Gideon Levy: Israel se converteu numa sociedade de força e violência

Tempo de leitura: 4 min

por  Gideon Levy, no Haaretz

Tradução de Jair de Souza

O que os israelenses podem pensar, ao serem constantemente injetados com histórias horripilantes sobre a flotilha, a não ser no uso da força? Aqueles ativistas querem matar os soldados da FDI? Vamos nos levantar e matá-los primeiro.

Estaremos escutando a nós mesmos? Estaremos ainda conscientes do barulho horrível vindo daqui? Teremos nos dado conta de como o discurso está se tornando mais e mais violento e de como a linguagem da força se tornou quase que a única linguagem oficial de Israel?

Um grupo de ativistas internacionais está disposto a navegar numa flotilha rumo às praias da Faixa de Gaza. Muitos deles são ativistas sociais e lutadores pela paz e pela justiça, veteranos da luta contra o apartheid, contra o colonialismo, contra o imperialismo, contra inúmeras guerras sem sentido e injustiças. Pode-se dizer que a coisa vai ser difícil por aqui, posto que eles já foram catalogados como bandidos.

Há intelectuais, sobreviventes do Holocausto e gente de consciência entre eles. Quando eles lutaram contra o apartheid na África do Sul ou contra a guerra do Vietnam, eles conquistaram admiração por suas ações até mesmo aqui (em Israel). Mas o simples fato de expressar agora uma palavra de admiração sobre essa gente (alguns deles já bastante idosos) que está arriscando suas vidas e investindo seu dinheiro e tempo em uma causa que eles consideram justa é considerado como traição. É possível que algumas pessoas violentas tenham se infiltrado entre eles, mas a vasta maioria é composta de gente de paz, não de odiadores de Israel, e sim de gente que odeia suas injustiças. Eles decidiram não permanecer em silêncio – a desafiar a ordem atual, que é inaceitável para eles, que não pode ser aceitável para nenhuma pessoa de moral.

Sim, eles querem criar uma provocação – a única maneira de chamar a atenção do mundo para a situação de Gaza, sobre a qual ninguém parece se importar a menos que haja foguetes Qassam ou flotilhas. Sim, a situação de Gaza melhorou nos meses recentes, em parte por causa de flotilha anterior. No entanto, Gaza ainda não é livre – longe disso. Ela não tem saída pelo mar ou pelo ar, não há exportações, e seus habitantes vivem ainda parcialmente prisioneiros. Os israelenses que costumam ir à loucura quando o aeroporto internacional Bem Gurion fica fechado por umas duas horas deveriam entender bem o que significa a vida sem um porto. Gaza tem direito a sua liberdade, e aqueles que vão a bordo da flotilha têm o direito de tomar medidas para que isso se torne real. Israel deveria permitir-lhes que se manifestem.

Mas observem como Israel está reagindo. A flotilha foi imediatamente descrita, por todo mundo, como uma ameaça à segurança; seus ativistas foram classificados como inimigos, e não se pôs para nada em dúvida as suposições ridículas lançadas pelos oficiais de segurança e avidamente propaladas pela imprensa.  Nem bem se apagaram os ecos da campanha de demonização da flotilha anterior, na qual cidadãos turcos foram injustificadamente assassinados, e a nova campanha já se iniciou. Ela inclui todos os chavões da moda: perigo, substâncias químicas, combates corpo-a-corpo, muçulmanos, turcos, árabes, terroristas e, quem sabe, homens bombas. Sangue, fogo e colunas de fumaça!

A conclusão inevitável é a de que há nada mais que uma maneira de agir contra os passageiros da flotilha: por meio da força, e tão somente pela força, assim como deve ser em cada ameaça à segurança. Este é um padrão repetitivo: primeiro a demonização, a seguir a legitimação do uso da violência. Lembram-se das marteladas invenções sobre o sofisticado armamento iraniano que estava sendo introduzido em Gaza através dos túneis de contrabando de armas; ou aquelas sobre como toda a faixa estava minada? Aí, então, a Operação Chumbo Derretido foi lançada e os soldados de Israel não encontraram nada daquilo.

