Especulação de alimentos inflaciona preços e causa fome

Tempo de leitura: 4 min

Artigo | 6 Março, 2011 – 20:30

Especuladores da fome fazem preço dos alimentos aumentar

Os mesmos bancos, fundos de investimento de risco e investidores que especularam nos mercados financeiros globais, causando a crise das hipotecas sub-prime, são responsáveis pela inflação no preço dos alimentos. Por John Vidal.

por John Vidal,  The Guardian, via Esquerda.Net

Há pouco menos de três anos, as pessoas da vila de Gumbi, no oeste de Malawi, passaram por uma fome inesperada. Não como a de europeus,que pulam uma ou duas refeições, mas aquela profunda e persistente fome que impede o sono e embaralha os sentidos e que acontece quando não se tem comida durante semanas. Estranhamente, não houve seca, a causa tradicional da mal nutrição e fome no sul da África, e havia bastante comida nos mercados. Por uma razão não óbvia o preço de alimentos básicos, como milho e arroz, havia quase dobrado em poucos meses. Não havia também evidências de que os donos de mercados estivessem a fazer estoque de comida. A mesma história repetiu-se em mais de 100 países em desenvolvimento.

Houve revolta por causa de comida em mais de 20 países e os governos tiveram que banir a exportação e subsidiar fortemente os alimentos básicos. A explicação apresentada por especialistas da ONU em alimentos era de que uma “perfeita” conjunção de factores naturais e humanos se tinha combinado para inflar os preços. Produtores dos EUA, diziam as agências da ONU, tinham disponibilizado milhões de acres de terra para a produção de biocombustíveis; os preços de petróleo e fertilizantes tinham subido intensamente; os chineses estavam a mudar de uma dieta vegetariana para uma baseada em carne; as secas criadas por mudanças no clima estavam a afectar grandes áreas de produção.

A ONU disse que 75 milhões de pessoas se tornaram mal nutridas em função do aumento de preços. Mas uma nova teoria está a surgir entre economistas e comerciantes. Os mesmos bancos, fundos de investimento de risco e investidores cuja especulação nos mercados financeiros globais causaram a crise das hipotecas de alto risco (sub-prime) são responsáveis por causar as alterações e a inflação no preço dos alimentos. A acusação contra eles é que, ao se aproveitar da desregulamentação dos preços dos mercados de commodities globais, eles estão a fazendo biliões de lucro com a especulação sobre a comida e a causar miséria ao redor do mundo.

Conforme os preços sobem além dos níveis de 2008, fica claro que todos estão agora a ser afectados. Os preços da comida estão a subir até 10% por ano no Reino Unido e na Europa. Mais ainda, diz a ONU, os preços deverão subir pelo menos 40% na próxima década. Sempre houve uma modesta, mesmo bem-vinda, especulação nos preços dos alimentos e tradicionalmente funcionava assim. O produtor X protegia-se contra o clima e outros riscos vendendo a sua produção antes da colheita para o investidor Y. Isso garantia-lhe um preço e permitia-lhe planear o futuro e investir mais, e dava ao investidor Y um lucro também. Num ano ruim, o fazendeiro X tinha um bom retorno. Mas num ano bom, o investidor Y se saía melhor.

Quando esse processo era controlado e regulado, funcionava bem. O preço da comida que chegava ao prato e ao mercado de alimentos mundial ainda era definido por reais forças de oferta e procura. Mas tudo mudou no meio dos anos 1990. Na época, após um pesado lóbi de bancos, fundos de investimento de risco e defensores do “mercado livre” nos EUA e no Reino Unido, as regulamentações no mercado de commodities foram abolidas. Contratos para comprar e vender alimentos foram transformados em “derivados” que poderiam ser comprados e vendidos por negociantes que não tinham relação alguma com a agricultura. Como resultado, nascia um novo e irreal mercado da “especulação de alimentos”.

Cacau, sumos de fruta, açúcar, alimentos básicos e café agora são commodities globais, assim como o petróleo, o ouro e os metais. Então, em 2006, veio o desastre das hipotecas podres e os bancos e especuladores correram para jogar os seus biliões de dólares em negócios seguros, alimentos em especial. “Nós notámos isso [especulação de alimentos] pela primeira vez em 2006. Não parecia algo importante então. Mas em 2007, 2008 aumentou rapidamente”, disse Mike Masters, gerente de um fundo no Masters Capital Management, que confirmou em testemunho ao Senado dos EUA em 2008 que a especulação estava a inflar o preço mundial dos alimentos. “Quando se olha para os fluxos, tem-se uma evidência forte. Eu conheço muitos especuladores e eles confirmaram o que está a acontecer. A maior parte do negócio agora é especulação – eu diria 70 a 80%.” Masters diz que o mercado agora está muito distorcido pelos bancos de investimentos. “Digamos que apareçam notícias sobre colheitas ruins e chuvas em algum lugar. Normalmente os preços vão subir algo em torno de 1 dólar (por alqueire). Quando se tem 70-80% de mercado especulativo, sobe 2 a 3 dólares para levar em conta os custos extras. Cria volatilidade. Vai acabar mal como todas as bolhas de Wall Street. Vai estourar.”

