Fátima Oliveira: “Então, Deixa Chover”

Tempo de leitura: 2 min

Compartilhando fragmentos do livro “Então, Deixa Chover”

FÁTIMA OLIVEIRA

No jornal O Tempo, em 03.08.2010

Há uns três meses finalizei um livro. Estou lambendo a cria no baú virtual, sem pressa para a publicação, tipo “Ando devagar porque já tive pressa”… Meu processo de criação de um romance é uma gravidez: carrego em meu ventre mental, meses a fio, uma companhia de aventuras e desventuras criativas. Cortar o cordão umbilical é uma alegria dolorosa que agora compartilho.

“Então, Deixa Chover” é um romance que exala cheiros do cio da terra e expõe as entranhas da maternidade que incursiona pelos meandros do sofrimento mental, mas pode ser tipificado como um ecorromance que conta a saga de plantar alimentos livres de venenos e recuperar sementes criolas.

É um baú de memórias de Maria e seu filho Henrique, que nasceu, conforme ela, sem o “radar da moralidade”, que em psiquiatrês é o Transtorno de Espectro Bipolar. São cortantes os fragmentos da conversa com um psiquiatra: “…a capacidade moral é genética. Pessoas como nossos filhos nascem sem capacidade moral! Tanto é que eles fazem as pessoas sofrerem, quando crianças são cruéis com animais e não sentem remorsos, porque são incapazes de sentir culpa!… As questões da moralidade, de fato, são culturais. Por suposto, todos os seres humanos as apreenderiam. Há seres humanos incapazes de apreender conteúdos culturais morais…”.

No capítulo 1, “Vivo de partida”, Maria inicia dizendo: “Eu tive um sonho. Um dia iria ao Festival de Cannes. Só para sentir o clima do mundo cinematográfico, que amo. Nunca fui. Jamais tive dinheiro suficiente para tanto. Talvez até pudesse ter feito algumas economias e ter ido lá, pelo menos uma vez. Mas, quando eu podia ganhar dinheiro para ir, estava correndo atrás de outras coisas, outros sonhos. E o sonho de Cannes foi ficando longe, tão longe que se perdeu. E fui tocando a vida…”.

Para Maria: “A alternância de euforia com depressão é assim como um mundo que cai aos nossos pés aos pedaços… era preciso ir navegando, ao sabor das ondas da loucura… Como as ondas da loucura permitem. Assim gira o mundo de quem tem um louco em casa… Se algum dia eu escrevesse um livro, seria sobre a minha estranha, grande e profunda capacidade de renascer das cinzas. Eu sou um protótipo de Fênix. Como na lenda. Sou incansável na arte de sobreviver. Fui bem-sucedida nas trilhas que percorri. Parece estranho? Ou é que os conceitos de sucesso e de vitória são polissêmicos, pois cada um comporta multiplicidade de olhares?”.

E narra histórias de amores. Ouçamos Henrique: “Ô tia Dedé, estou quase suspendendo o item dos namorados da mamãe da festa dela. Por quê? Tia Dedé, mamãe é o exemplo perfeito da fila que anda. Moça do céu, a lista dela é de 27 ex-namorados, amantes, maridos, ou algo parecido. Mas quatro já partiram. São 22 vivos, pois um dos 27 foi repeteco”.

Em “Então, Deixa Chover”, as lembranças brotam como os cogumelos e as 11 horas, as flores preferidas de Maria: “Talvez adore 11 horas porque tenho pressa em ver resultados. Ela é uma planta rasteira de fácil cultivo e de crescimento rápido. Dá gosto plantá-la porque rapidinho dá flores. E sua floração é abundante. Nasce e cresce em qualquer lugar, até em locais entre as pedras. O nome, 11 horas, é porque suas flores se abrem por volta das 11 horas, sob o sol forte, voltando a se fechar no decorrer do dia. Em alguns lugares presentear alguém com 11 horas é uma confissão de amor”.

“Então, Deixa Chover” é também uma declaração de amor.


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Comentários

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Débora Oliveira

a pérola nasce do sofrimento da ostra!
com amor e orgulho,
binha.

Depaula

Quais incongruências? Cite-as, por gentileza. Ou o que a ciência sabe sobre a doença você não gosta? Acontece. Tenho um irmão bipolar. Tem ideia do que é isso para uma família que ama e cuida dos seus e não os abandona nem nas bocas-de-fumo? São noites de sofrimento e de insônia.