A atitude em relação à atual flotilha é a continuação do mesmo comportamento. A campanha de táticas de amedrontamento e demonização é o que contribui para a violenta retórica que vem dominando todo o discurso público. E em que mais pensarão os israelenses que vêm sendo constantemente injetados com histórias horripilantes sobre a flotilha, a não ser no uso da força? Aqueles ativistas querem matar os soldados da FDI? Vamos nos levantar e matá-los primeiro.

Agora os políticos, os generais e os comentaristas estão concorrendo para ver quem fornece a descrição mais tenebrosa da flotilha; para ver quem pode inflamar mais o público; para ver quem louva mais os soldados que irão nos salvar; e para ver quem usará a retórica mais pomposa que se espera antes de uma guerra. Um comentarista importante, Dan Margalit, já se fez poético em sua coluna jornalística: “Abençoadas sejam essa mãos”, ele escreveu em relação com as mãos que sabotaram um dos barcos que iria compor a flotilha. Essa foi outra ação ilegal e bandidesca,  mas que conseguiu aprovação imediata por aqui, sem que ninguém perguntasse: Com que direito?

Esta flotilha também não passará. O Primeiro Ministro e o Ministro da Defensa já nos prometeram isso. Uma vez mais Israel vai mostrar a eles, a esses ativistas, quem é mais homem – quem é mais forte e quem manda no ar, na terra e no mar. As “lições” da flotilha anterior foram bem aprendidas – não as lições sobre matanças inúteis ou sobre a desnecessária tomada do barco com violência, mas as da humilhação da força militar de Israel.

Mas a verdade é que a humilhação real radica no fato de que em primeiro lugar foram empregados comandos navais para interceptar  os barcos, e isto é algo que reflete sobre todos nós: de como nos tornamos uma sociedade cuja linguagem é a violência, um país que trata de resolver quase tudo através da força, e somente pela força.


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Comentários

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Luca K

Ooops! O link com os comentários de Ray McGovern(ex CIA), presente na atual flotilha q tenta furar o bloqueio é esse:
http://www.youtube.com/watch?v=i0U5wrvyQPY

Acabei por linkar equivocadamente a um artigo homenageando os sobreviventes do ataque israelense ao USS Liberty.

Beto_W

Gideon Levy mostra bem o que acontece na sociedade israelense: o governo e a mídia competem para ver quem demoniza mais os palestinos, e o povo é levado a acreditar nisso, perpetuando o ciclo de ódio e intolerância. São raros os israelenses instruídos e esclarecidos o suficiente para fazerem uma mea-culpa e enxergarem aonde isso irá levar. E os que levantam suas vozes dissidentes são criticados como traidores do país.

A primeira flotilha estava determinada a forçar uma reação do governo israelense: ou eles deixariam os navios passarem, o que derrubaria na prática o bloqueio naval, ou agiriam com a força para impedí-los de passar, o que traria repercussões negativas a Israel no mundo todo. Poderia ter sido pior do que foi, já que, pelo menos aos olhos do ministério da defesa de Israel, eles estão fazendo um bloqueio naval de acordo com o Manual de San Remo. Acho que os comandantes da marinha israelense não piscariam os olhos ao ordenar que se torpedeasse a flotilha.

Agora a coisa se repete, e pelo comportamento do governo e da mídia israelenses, aparentemente eles não mudaram de idéia sobre o estúpido bloqueio. Depois do que ocorreu com a primeira flotilha, os tripulantes dessa segunda flotilha são realmente corajosos, pois sabem muito bem o que pode lhes acontecer. Na minha opinião, as melhores armas que eles devem empunhar são câmeras de vídeo, para registrar e mostrar ao mundo os desdobramentos de uma eventual ação militar israelense.

