Ignacio Delgado: Despotismo patronal vai aumentar, horizonte é o moinho satânico

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A REFORMA TRABALHISTA ELEVA O DESPOTISMO PATRONAL, ENFRAQUECE OS SINDICATOS E É INIMIGA DA INOVAÇÃO E DO DESENVOLVIMENTO.

por Ignacio Godinho Delgado, no Facebook

Já foram levantadas 18, 55 e até 120 medidas de retrocesso nos direitos do trabalho, no âmbito da reforma trabalhista em curso no congresso.

Todavia, para além de aspectos pontuais, o que a torna um retorno ao século XIX é a enorme redução dos óbices ao despotismo patronal dento das empresas e a mitigação do papel dos sindicatos nos processos de negociação coletiva.

Medidas como a generalização do trabalho intermitente, a possibilidade de extensão da jornada diária (ainda que no limite das 44 horas semanais), a redução dos períodos de descanso, a ampliação dos dias de trabalho parcial e do contrato temporário, para destacar algumas, tornam mais vulnerável a posição do trabalhador na relação de emprego e alargam as possibilidades da escolha patronal por regimes de trabalho em que é maior a desproteção dos trabalhadores, seja no próprio trabalho, seja na sustentação de direitos como a aposentadoria.

No Brasil, em que apesar das lamúrias recorrentes, já é extremamente reduzida a contenção do poder patronal à demissão, vamos caminhar para um regime de grande insegurança nas relações de trabalho.

Reduz-se, além disso, o poder dos sindicatos na negociação coletiva. Não se trata apenas da criação da comissão de representantes nas empresas, o que pode ser complementar à ação sindical, se as atribuições forem bem definidas. O problema é que medidas como o banco de horas e a negociação da jornada poderão ser efetuadas individualmente, sem a mediação dos sindicatos, o que, aliás, é inconstitucional.

Empresas que se valem do segredo industrial e/ou, em alguma medida, promovem inovações de processos ou produtos hão de manter um corpo estável de trabalhadores, no contrato por tempo indeterminado, mas disporão de um poder maior para fixar as condições da jornada e de direitos como as férias.

A maior parte das empresas brasileiras, contudo, que não tem na inovação o centro de sua estratégia competitiva, vai ampliar os expedientes para estender ao máximo o tempo de trabalho, a baixo custo.

Não há nada de moderno no que está sendo encaminhado. O trabalho precário é inimigo da inovação e do aumento da produtividade.

Nos casos em que a economia capitalista conseguiu associar inovação tecnológica e bem-estar social, a estabilidade nas relações de emprego, a satisfação e identidade dos trabalhadores com a empresa que os contrata, foram elementos fundamentais para o êxito desta equação.

Mesmo nos EUA, em tese a referência básica dos propositores da reforma, são muito mais significativas as medidas de proteção do que sugerem nossos reformadores.

De fato, falta aos defensores da reforma trabalhista um conhecimento adequado não só das relações de trabalho dos EUA, como, também, das condições históricas geradoras da grande capacidade que aquele país desenvolveu para a inovação tecnológica.

Não fossem os grandes investimentos públicos em pesquisa, notadamente na defesa e na saúde, as empresas norte-americanas não teriam alcançado o destaque que têm na geração de processos e produtos novos.

Ademais, se nos EUA a rotatividade no emprego é mais elevada que na Coréia, Japão e na Europa, tal se deve à dissociação firmada, desde o século XIX, entre as atividades de P&D e o processo produtivo (diverso do padrão alemão, por exemplo, também altamente inovador), o que torna mais substituíveis os trabalhadores do chão da fábrica, mas não os ligados às atividades inventivas, que usufruem de contratos generosos e menos vulneráveis. Também aqui, inovação e trabalho precário são antípodas.

A reforma mira os EUA, mas seu horizonte é aquele moinho satânico, de que falava Polanyi, em que as relações de mercado ainda não tinham desencadeado movimentos de autodefesa da sociedade.

Como se sabe, a história do desenvolvimento é a história da reação contínua das empresas a estes movimentos através da inovação. Este é o círculo virtuoso que no Brasil já era insignificante e que, agora, vai se quebrar em definitivo, caso seja aprovada a reforma trabalhista.

Ignacio Godinho Delgado é Professor Titular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), nas áreas de História e Ciência Política, e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia-Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED). Doutorou-se em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1999, e foi Visiting Senior Fellow na London School of Economics and Political Science (LSE), entre 2011 e 2012.

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