Elias São Paulo SP

Imagino que o teclado seja o seu tear. Nele, ela entrelaça fibras extraídas da ciência. Como resultado, obtém um tecido sedoso, bem feito, agradável de ver e de tocar. As amostras servem para estimular idéias de quão bela é a peça toda. Então, aguarde o lançamento. Se puder, se desejar observe-o atentamente e saia dizendo se é bom ou ruim. Só não esqueça que foi feito para você. Com muito trabalho e muito amor, como ela mesma disse.

Manuel A. Ferreira

No outro artigo da Dra. Fátima Oliveira, Fátima Oliveira: “Lave os pés e escove os dentes”, no qual você exerceu seu sagrado direito de discordância, sem dar a sua posição, como é hábito seu, fiz, 2 semanas atrás, as seguintes considerações, que você não teve a elegância de responder.
"Beatricce, você discorda de qual autora e em que? Poderia ser mais clara? É fácil e simples dizer sou contra. Sustente sua posição com argumentos de fato científicos oud aprática de cuidados. Você já teve a obrigação de conviver com um sociopata? Sabe o inferno que é a vida com eles? Numa família de três filhos, todos criados no mesmo ambiente, recebendo os mesmos cuidados, tendo do bom e do melhor, com pais dedicados e carinhosos, um vira bandido e deu sinais disso desde a mais tenra idade. E não adiantaram os melhores psiquiatras. Da minha experiência, eu sei que ele nasceu assim. E a medicina não tem jeito para esse tipo de caso. Penso que num ambiente familiar conflituoso ele já estaria numa penitenciária, faz tempo."

Alice Matos

A doença bipolar, independentemente da causa, que ainda é nebulosa, mas tudo indica que é genética, pois a pessoa nasce com o problema, é uma doença grave e que pela incidência alta é um problema de saúde pública e que afeta muito as famílias também. A estimativa é de quase dos bipolares 70% se envolve com alguim tipo de droga, incluindo o alcool, que se soma ao problema mental que já é portador, com graves repercussões na família também. O dolorosa é que embora tratável não tem cura. E para tratar depende da adesão do doente, e a doença tem como característica a baixa adesão aos tratamentos. É um doente que exige muito da família por ser diferente e ter sofrimento mental.

Gerson Carneiro

Sobre todas essas questões existenciais eu fico com Cazuza: "a vida é bela e cruel despida; tão desprevenida e exata que um dia acaba", que ficava com Jean-Louis Lebris de Kerouac, mais conhecido por Jack Kerouac : "feche o livro e vá viver". E no vácuo: Raul Seixas,Renato Russo, Freddie Mercury… mas não me impede de saciar minha curiosidade sobre o livro da Fátima Oliveira. Minha sede não tem fim. Onde eu posso conseguir?

Alexandre Moreira

Decididamente muito pouco texto para tanta crítica.Para o que foi apresentado pela autora e os comentários, uma "característica psiquica" que só pode ser definida cllinicamente, portanto um complexo jogo dialético em movimento; fica difícil entender tanta indignação anônima (anonimato que embora tenha também indignado a autora, é perfeitamente compreenssível neste universo moralizante que foi descrito).Para fátima de uma escrita estimulante e combativa que aprecio ler, acho que um romance não é um tratado científico portando eu diria sem soberba: relaxa! Ao anônimo : isto é um romance e, repito a definição de bipolaridade embora mais precisa ultimamente possui suas zonas cinzentas e seu comentário foi para lá de razo intelectualmente para um reles mortal como eu entender a razão da indignação.

Fátima Oliveira

Consenso científico: o "TEB é uma doença neurodegenerativa. Há perda de neurônios e áreas de afinamento do Córtex Cerebral".
Portador(a) de Transtorno de Espectro Bipolar (TEB) – que também era chamado de Distúrbio Bipolar (DAB) ou Distúrbio Afetivo Bipolar (DAP), ou Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), ou Transtorno do Humor Bipolar (THB), tudo a mesma coisa que a antiga Psicose Maníaco Depressiva (PMD), até metade do Século XX – não possui "radar da moralidade".
O TEB atinge entre 5% a 7% da população (antes, cerca de 1,5%). O diagnóstico é EXCLUSIVAMENTE CLÍNICO (avaliação psiquiátrica). O TEB vai de quadros clínicos amplos, leves até atípicos (não só os clássicos), com fases de depressão e de mania.
O meu livro "Então, deixa chover" é a forma que encontrei de ser solidária com familiares que lidam com bipolares – não é simples e nem fácil, e também muito doloroso, pois o diagnóstico em geral é tardio e se encontra muito de charlatanice e ignorância nessa peregrinação psiquiátrica.

    beattrice

    Fátima, pergunto para informação, não haveria divergências nos critérios e limites deste como de alguns outros quadros psiquiátricos sobre os quais não se construiu todavia um consenso?

