Antônio David: Safatle não quer contextualizar a corrupção e crítica os que o fazem

Tempo de leitura: 7 min

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Mais uma vez, Vladimir Safatle produziu uma caricatura

por Antônio David, especial para o Viomundo

Em seu mais recente artigo na Folha de São Paulo, Vladimir Safatle produziu mais uma caricatura.

Focado no problema da corrupção no Brasil, ele argumenta:

“Quando os escândalos de corrupção estouraram de forma sistemática, não foram poucos os que procuraram ‘contextualizar’ o problema, como se dar muita importância a eles fosse fazer o velho jogo do moralismo udenista. “Focar tudo no problema da corrupção é uma pauta da direita.”

Alguns não temeram em dizer que a corrupção era um dado intrínseco do capitalismo, não para porventura mudar o capitalismo, mas para tentar vender a ideia de que ela seria o preço a pagar para se operar no interior das falhas da democracia parlamentar.

Nessa explicação funcionalista crassa, havia uma dose inacreditável de cinismo. A descrição não servia para aumentar a indignação e recusa contra um sistema corrompido, no qual a política se submete aos interesses econômicos do momento, mas para justificar a acomodação subjetiva à lama”.

Contextualização

Safatle não quer contextualizar o problema e crítica os que o fazem. Para ele, contextualizar merece aspas. Reduzida a prática “cínica”, o ato de contextualizar não passaria de um grande pretexto, mera e disfarçada justificativa da corrupção.

Colocando o problema nestes termos, Safatle ignora haver, entre os que contextualizam, aqueles que o fazem para justificar a corrupção, como ele bem nota, e aqueles que o fazem para melhor combatê-la – ou seja, o exato oposto dos primeiros. Ignora, portanto, haver entre os que contextualizam abordagens não só diferentes, como antagônicas.

Como explicar tamanha lacuna no discurso de um filósofo tão inteligente e sagaz? O que aparenta ser uma derrapagem é, na verdade, um ato deliberado. É justamente para evitar discutir com os segundos que Safatle os colocou no mesmo saco dos primeiros. Taxando-os todos de justificadores da corrupção, inclusive aqueles que visam a combater a corrupção, Safatle induz o leitor a crer que nem vale a pena debater com eles.

Com isso, ao invés de enfrentar outros pontos de vista – o que se esperaria de um intelectual –, ele sutilmente concede a si mesmo o direito de não debater. Ele espera que o leitor pense que apenas o seu ponto de vista é coerente com a luta contra a corrupção, sendo todos os outros com ela coniventes – embora não o sejam. Trata-se, em suma, de um expediente retórico, marcado por certo deficit de honestidade.

“É por pensar assim que estamos nesta situação”

A tarefa que Safatle coloca-se para si mesmo não é pequena. Argumenta Safatle: “’contextualizar’ a corrupção é mostrar uma ignorância fundamental a respeito do que é a política”. Na contramão dos contextualistas, Safatle nos ensinará nada mais nada menos o que é a política – a despeito de sua curta experiência politica não ter sido exatamente bem-sucedida. Sua narrativa supostamente pretende “aumentar a indignação e a recusa contra um sistema corrompido”. Reparem bem: contra um sistema corrompido. Terá ele conseguido?

Não farei uma longa análise do discurso de Safatle. O parágrafo adiante – no qual ele faz menção à prática de denunciar a corrupção alheia sem criticar a própria corrupção – é suficiente para mostrar que Safatle acaba passando longe do “sistema corrompido”.

Todos nós conhecemos bem esses raciocínios. Mas não, meus amigos, a corrupção do seu partido do coração não é ‘outra coisa’. Ela é a ‘mesma coisa’. É por pensar assim que estamos nesta situação. Ela só terminará quando o último corrupto petista for enforcado nas tripas do último corrupto tucano”.

Ou seja, não são as instituições legadas por nossa formação social e enraizadas num país marcado por profunda desigualdade econômica e social o que, ao fim e ao cabo, produz a corrupção; o que produz a corrupção é o fato de “pensarmos assim”. “É porque pensamos assim que estamos nessa situação” (o destaque é meu). Supostamente, na Alemanha há menos corrupção porque os alemães pensam diferente.

Para quem ia nos ensinar o que é a política, chega a ser ridículo.

Se “estamos nessa situação” porque “pensamos assim”, a solução não poderia ser outra: a corrupção “só terminará quando o último corrupto petista for enforcado nas tripas do último corrupto tucano”. Em suma, uma vez que existe corrupção porque existem corruptos, basta eliminar os corruptos para que a corrupção acabe.

Como se sabe, o moralismo da antiga UDN caracterizava-se exatamente por imputar a corrupção inteiramente às pessoas – ignorando que, além das pessoas, as instituições no Brasil são corruptas – e por promover a ideia de que, para acabar com a corrupção, bastaria afastar os corruptos e colocar no lugar pessoas íntegras.

