Como a Rússia vê as ameaças de EUA e China

Tempo de leitura: 3 min

29/3/2011,

por MK Bhadrakumar, Indian Punchline

Tradução do Coletivo da Vila Vudu

“Tempos de Dificuldades” [ing. Times of Troubles] é imagem arquetípica na consciência dos russos. A expressão evoca memórias coletivas da dolorosa história russa, quando, por longos períodos de tempo, às vezes por décadas a fio, o “centro” não conseguiu manter a própria coesão interna e tudo se tornou volátil e o país, de certo modo, fundiu-se. Também faz a Rússia lembrar a também dolorosa história das invasões estrangeiras. Por tudo isso, quando figura de destaque da comunidade estratégica russa fala de “Tempos de Dificuldades” que haveria à vista, no futuro dos russos, a expressão pesa toneladas e dá peso equivalente a todo o discurso; muito mais, se aparece em discurso do general Makhmud Gareyev, presidente da Academia de Ciências Militares da Rússia.

Em relatório que apresentou à academia militar no sábado passado em Moscou, em sessão da qual participou o mais alto escalão militar russo (dentre outros, Nikolai Makarov, chefe do comando do estado-maior da Rússia), Garyev alertou que a Rússia enfrenta hoje ameaças e desafios, no futuro próximo, que são as mais graves de sua história desde os “Tempos de Dificuldades” de 1612. [Os tempos de anarquia que a Rússia viveu entre 1598 e 1613, quando o país foi conquistado por poloneses e lituanos e um terço da população morreu de inanição e fome.]

As palavras de Garyev foram: “No que tenha a ver com  segurança, a Rússia jamais viveu época de tais e tantas ameaças como as se veem crescer nesse início do século 21, desde talvez 1612.” E prosseguiu:

“Nosso país enfrentará terríveis pressões geopolíticas nos próximos anos, basicamente vindas de EUA e China. E temos de fazer o que for possível para não enveredar por qualquer tipo de rota de colisão com EUA e China.”

Recomendou que Moscou otimize todas suas competências e habilidades diplomáticas para evitar os perigos que se avizinham.

Gareyev destacou “o caráter global” que a guerra contemporânea está assumindo, agora que exércitos dos EUA já ocupam por terra territórios no Iraque e no Afeganistão e, por enquanto apenas por ar, também a Líbia.

Gareyev também chamou a atenção – detalhe importante – para o fato de que a China jamais parou de fortalecer-se militarmente, embora em idas e vindas, mas sempre com claros objetivos estratégicos. Em janeiro, por exemplo, a China fez coincidir um teste de voo (bem sucedido) de seu avião bombardeiro J-20 (com tecnologia “stealth” [invisível para os radares]) com a visita ao país do Secretário de Defesa dos EUA Robert Gates.

Na opinião de Garyev, os futuros conflitos absolutamente não serão conflitos só regionais ou locais.

“As forças militares dos EUA já estão presentes e ativas em todas as direções estratégicas – norte, sul, oriente e ocidente –, por todo o planeta ”. Para comprovar que essa ameaça é real e crescente, Gareyev recomendou que a Rússia avalie os riscos realisticamente e com a máxima objetividade.

Criticou diretamente os think-tanks ultraliberais russos que “continuam a enganar a opinião pública”, fazendo crer que não haveria nuvens à vista. “A Rússia enfrenta ameaças graves, reais, no campo da defesa. Se essas ameaças não forem neutralizadas politicamente, não serão neutralizadas de modo algum (…) e o inimigo, como em 1941, descarregará sobre nossas costas o peso maior.”

A Rússia está iniciando programa massivo de modernização militar que custará cerca de 650 bilhões de dólares. Mas é evento raríssimo que os estrategistas militares russos falem abertamente sobre ameaças que pressintam ou conheçam vindas da China.

Ainda que se deva conceder que é provável que Garyev estivesse argumentando, sobretudo, a favor de aumento drástico nos gastos militares, sua fala atraiu atenção em todo o mundo, como fala autorizada do mais alto comando estratégico russo.

Além disso, a publicidade dada ao discurso de Garyev na mídia russa indica que visa a ecoar também na opinião pública russa a qual, até agora foi seduzida exclusivamente para aprovar as políticas manifestas de “reset” com os EUA e de “parceria estratégica” com a China.


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Comentários

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Marcos de Almeida

Os EUA hoje comem na mão dos chineses que detem mais de 2 trilhões e meio de títulos americanos, sem contar no comércio que os yanques dependem da China.Sem guerra a China quebra os yanques e se houver uma guerra a China só tem 5 milhões de soldados será que os estadunidenses encarariam.

Celso Amorim: O apoio do Brasil à resolução da ONU contra o Irã terá consequências | Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] E veja como a Rússia encara as ameaças vindas de Estados Unidos e China.   […]

Julio Silveira

E o Brasil, ó, olhando os passaros.

André

E quem se lixa pra rússia?