    Edson F Carvalho

    Embora o gênio de Machado de Assis (em "O alienista") já nos fornecesse o tamanho e caminhos de algumas ditas ciências do espírito, tirando o maior sarro com tais pretensões apressadas, na ficção dá para se criar, com alguma sensibilidade, um trabalho de vulto. Não vai dá para curtir com a cara de algum preto véio ou manhê-de-santo… Tu escreve muito bem, afiada.

Fátima Oliveira

[O diagnóstico psiquiátrico é complexo, nem sempre é imediato como alguns pensam”. Dr. Joel Rennó Jr. www2.uol.com.br/vyaestelar/tbh.htm]
Chamo a atenção que o texto relata uma conversa de Maria com um psiquiatra. A fala no romance é de uma psiquiatra.
Agora a fala é minha (Fátima Oliveira), que me debrucei mais de dois anos estudando os chamados Transtornos de Personalidades para escrever o romance! Sofri muito. E aprendi muito. Inclusive aprendi o suficiente para respaldar a minha honestidade intelectual. Logo não aceito que "qualquer anônimo ou um anônimo qualquer", que não tem coragem de se apresentar com nome próprio, RG e CPF venha aqui dizer que estou falando abobrinhas. Falo respaldada pelos consensos científicos da psiquiatria atual. Nada de achismos. Tenho responsabilidade científica sobre o que escrevo e um nome a zelar.

Fátima Oliveira

A bipolaridade através da história
O TEB (Transtorno de Espectro Bipolar), equivocadamente associado à criatividade extrema, e hoje em dia uma “doença da moda”, “existe há muito tempo e somente agora é que está sendo visto corretamente, pois muitos bipolares sofreram uma verdadeira Via Crucis para serem diagnosticados e levam anos tomando medicamentos errado, fazendo terapias que não dão resultado e sendo diagnosticados como portadores de vários outros tipos de transtorno”.
FONTE: O BIPOLAR – Convivendo com o Transtorno http://obipolar.com/index.php/pequeno-historico-d

    beattrice

    Fátima, este link não permite acesso, haveria outro a ser indicado noc aso?

    Fátima Oliveira

    Beattrice,
    1. "A bipolaridade através da história" é um artigo de Milena Queiroz Gonçalves Santos, publicado originalmente em http://www.obipolar.com, que realmente agora não consegui acessar. Pode ser encontrado também: http://www.profissionalizando.org/saude-e-bem-estar/210-...

    2. Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) – Depressão bipolar versus unipolar
    Pedro Carlos Primo – psiquiatra/psicanalista, mestre em saúde mental pela universidade de León – Espanha http://www.nepprudente.com.br/Transtorno.doc

Fátma Oliveira

A pessoa que possui "radar da moralidade" pode ser também um doente mental, mas decididamente não é um bipolar. O diagnóstico está errado. Mude de psiquiatra, urgentemente.

    beattrice

    Há discordâncias Fátima, há discordâncias dessa sua opinião.

    Laura Antunes

    Beattrice, qual é a discordância? Por que não diz em que discorda? Ora, discordar é bom, é salutar, ajuda a vançar nas discussões. Mas só dizer que discorda, e você vive escrevendo que discorda, é estranho. Eu acho. Ponha suas cartas na mesa. Você é psiquiatra, psicanalista, psicóloga, ou apenas uma leiga bem informada? Gostaria de ouvir sua opinião com base em seus conhecimentos. Acredito que assim ajudaria. Em psiquiatria nada é escrito na pedra. E essa doença bipolar é campo minado. Nem todo psiquiatra dá conta do recado. Os tratamentos, são um Deus nos acuda. Sorte do doente que consegue encontrar um psiquiatra atualizado.

