Charles Carmo: Olha a baixaria!

Tempo de leitura: 3 min

de Charles Carmo, do Recôncavo, para o Viomundo

Na Bahia, o Projeto de Lei 19.203/11, de autoria da deputada estadual Luiza Maia (PT), pretende proibir o Estado da Bahia de financiar artistas que depreciem as mulheres. A proposição da deputada requer uma régua subjetiva que, simplesmente, não pode existir numa democracia. A despeito de seu objetivo nobre, e o apoio entusiasmado de artistas e militantes dos direitos das mulheres, o projeto de lei abre um perigoso precedente.

Em vez de promulgarem uma lei antibaixaria, que pretende criar uma régua subjetiva para determinar, com as melhores intenções, o que é e o que não é ofensivo às mulheres, fariam bem melhor os deputados baianos se empregassem seus esforços num robusto aumento dos investimentos em cultura.

A sociedade, que se coloca por vezes como vítima das baixarias, na verdade, é causadora delas. Mas essa é uma face muito feia para se vê no espelho, daí preferimos cobri-lo.

Nunca vi um pianista em praça pública que não encontrasse público para ouvi-lo. E já os vi em praça pública, e até na praia.

Não conheço um palhaço que não tenha, mesmo que à socapa, roubado um sorriso.

O teatro faz rir e chorar, por vezes na mesma peça. E rimos e choramos com o teatro.

Quer seja na “pila do café”, nas filarmônicas com seu ensino de música por meio de partituras, ou ainda no sambas de roda e chula, vemos jovens e adultos perenizando nossas tradições. Fariam isso com bem mais sucesso se tivessem mais recursos.

Editais, programas e bons projetos existem, o que falta é orçamento.

Entretanto, preferimos combater a baixaria na base do carimbo. Criaremos um método científico e infalível para determinar o que é depreciativo ou não às mulheres, como denunciamos. E nossos artistas aplaudem a iniciativa, sem perceberem o elefante atrás da cortina.

Até que um dia, em outra conjuntura política, alguém proponha um projeto de lei que proíba os artistas que “depreciam” o Estado de receberem recursos públicos, ou algo que o valha. Talvez aí, quando nos dermos conta de que isso tudo começou com as melhores intenções, já estaremos mudos.

A baixaria ocupou as rádios, espetáculos e programas de TV, pois encontrou a casa aberta e o café já na xícara, em cima da mesa de centro.

Não se deparou com um pianista, um palhaço, grupo de samba de roda ou grupo de teatro que lhe dissesse: alto lá, aqui estou eu e esse café é meu.

A baixaria é a expressão legítima de uma parcela importante da população que aprendeu, há décadas, a gostar dela.  E foi entrando em todos os cômodos. No quarto do pai, da filha e da avó.

No orçamento do Estado da Bahia em 2012, o quadro demonstrativo das despesas por função, revela a previsão do aporte de 612 milhões de reais na função Legislativa, e somente 226 milhões para a Cultura.

Se os deputados baianos cortassem um terço das verbas da função legislativa e transferissem esses recursos para a função cultura, esta última praticamente dobraria sua dotação orçamentária.

Queremos acabar com as baixarias? Comecemos então por esta, que reside dentro do orçamento.

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Comentários

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Maria

Quem quiser falar o que quiser, que fale. Mas, o dinheiro público não pode ser usado para financiar a esculhambação. É só isso que prevê a lei.

E outra. Não dá pra comparar arte com certos tipos de música.
"Mulher é que nem lata, um chuta, outro cata" , "Bate na cachorra…" "Tapa na cara".

Não dá pra continuar perpetuando as atitudes machistas, sexistas da sociedade em nome de uma pseudo liberdade de expressão. Isso pra mim, tem outro nome: VIOLÊNCIA.

SFCidadao

Só o governo não financiar e apoiar com dinheiro público os artistas de baixa calão. O resto a sociedade se encarrega de varrer para o esquecimento.

damastor dagobé

isso será a extinção de todos os gêneros populares, de. digamos assim, musica: axé, breganejo, pagode, arrocha, e tantos mais..

Gerson Carneiro

A deputada está querendo segurar o tchan mas não é com decreto que se faz.
Observem o que diz Antonio Veronese sobre isso. Se aplica também para a cultura baiana.

[youtube lzefF9i_Ucw http://www.youtube.com/watch?v=lzefF9i_Ucw youtube]

mineiro

assino em baixo , tem que fazer alguma coisa . porque a baixaria tomou conta sim dos meios de comunicaçao , da sociedade e do povo. todos nos consentimos as baixarias, quando paramos e vemos programas nojentos de policialescos , panico , cqc, fazenda , bbb, novelas e outras coisas mais , todos nos damos credito a baixaria. e pior de tudo se haver criticas a isso tudo , é taxado de preconceituoso . entao negar a baixaria é preconceituoso. tem a santa paciencia. eu nao sou da bahia , mas apoio o projeto , mas como bem disse o texto , nao pode de geito nenhum deixar de apoiar a cultura e a educaçao. e os cortes no legislativo, como bem disse o autor tambem bem vindo.

mfs

A maior parte da história da arte europeia é de pinturas que exploram sexualmente o corpo feminino. A maior parte das óperas revela uma visão no mínimo antiquada e estereotipada sobre as mulheres. Portanto, a ilustre parlamentar baiana saberá impedir que obras de Rubens, Alma-Tadena, Goya, Renoir, Boucher e Fragonard, Picasso, Puvis de Chavannes e Modigliani sejam expostas em museus ou publicadas em livros de arte e revistas. Outrossim, compositores como Bellini, Rossini, Verdi e Puccini estarão definitivamente banidos dos palcos baianos. Sem falar nas passagens literarias horrendas de Baudelaire e Bukowski, dois Charles malditos. E a descrição dos ombros de Anna Karenina, Deus do ceu, que monstruosidade!

patrick

Perfeito o posicionamento da Deputada. Querem insultar mais da metade da população brasileira e ainda receber dinheiro público pra isso? Ridículo!

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