O mercado especulativo é realmente vasto, concorda Hilda Ochoa-Brillembourg, presidente do Strategic Investment Group de Nova York. Ela estima que a procura especulativa para o mercado agrícola de futuros tenha aumentado entre 40 e 80% desde 2008. Mas a especulação não está apenas em alimentos básicos. No ano passado, o fundo Armajaro, de Londres, comprou 240 mil toneladas – mais de 7% do mercado mundial de cacau – ajudando a elevar o preço do chocolate para o seu mais alto valor em 33 anos. Enquanto isso, o preço do café pulou 20% em apenas três dias, resultado directo de aposta de especuladores na queda do preço do café.

Olivier de Schutter, Relator da ONU para o Direito à Alimentação, não tem dúvidas que os especuladores estão por trás do aumento de preços. “Os preços do trigo, do milho e do arroz têm aumentado de modo significante, mas isso não está ligado a estoques ou colheitas ruins, mas sim a negociantes reagindo a informações e especulações do mercado”, diz ele. “As pessoas estão a morrer de fome enquanto os bancos estão a matar-se para investir em comida”, diz Deborah Doane, directora do Movimento Global de Desenvolvimento de Londres.

A FAO, organização da ONU para agricultura, mantém-se diplomaticamente evasiva, dizendo, em Junho, que: “Fora mudanças reais na oferta e procura de algumas commodities, o aumento dos preços pode também ter sido amplificado pela especulação no mercado de futuros”. A [visão da] ONU tem o apoio de Ann Berg, uma das mais experientes negociantes do mercado de futuros. Ela argumenta que diferenciar commodities dos mercados de futuro e os relacionados com investimento sem agricultura é impossível. “Não existe maneira de saber exactamente [o que está a acontecer]. Tivemos a bolha das casas e o não-pagamento dos créditos. O mercado de commodities é outro campo lucrativo [onde] os mercados investem. É uma questão sensível. [Alguns] países compram directamente dos mercados. Como diz um amigo meu. “O que para um homem pobre é um problema, para o rico é um investimento livre de riscos”.


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Comentários

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Marcos C. Campos

Aqui no Brasil, não foi os preços dos alimentos que "alimentou" a inflação nos ultimos meses ? Assim nosso BC, equivocadamente aumenta juros para conter a inflação enquanto a elevação de preços é claramente especulativa. Assim o mercado financeiro ganha duas vezes. Facil facil.

Marcos Doniseti

Alguns críticos do governo Dilma, supostamente 'esquerdistas, estão afirmando que ela teria se rendido a uma 'ortodoxia neoliberal' em função do corte de gastos públicos que anunciou.

Porém, andei pesquisando dados relativos aos investimentos públicos válidos para o período de 1995 a 2009 e também a respeito do Orçamento da União para 2011 e constatei que tal afirmação não passa de um conto da carochinha.

Para maiores informações, sugiro a leitura do texto que publiquei no meu blog a respeito do assunto (não irei publicá-lo neste espaço pois ele ficou muito extenso):
http://guerrilheirodoentardecer.blogspot.com/2011

JOSE DANTAS

Já houve um tempo em que agropecuaristas grandes e pequenos produziam bancados por um crédito rural sem correção monetária, que acabava corroído pela inflação ao longo de um único ano e isso se configurava em um tremendo subsídio a atividade por parte do governo federal.

Em meados dos anos oitenta, precisamente no governo Sarney, instituiu-se a correção monetária nos financiamentos rurais e com essa medida, só o empresário dotado de altas tecnologias consegue sobreviver na atividade e, como não conta mais com a concorrência em grande escala dos pequenos e médios produtores, agora, de maneira criminosa, utiliza o solo brasileiro para explorar o seu povo, vendendo sua produção nas bolsas ao invés das feiras.

Não satisfeitos com essa triste realidade, ambientalistas dificultam a vida desses teimosos que insistem em produzir em pequenas propriedades e nem um vidro de veneno conseguem mais comprar para combater as pragas que exterminam suas lavouras. É o começo do fim.