    Laura Antunes

    Olá Beatrice, por que some quando chamada a expor suas opiniões para além do "há discordâncias", se furtando ao debate? Por que não escreve artigos e os põe na roda para que sejam discutidos? Eu imagino que você não é um papagaio-de-pirata e nem alpinista intelectual.

Anônimo

Com todo respeito, Azenha…
Sou frequentador do seu site, mas me senti ofendido sobre o conteúdo relacionado ao livro/romance, “Então, Deixa Chover” .
Dizer que um bipolar é tudo isso é no mínimo risível bem como inocente. Sugiro a autora se informar melhor sobre o assunto. Sou bipolar diagnosticado há 10 anos e jamais tais falhas de caráter se fizeram presentes em minha pessoa.
O parágrafo abaixo é simplório, tolo e demonstra que preconceito ou a falta de conhecimento ainda são capazes de cometer besteiras significativas.
"É um baú de memórias de Maria e seu filho Henrique, que nasceu, conforme ela, sem o “radar da moralidade”, que em psiquiatrês é o Transtorno de Espectro Bipolar. São cortantes os fragmentos da conversa com um psiquiatra: “…a capacidade moral é genética. Pessoas como nossos filhos nascem sem capacidade moral! Tanto é que eles fazem as pessoas sofrerem, quando crianças são cruéis com animais e não sentem remorsos, porque são incapazes de sentir culpa!… As questões da moralidade, de fato, são culturais. Por suposto, todos os seres humanos as apreenderiam. Há seres humanos incapazes de apreender conteúdos culturais morais…”."
Lamentável que ainda exista gente que pense dessa forma em pleno 2010…

    Morvan

    Também reparei no parágrafo aventado por você, anônimo, e acho – ponto de vista pessoal; que a autora, sem qualquer intenção de agressão – fora infeliz. Aliás, há uma antítese ali: “…a capacidade moral é genética. Pessoas como nossos filhos nascem sem capacidade moral…". Se é genética, como nascem – nossos filhos – sem tal capacidade???
    Mas, como eu disse, apesar destes pequenos deslizes, não tira a candura do texto e nem o torna ofensivo para com os que têm transtorno bipolar.
    Abraço,

    Morvan, Usuário Linux #433640

    Laura Antunes

    Prezado Morvan, uma coisa que é genética necessariamente nem todos "nascem com". Há quem nasça com e quem nasça sem… Ser genético não significa, necessariamente, hereditário. "Toda doença hereditária é genética, mas nem toda doença genética é hereditária" – aprendi no livro de Fátima Oliveira: "Engenharia genética: o sétimo dia da criação" (Editora Moderna).
    TRANSTORNO BIPOLAR – é uma doença mental que alterna estados de euforia e depressão, além da fase de “normalidade”. A causa é desconhecida, acredita-se que esteja ligada à genética. Para a Associação Brasileira de Transtorno Bipolar, 50% dos portadores da doença apresentam pelo menos um familiar afetado… “O tratamento depende da fase e da gravidade e sempre envolve medicamentos, em geral estabilizadores de humor” (psiquiatra Eduardo Pondé, prof. da UFBA). Mas só remédio não basta: é preciso tratamento psicológico para ajudar na aceitação e controle da doença. http://mundoestranho.abril.com.br

    Morvan

    Concordo com tudo que você pontua (aliás, muito bem, Laura), mas persiste a "infelicidade" da autora na apresentação dos contextos. Veja que eu procurei, a bem da verdade [científica], situar – segundo o que consegui captar, onde reside a "infelicidade", e não a vontade de ofender ou atacar, por parte da autora. Relevei (pus em relevo – esta palavra é utilizada, via de regra, para "relegar", daí o grifo meu) inclusive a beleza do texto da autora.
    Reitero: o texto aduz, via contexto semântico, a incongruências; incongruências estas que não tisnam a qualidade do próprio, no que tange à sua estética.
    Abraços a todos,

    Morvan, Usuário Linux #433640

    claudio Martinez

    Ô, meu, isso foi o que o PERSONAGEM médico disse para a PERSONAGEM Maria.
    Saca interpretação de texto?
    Lamentável é um leitor desse blog com uma compreensão curta dessas.
    E se tu não tá gostando do meu tom, na próxima te identifica que eu baixo o tom. Combinado?
    E só pra deixar claro, também sou bipolar.
    Abraços Azenha, equipe e navegantes.

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