alvo, e torna-se desconfortável discuti-la. Ela causa tal desgosto que preferem não notá-la.
    Leia mais: http://portuguese.ruvr.ru/news/2014_10_27/Discurso-de-Putin-dividiu-o-mundo-em-antes-e-depois-0785/
    __________________________________________

    http://portuguese.ruvr.ru/news/2014_10_26/Mikhail-Gorbachev-elogia-discurso-de-Putin-no-Valdai-0941/

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    Entendo que o conteúdo de tal pronunciamento condiz com o que frei Leonardo Boff disse e quis dizer. Aliás, nada muito distante das advertências públicas do Papa Francisco.

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