Marcio

O desafio da Reforma Tributária

“…a população de baixa renda tem um gasto efetivo de 28,19% de sua renda com impostos (diretos e indiretos), enquanto que a população com renda acima de 30 salários mínimos tem um gasto relativo de 17,98% sobre a sua renda…”
http://blogdopaia.blogspot.com/2011/03/o-desafio-

João

A tragédia neoliberal parece não ter fim.
Falar o que mais depois da leitura do brilhante artigo.
E o governo dos EEUU não se pronunciará a respeito?
Afinal, sobre a Líbia o presidente (minúsculo mesmo) estadunidense já declarou a intenção a OTAN em intervir militarmente naquele país.
Afinal, segundo Washington, Kadafi faz um genocídio. E a especulação dos alimentos mata quantos por ano?

FrancoAtirador

.
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A nomenclatura utilizada pelos especuladores financeiros internacionais para definir os alimentos já diz tudo:

COMMODITY: MERCADORIA; QUE É VENDIDO PARA A OBTENÇÃO DE LUCRO.
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Agora, 'feijão com arroz" é "commodity preta com commodity branca".
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E o pior é que o preço das "commodities", de todas as cores, é cotado pelos próprios especuladores.
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    Morvan

    Boa tarde.
    Isso mesmo, FrancoAtirador.
    Enquanto isso, a turma que ganha dinheiro com a miséria do outro, está nem aí, na maior "Comfy".

    Polícia!!!!

    Morvan, Usuário Linux #433640

Avelino

A financeirização da economia é pior do que o capital industrial, e ambos não são bons.

beattrice

Recomendo o filme INSIDE JOB, que explica terrivelmente bem o "pensamento da banca" cá e lá.

francisco p. neto

Sem saber que o texto publicado originalmente pela Esquerda.Net, ficou claro para mim que era um sitio (site) de algum país de língua portuguesa, menos o do Brasil.
Observo isso com atenção e o valor que a Pátria mãe da língua portuguesa dá ao idioma.
Não se usa estrangeirismos desnecessários como se faz no Brasil.
No texto notei que palavras estrangeiras são "aportuguesadas" como lóbi (lobby) e outra que na tradução literal seria incompreensivel ela é explicada, como por exemplo (sub-prime) alto risco.
Palavras que não tem como traduzir, aí sim é escrita no idioma original, como por exemplo, commodities.
Parece com o Brasil com os seus flat, resort etc. Lembram-se do "bridge loan" do Ernani Galveas, ex-ministro da fazenda dos governos milicos em que o país devia até as cuecas para o FMI?
Fora essa observação, a matéria é excelente para que nós brasileiros, que somos o país que dispõe das maiores áreas agriculturáveis do mundo, pensemos bem como utilizá-las, não deixando nas mãos dos especuladores, porque esses não tem pátria.

    Gustavo Pamplona

    I don't care… and I ask: What is the problem you have with the english language?

    Well… For me… english became the world's language, not just a language of a single country or countries – the english ones like U.S. U.K. Australia, etc

    For example… when you watch F1… you see a lot of foreign drivers and everybody talk in english, an example would be Schumacher, could you understand german?

    It's just a poor, easy and simple language with no verbal conjugation like the rich portuguese and other latin languages.

    One of the reasons english became the world's language is because it has words of both latin (romanic) and anglo-saxon (germanic) languages or common words.

    Would you like an example? A lift is an elevator but lift is the original anglo-saxon word while elevator was inherited of the french language

    francisco p. neto

    Ah! Pamplona vá p… n'agua pra fazer borbulha!!!

    Paulo Viriato Moura

    E que importância tem a língua, no artigo publicado? Se estivesse escrito açim, tudu erradu, mudava alguma coisa de importante?

    Papo totalmente esquizofrênico, primeiro o do Francisco Neto, depois o do Pamplona: os dois, parece, inventando discussões bizantinas. Parecem, os dois, dois lords ingleses, na Índia, discutindo línguas enquanto, na rua, o deles estava esperando. Fiquem aí trocando examples ou ezemplos ou o escambau. Daqui a pouco, os dois vão ter de pedir pinico, seja na língua que for.