    Luca K

    É Beto, o bloqueio é estúpido e também I-L-E-G-A-L, bem como foi ilegal o covarde ataque israelense contra a flotilha em águas internacionais. Nada particularmente surpreendente vindo de um estado criado ilegalmente e as custas de massacres, terrorismo e limpeza étnica da população nativa. De fato, não duvido q os israelenses possam fazer coisa até pior… chegaram ao ponto de atacar em águas internacionais(e contaram depois com a cumplicidade do governo americano no cover up que se seguiu) o navio da marinha americana USS Liberty em 1967 matando 34 e ferindo 172 tripulantes.
    Desta vez já usaram os falidos gregos para interceptar o Audacity of Hope. Vejam o que o ex oficial da CIA, Ray McGovern tem a dizer: http://www.veteranstoday.com/?s=uss+liberty&x
    Aqui o bravo Ken O'Keefe, ex-marine, presente no Marmara, sob ataque na BBC. Observem os patéticos esforços da "jornalista" em demonizar os membros da flotila e defender as ações israelenses, típico da mídia ocidental. O'Keefe ajudou a desarmar no tapa 2 dos 3 comandos israelenses q foram capturados pelos ativistas. Os mesmos receberam auxílio m´dico enquanto os seus colegas criminosos matavam e feriam passageiros a bordo. http://www.youtube.com/watch?v=oLbewIsVwsY&fe
    Ah Beto, em breve espero continuar nosso debate naquele thread, o tempo tá meio curto..
    []s

    Beto_W

    O problema, Luca, é que na visão deles o bloqueio é legítimo, bem como o ataque contra a flotilha. O argumento do governo de Israel é que, segundo o Manual de San Remo, que condensa várias normas internacionais de conflitos marítimos, é legítimo fazer um bloqueio naval à costa inimiga. Ainda segundo o manual, é legítimo atacar uma embarcação que tenha claras intenções de furar esse bloqueio, mesmo antes da embarcação entrar na área bloqueada, em águas internacionais (em águas de outro país não envolvido no conflito é proibido). É obrigatório contactar a embarcação e informá-la do bloqueio, e lhe oferecer uma oportunidade de parar, antes de se usar a força – o que de fato aconteceu.

    Mas o que os dirigentes israelenses não querem enxergar é que o Manual de San Remo vale para conflitos bélicos, e não se aplica a ocupações ilegais condenadas várias vezes pela ONU. E como mostrou Gideon Levy, eles não estão dispostos a enxergar nada além de violência.

    Beto_W

    Ah, e quanto a nosso debate lá na outra thread, vez ou outra ainda passo por lá para ver se você respondeu :-)

Fabio_Passos

israel só tem a capacidade de cometer estas barbaridades porque conta com apoio irrestrito dos ianques.
Os eua-israel são estados facistas. Ambos acostumados a mentir e atemorizar sua própria população para cometer seus crimes impunemente.

<img src=http://www.glogster.com/media/4/26/54/65/26546582.jpg>

ricardo silveira

Até quando a comunidade internacional vai ser conivente com a carnificina que o Estado terrorista e sanguinário de Israel pratica contra os palestinos? Toda solidariedade que mereciam por causa do holocausto já foi para o espaço há muito tempo. O Estado de Israel não se diferencia em nada do Estado Alemão Nazista.

Jairo_Beraldo

Não foi só Israel que se converteu numa sociedade de força e violência…todos os segmentos quando contariados assim agem, fazendo sua própria ética e regras…

    Márcio

    "Todos os segmentos…"?. Está é uma generalização equivocada cara pálida. Tome como exemplo a atitude do Brasil com Lula em relação aos nosso países vizinhos, especialmente os bem menos afortunados do que nós. Poderíamos perfeitamente subjugar países como a Bolívia que possui riquezas naturais inestimáveis a nosso favor. Já Israel está absolutamente caracterizada como um estado (e não sua sociedade como você diz) baseado em princípios de força e violência, bem semelhantes alias aos que Hitler usou para submeter a Polônia após a sua ocupação (quem era mesmo o povo predominante nos guetos de Varsóvia?) e o que acontecia na África do Sul na época do apartheid.

    Jairo_Beraldo

    Quando for se dirigir a alguem, ser estupido, respeite antes a ética…se não o tem, cara oculta, não interpele com desrespeito..e sim, TODO SEGMENTO!!!!

    M.S. Romares

    Respeitar a ética? Não vi desrespeito algum no comentário, nem a voce e nem à ética. Chamar de ser estúpido alguem que fez um comentário sobre o que voce escreveu, não me parece uma atitude aceitavel. Voce nem parece inteligente…

    Jairo_Beraldo

    Não é que eu seja inteligente…é voce acima da média…

RICHARD PEREIRA

Sobre o GRANDE CAMPO DE CONCENTRAÇÃO do século 21 , chamado FAIXA DE GAZA , onde um povo está sendo exterminado , por inanição, fome, falta de saúde e assassinatos coletivos praticados por tanques, helicópteros e aviões , matança cuja única diferença com os campos do holocausto , são os métodos empregados para matar.