@sventura_sp

Esse lenga todo parece sob medida para permitir aumento de gastos militares, a Rússia tem armamento nuclear suficiente para confrontar EUA, China e Europa, qual desses países terá interesse em se indispor com a Rússia?
Curiosamente se deixa de lado na Rússia o combate à corrupção e a exacerbada concentração de renda, ou a ampla falta de respeito pelas liberdades individuais, ah sim, sempre que você quer apertar a mordaça interna e calar opositores o melhor é encontrar inimigos do lado de fora.
A China de fato tem potencial militar, entretanto com bilhões de cidadãos para alimentar e vestir, dificilmente o Partido Comunista Chinês e o governo pensarão em ampliar os gastos militares de modo a tornar as Forças Armadas chinesas mais ofensivas, o recado aos EUA é de que a China também tem potencial para desenvolver armas furtivas, e isso deve bastar para eles.
Os EUA tem sim, forças militares espalhadas em vários pontos do globo, mas apesar de todo o poderio militar americano, dificilmente os EUA tem capacidade de se envolver em novos comflitos, o conflito do Iraque e Afeganistão mostram toda a dificuldade e custos de manter as guerras modernas, e estamos falando de combate entre o Exército americano e forças de guerrilha mal equipadas, o que dirá de combate contra uma força armada minimamente equipada como as da Rússia.

    Mário SF Alves

    @sventura_sp,
    Parabéns! Mas, não seria de interesse considerar que Rússia é essa? Será que os dirigentes desse país, a atual classe dominante, ou seja, esses mesmos ultra-liberais citados no texto, ainda ofereceriam alguma resistência aos USA?

    Mário SF Alves

    E o que dizer do delineamento dessa nova geopolítica americana incluindo a Rússia num provável movimento de frear, isolar e enfraquecer a China?

Paulo Roberto

EUA e OTAN com sua politica agressiva, está despertando preocupação defensiva por parte da Russia e China. Até quando os EUA irá suportar economicamente sua demanda militar com o objetivo de dominar o mundo?

    Mário SF Alves

    Sei não, ao que tudo indica não foi a troco de nada que realizaram o maior assalto da história ao transferir trilhões dólares para o sistema financeiro. Não haveria aí uma uma tríplice aliança entre ultra-conservadores, indústria bélica e sistema fianceiro/corporativismo internacional?

monge scéptico

Repito se os russos forem tolos a ponto de se descuidarem de sua defesa, no
futuro podem desaparecer ou, serem assimilados, o que será uma pena.
do mesmo modo que china e usa, a rússia deve mobilizar esforços para sua
defesa e, não deixar que a usa olhe por sobre seus ombros. Cínicos eles espio-
-nam oferecendo préstimos falsos.
Se não houver bom senso por parte da usa(não haverá são loucos), eles podem
receber uma salva nuclear nada agradável. Negociação com eles é impossível,
pois estão como HITLER falando uma língua talvez não humana.

Rafael

Não tenho muito conhecimento sobre estratégia militar, mas é claro que China tem mais proximidade com a Rússia do que os eua. Numa situação de crise há tendência de China e Rússia se unirem.

    Bonifa

    E o Japão também. Desiludido com o ocidentalismo e vendo o sucesso meteórico da sua eterna nação-guia, é provável que o Japão se aproxime, inclusive estrategicamente, da China. Os EUA, seu antigo maior inimigo, já nada mais lhe pode oferecer.

Marcelo Fraga

Eu não fazia idéia que a situação era tão crítica assim. Também não sabia que a China já lançava os olhos sobre a Rússia.

Espero que a China não contraia a índole imperialista dos EUA.

    Bonifa

    A China não ameaça a Russia e é tradição chinesa milenar não mover nenhuma guerra de conquista. O Tibet é região de influência chinesa indiretamente através do Império Mongol, desde Kublai Kahn. Provavelmente o general russo, ao se referir à China como possível ameaça, está indiretamente alertando para o grande perigo que a Russia estaria passando se viesse a girar na órbita das ambições norte-americanas, como querem alguns russos liberais. A Rússia estaria transformada em enorme território a ser usado para completar o cerco militar à China, com todas as implicações que isso significaria.

    Mário SF Alves

    Penso que por aí também, Bonifa; embora não creia que seja sensato subestimar a Rússia.

Marat

Precisamos de Rússia e China fortes, para que se contenha o grande satã da América do Norte, sedento de sangue e petróleo!

    Gustavo Pamplona

    Ao ler "grande satã" em seu comentário não sei porque mas me lembrei do golpe "Satã Imperial" do cavaleiro Saga de gêmeos do anime japonês Caveleiros do Zodíaco.

    E Marat… não estou ridicularizando seu comentário, tudo bem? ;-)

    daniel

    Deve ser uma viúva do Khomeini.

    Marat

    Daniel, inteligência, perspicácia e elegância são suas marcas registradas, não? Falando nisso, você deve ter, próximo de sua cama, pôsteres do Bush (de caubói) e do Reagan, não é mesmo?

    JotaCe

    E um retratinho da Khali…

    JotaCe

    Marat

    Beleza, gustavo… eu gosto de usar termos que os orientais usam contra os EEUU, só para encher o saco dos defensores do Tio Sam, mas eu também sou um gozador, nos momentos de folga…
    Eu ainda vou ver isso de Cavaleiros do Zodíaco. Abraços…

    Mário SF Alves

    Tái, gostei da resposta.

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