    francisco p. neto

    Não deveria responder ao Paulo, mas vou, apesar do seu cérebro de azeitona (depois eu que sou esquizofrênico).
    Primeiro, fiz uma observação que não era para nenhum de vocês dois opinar porque são ignorantes.
    Não desmerecendo gari, mas até pessoas sem ensino fundamental, se for para os EUA, aprendem falar inglês. E o panaca do Pamplona vem com aquele texto a lá FHC.
    E você Paulo não passa de um burro, porque não entendeu o que eu quis dizer.
    São os valor culturais do nosso país que devem ser preservado. Mas a depender de vocês como aculturados, nossa cultura vai para as cucuias.
    Vocês dois devem comemorar o 31 de outubro com o Hallowen, e tenho a certeza que nem sabem a historia do Saci Perere. Mas para que saber não? Isso é coisa de país pobre.Tenho a certeza que você comemoram o 4 de julho cantando o hino norte-americano e mandam cartas para as respectivas wives or girlfriends no Valentine's Day.

mello

Depois de assistir Trabalho Interno o premiado documentário sobre a crise econômica mundial fabricada pelos famosos economistas de Harvarda, Berlkeley, Columbia, etc, que expôs a podridão do chamado "mercado"…É de assustar …Os corruptos da nossa terrra parecerão estar na pré -escola do banditismo..

Jairo_Beraldo

Enquanto isso, aqui em Goiás, o emplumado ocupante do Palácio das Esmeraldas, rompeu com todos os compromissos sociais que o ex-governador Dr. Alcides Rodrigues costurou com o governo federal, como baixar o ICMS, Bolsa Família(quem recebia este benefício, são os eleitores do ex-prefeito e ex-candidato Iris Rezende), dentre outras coisas. Resultado: subiu tudo, desde a cesta básica até o combustível, que deu mais motivo de um segundo reajuste nos produtos e mercadorias. Em tempo – o empresariado goiano vive mais no Palácio do governo, que gerindo seus negócios.

José Ruiz

"Sempre houve uma modesta, mesmo bem-vinda, especulação nos preços dos alimentos…". Talvez modesta, mas bem vinda apenas para alguns, às custas do sofrimento da maioria. A especulação com alimentos é a face mais cruel do capitalismo. Bem perto de nós existem vários exemplos de estocagem e até destruição de alimentos para impedir o aumento da oferta e não deixar os preços caírem. Investimos pesado, e orgulhosamente, em tecnologias de armazenagem, que são técnicas para "segurar" o produto e interferir no preço de mercado (sempre buscando um aumento de preços). Nos últimos anos, novas tecnologias mais do que dobraram a produtividade no campo, a capacidade de estocagem e a distribuição de alimentos. O que a humanidade ganhou com isso? Nada, ao contrário, perdeu. Aumentaram os preços, destruíram o meio ambiente com a monocultura associada ao uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos, consumimos produtos cheios de conservantes e ainda nem sabemos direito quanto vai nos custar os transgênicos. O modelo já existia. A diferença, agora com o mega-investidores, é que estes "tem a mão mais pesada". Problema com solução já conhecida: fim dos subsídios agrícolas, reforma agrária, agricultura familiar, feira do produtor. Parece fácil, mas não é. Pelo menos não enquanto tivermos uma esquerda que pensa assim: http://tinyurl.com/4v9chbw

ZePovinho

MULHERES AGRICULTORAS: UM ATALHO CONTRA A FOME

A FAO calcula que cerca de 150 milhões de pessoas poderiam ser resgatadas da fome no planeta se as mulheres do campo desfrutassem o mesmo acesso à terra, crédito, insumos e tecnologia propiciado aos homens. Discriminação de gênero contraria evidencia milenar de que as mulheres são agricultoras tão boas quanto os homens.
(Carta Maior; 2º feira, 07/03/2011)

waleria

Essa especulação com commodities é internacional.

De nada adianta alterar nossa taxa Selic, contra a especulação internacional.

Aumentar a taxa Selic só aumenta a renda dos que ganham fortunas com nossa divida interna.

Como vemos o Lex Luthor dos quadrinhos existe.

Só não temos o Super Homem – nem uma Mulher Maravilha contra ele.

Ou o BC volta a existir dentro do Ministério da Fazenda, e passa por uma reforma radical – ou seguiremos sendo o pais do futuro como dantes.

O_Brasileiro

"Sempre pode ser pior…"
Se já privatizaram o direito de ir e vir, com os pedágios.
Se já privatizaram até o ar, com os tais créditos de carbono.
Imagina então a comida…
O problema é que, quando a fome aperta, quando ela dói, o cérebro passa a não funcionar adequadamente. O sistema de inibição começa a se quebrado. Ai sobrevém todas as desgraças das quais o ser humano é capaz para sobreviver. Ai vem a repressão. E, finalmente, as tragédias!
Mas sempre haverá grades, helicópteros e seguranças particulares atrás dos quais os especuladores podem se esconder!

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