O que espanta é que depois de mais de 60anos da segunda guerra , o ser humano não deixou de ser uma BESTA FERA..

Para o ocidente o POVO PALESTINO é criminoso , afinal são um povo pobre , quem está com o capital pode fazer tudo sem problemas com o beneplácito desta maldita organização chamada ONU , destinada a autorizar assassinatos coletivos de qualquer nação que ouse não se submeter aos desejos dos supostos grandes, que felizmente estão semi falidos .

RICHARD PEREIRA

Rios

As ações do estado de Israel contra a Palestina transformou aquele território em um campo de atrocidades… mas comentar qualquer coisa a esse respeito hoje em dia é correr o risco de ser tachado de antisemita… é uma lástima que "essa tal liberdade" só se restrinja a uns poucos.

    Leider_Lincoln

    Faça como eu: não se importe! E daí que os sionistas me chamem de anti-semita por defender o povo semita palestinos contra a liderança loirinha e "semita" de Israel? Se me tacham, eu mostro para todos a hipocrisia deles!

vera oliveria

vai chegar um momento que teremos que fazer dois dicionários,um pra israel,outro para os que acreditam na justiça (não a deles,a verdadeira)porque eles invadiram a palestina, mas dizem que tem direito aquelas terras,que não são invasores,então invasores eram os paletinos que estavam lá hà seculos,eles matam ativistas pacifistas mas dizem que os ativistas é que tentam mata-los,ou seja no dicionario de israel tudo tem outro significado, a verdade é a mentira,a justiça é a injustiça,o certo é o errado,ser própalestino (povo semita) é ser anti semita..

ZePovinho

Digite o texto aqui![youtube MvAdzWtcogE http://www.youtube.com/watch?v=MvAdzWtcogE youtube]

    Silvio I

    ZePovinho:
    As lendas transmitidas por os textos ditos sagrados nos contam uma quantidade de inverdades. U homem em sua crença tem repetido símbolos, vários de elos no dólar. Como o povo americano tem origem religiosa, e tem continuado praticando a ate hoje em dia já ser praticamente uma obrigação. Em a Bíblia existe três Rey Salomão, um pobre, um rico e sábio, (este e o que u ocidente tem adotado), e outro um velho apostata. A arqueologia tem mostrado que o reino do Rey Salomão era um conjunto de casas, em Jerusalém, e muito pobre. Ele reina a fim do século X antes de Cristo. E as bonitas construções, com essas colunas e que disse que era do templo de Salomão, são de construção posterior, do século VII AC. A Bíblia, e um livro escrito com a intenção, de unir as 12 tri bus hebréias, que estavam brigadas todas entre si. E um livro de um triunfal ismo que não existe outro igual. Cheio de lendas que a historia não conta nada, de sua existência, e que a arqueologia tem derrubado muitas de elas.

    Bucaneiro

    Meldels!!! Então quer dizer que os maçons são na verdade um culto satânico fundado por "Ninrode" (seria Nimrod?) que ná verdade é Lúcifer, e foram eles que inventaram as Cruzadas como desculpa para procurar um tesouro de proporcões inimagináveis, que eles esconderam numa igreja de Boston até que o Nicholas Cage encontrasse? E também fundaram os Illuminatti, encontraram a prova de que Jesus e Maria Madalena tiveram filhos, protegem seus descendentes, e encontraram a urna onde o Rei Salomão aprisionou 72 demônios, que obedecem ao seu comando? E além disso, espalharam pistas nas notas de dólar, fundaram e controlam Israel, mandam no Mel Gibson e na Escócia? E para piorar, foram para a China, onde fizeram um espetáculo cujo propósito oculto era mandar uma mensagem que iriam reconstruir a torre de Babel, e criaram o logotipo da olimpíada de Londres para que, se rearranjado da forma exata, e após muito esforço, se pudesse ler "ZION"? Oh, ZePovinho, quem poderá nos salvar???

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Nelson

Imagine o que os governantes de Israel estariam fazendo, em termos de atrocidades, caso o país não fosse " única democracia do Oriente Médio.

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