Lídice Leão: As encruzilhadas pós maio de 1968

Tempo de leitura: 3 min

Depois de Maio – política, arte e sensibilidade no cinema

por Lídice Leão

Um filme político, profundo, leve e sensível. Depois de Maio, do diretor francês Olivier Assayas, tem como cenário o ano de 1971 e todas as consequências da pós-revolução de costumes, gostos, cultura e educação que recheou mundialmente o quinto mês de 1968.

No filme, um grupo de amigos na saída da adolescência vive as angústias e incertezas tão próprias desta fase da vida, somadas a um engajamento político que entra em choque com o envolvimento cultural carregado à flor da pele.

Entre frases e ideias de Guy Debord, seus pares intelectuais e da Internacional Situacionista — movimento liderado pelo francês, que se difundiu pela Europa no final dos anos 60, pregando principalmente a transformação social — os jovens herois do filme vivem, questionam, amam e odeiam, sempre em intensidades exageradas.

Depois de Maio explora bem o embate arte versus política, um dos pilares da IS. O protagonista Gilles vive interna e externamente este dilema. Ao mesmo tempo em que milita no movimento estudantil, discutindo alternativas a tudo o que ainda carrega espírito conservador, pichando e explodindo prédios que significam o “antigo”, o “retrógrado”, sofre com o desejo de se dedicar à arte.

Tem na pintura e no cinema suas grandes paixões, mas a todo momento é questionado pelos amigos engajados, que não enxergam importância coletiva no seu talento individual.

A única exceção é Laure, sua primeira namorada no filme e sua grande paixão ao lado das artes. A estudante valoriza, analisa e opina sobre as pinturas de Gilles, o que o deixa ainda mais encantado com a moça.

O amor entre os dois poderia ser perfeito, se não fosse um detalhe: a história deles se passa logo depois de maio de 68, época em que as mulheres decidem trilhar seus próprios caminhos, escrever seus próprios roteiros e viver suas próprias histórias. E é exatamente o que Laure faz.

Por que ficaria ao lado do seu amor pós-adolescência se pode ir para Londres, conhecer outros homens, desenhar outros quadros, com novas texturas?

A segunda namorada, Christine, é muito pragmática e engajada para ter qualquer tipo de encanto ou admiração pela arte tão abstrata de Gilles. O incentivo que vem dela é justamente o oposto da rival: o da dedicação política e social, considerada tão dura e áspera por Gilles.

O protagonista vive estes conflitos durante as mais de duas horas de filme. Que o espectador saboreia juntamente com os personagens. Vivenciando cada momento do 1971 francês nos planos fechados em olhares angustiados, perdidos e, às vezes, seguros dos jovens.

Nos planos abertos em paisagens coloridas e solares das praias da Toscana. Nos momentos tensos de ataques ao prédio da escola. Cada cena é um convite à vida na França após maio de 68.

Olivier Assayas, mais uma vez, mostra as dores e delícias do chamado cinema de arte francês. E o filme — juntamente com os meninos e meninas Gilles, Laure, Christine, entre tantos outros- – reforça o papel de 1968 como um período de conquistas, reviravoltas e tomadas de fôlego para o que viria pela frente.

Afinal, foi necessário muito fôlego (e estômago) para enfrentar ou mesmo assistir aos protestos contra o casamento homossexual na França, 45 anos depois das bandeiras levantadas em todas as praças possíveis pelas liberdades sexuais. E este é apenas um fato que vai contra tudo o que foi reivindicado com paixão e razão em maio de 1968.

Depois de Maio vale cada minuto, cada take, cada diálogo. E olha que este texto não carrega nem um pedacinho do exagero que os personagens derramam no decorrer do filme…

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Comentários

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Paulo Monarco

A pouca ou quase nula manifestação de pessoas aqui (numa postagem que ficou em destaque por 5 dias) e dentre elas algumas que não leram e nem sabiam do que se tratava, diante dessa importante película francesa é um exemplo tácito de como se trata o cinema neste país. Apenas um mercado pra entretenimento e difusão de alienação! Vide o sucesso que faz o comportadinho e medíocre cinema mobília de “Somos tão Jovens” ou a difusão massacrante de produções que dão vergonha alheia, de uma empresa que ganha 80% do financiamento público para a difusão cinematográfica (financiamento com alicerce de leis engessadas e arcáicas, feitas justamente para maquiar e sustentar o que aqui se apresenta) para apenas produzir e divulgar suas produções. E isso vindo de um CONCESSÃO PÚBLICA! Um crime em dobro! Não por acaso não temos e não teremos política de regulamentação da difusão cinematográfica nas salas de cinema deste país (coisa que Chile, Argentina, Uruguai, França, Alemanha, EUA dentre infinitos outros tem), onde filmes de importante valor cultural ficam relegados à festivais, internet (que ainda é um meio de pouca difusão popular, muito controlado e pouco seguro) e quase nulas salas concentradas nos grandes centros *econômicos e um “Iron Man 3” estréia (com acento mesmo!) e estupra 1/3 de todas as salas de cinema do país!
E não me venham dizer que cinema não é um veículo cultural de relevância ou isso é coisa de “intelectual”, pois não sou, não tenho formação universitária. Só nos EUA, pra ficar neste bom exemplo, o cinema é e sempre foi financiado pelo poder estatal, hoje com 19% da fatia destinada à difusão cultural. Novamente não por acaso a massificação cultural norte-americana pelo planeta Terra se deu pelo cinema durante e no pós-guerra na década de 1940.

*e o econômico está estrelado pra confirmar o que todos já sabem, mas os governos, seja ele federal, estadual ou municipal, fingem que não importa; e não precisa de nenhuma cartilha ideológica pra ditar. Um país não se faz apenas com desenvolvimento econômico, mas morre pela boca consumista e analfabeta deste. Um país se faz também com desenvolvimento sócio-cultural-educacional, hoje relegada à latrina de 3% do orçamento nacional.

Sei que ninguém lerá, mas fica aqui meu protesto para que os fantasmas da internet leiam.

Priscila Susan

Estou louca pra ver esse filme!! a França, sempre a França que nos traz um vento de inquietação.

Che

Fora franceses; fora ianques. Viva sulamericanos! Viva Che Guevara!

    Willian

    Viva Mao!

    xacal

    Viva Milton Friedman e o Chapolin Colorado…e o william, é claro!

    Paulo Monarco

    Esqueceram de “parabenizar” Pinochet, amiguinho fiel do sr. Milton, que era amigão do peito do “ilustre” Nobel da “paz” Henry Kissinger, chegado da galera do Khemer Vermelho, “parceiro” de Mao e outros inúmeros e “incompreendidos” genocidas da história…coitados!

Paulo Monarco

Bela leitura de “Depois de Maio”, Lídice Leão.
Um filme de dúvidas, e multifacetadas; um espelho ideológico estilhaçado em infinitos reflexos fantasmagóricos de nossas revoluções pessoais e coletivas passadas, presentes e futuras, por isso mesmo angustiante. Um documento memorialista, quase neo-realista de uma revolução possível que teve seu auge em maio de 1968, abateu-se nos anos 1970 e calou-se nos anos subsequentes, mas que na resignação silenciosa e auto-constitutiva do tempo e da distância, recrudesce e renasce em metáfora, no crescente minimalismo abstrato de Gilles; simples e visionária atmosfera donde se encontram respostas e acolhimento para nossas crescentes e infinitas angústias humanas. Basta olhar para crer e renascer.

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