Entende-se melhor agora porque seu artigo começa com a frase: “Quando os escândalos de corrupção estouraram de forma sistemática, não foram poucos os que procuraram ‘contextualizar’ o problema, como se dar muita importância a eles fosse fazer o velho jogo do moralismo udenista”. Trata-se de uma defesa prévia.

Já o “sistema corrompido” permaneceu intocado na análise de Safatle.

Governar?

O problema maior está, no entanto, na frase que fecha o artigo: “Por isso, vale a pena começar a governar devolvendo a diária do segundo quarto”, ou seja, governar sem incorrer em práticas corruptas.

É possível governar sem incorrer em práticas corruptas?

Se por práticas corruptas entendermos ganhos pessoais, sim, é possível. Mas essa é uma visão extremamente limitada do problema, que não toca no aspecto sistêmico da corrupção. Agora, se por práticas corruptas entendermos, no caso do governo, o conjunto de práticas envolvidas no conceito de governabilidade, inclusive aquelas que se exige para que um governo tenha maioria no Congresso Nacional, depende.

Não ignoro que na Islândia ou na França seja mais fácil “governar devolvendo a diária do segundo quarto”. Mas, a não ser que sejamos adeptos de um pensamento colonizado, quando falamos no Brasil cabe olharmos para o Brasil, cabe pressupormos uma dada formação social e seu legado, que persiste no presente. Cabe olhar para as instituições que temos.

Em 2002, quando Lula foi eleito pela primeira vez e havia uma correlação de forças menos desfavorável para a esquerda, posto que não havia o desgaste de quatro mandatos presidenciais, se Lula “devolvesse a diária do segundo quarto” – ou seja, se ele não fizesse alianças para ter maioria no Congresso e, consequentemente, não distribuísse cargos –, ele governaria? Não posso afirmar categoricamente que não, mas essa é a resposta mais provável.

O ponto é que, se a total recusa à corrupção é um princípio inegociável, cabe à esquerda duas alternativas: 1) ou bem pensar no significado político de chegar ao poder e não governar; 2) ou bem formular uma estratégia capaz de governar sem praticar atos ilícitos nem ser conivente com tais práticas, mas combatê-las – o que significa, entre outras coisas, não aliar-se com corruptos e ter o Congresso Nacional quase inteiramente contra o executivo.

Ocorre que essa estratégia não foi formulada, ao menos não depois da derrota de 1989. Nem o PT não conseguiu formulá-la – e o governo está pagando o preço por isso –, nem os partidos à esquerda do PT conseguiram, motivo pelo qual toda e qualquer crítica ao PT vinda da esquerda só é coerente e só merece ser levada a sério se vier acompanhada de uma autocrítica. Isso vale tanto para agrupamentos, como também para intelectuais.

Não tendo sido formulada essa estratégia, a frase “governar sem devolver a segunda diária”, que fecha o artigo de Safatle, simplesmente não faz sentido. Faz sentido no papel, não na prática. É mais uma de suas peças retóricas. Na prática, “devolver a segunda diária” hoje equivale a não governar – a alternativa (1) dentre as duas alternativas mencionadas.

Se tivesse defendido a tese de que a esquerda não deve dispor-se a governar, mas apenas a denunciar o sistema – não é o caso –, Safatle não teria feito uma crítica elevada, mas ao menos ele teria sido coerente. A conclusão estaria de acordo com as premissas. Esse é talvez o caso do PSTU. Mas, ao contrário do PSTU, Safatle quer governar! Nesse caso, uma crítica elevada e assertiva deveria pensar na estratégia capaz de governar sem a governabilidade ao invés de simplesmente pressupor, de maneira inacreditavelmente ingênua, que basta ter uma moral íntegra para governar sem a governabilidade e enfrentar todo tipo de resistência, boicote, sabotagem, golpes e atos violentos vindos da direita. O que Safatle propõe para que a esquerda se jogue nessa empreitada? Nada.

Claro que ele poderá dizer que isso já acontece hoje. Este seria mais um dos bordões retóricos bonitos de se ler, mas sem nenhum lastro na realidade. A situação por que passa o governo Dilma no atual momento é brincadeirinha de criança perto de um governo de esquerda com a opção clara e definida de governar sem o Congresso. O discurso de Safatle é tão abstrato que não serve nem mesmo para o governo Dilma – um governo de conciliação – enfrentar a direita.

Aqui voltamos ao ponto inicial. Safatle não tem nada a propor em termos de estratégia porque o ato de pensar em uma estratégia que permitisse governar contra as práticas corruptas – ou seja, contra 90% do Congresso – exige a capacidade de contextualizar. Exatamente aquilo que Safatle faz questão de explicitamente recusar.

Se Safatle tivesse interesse em ler e discutir com o autor do presente artigo, e como para ele tudo se resume à dicotomia coragem x covardia – como ele próprio declarou em outra ocasião –, certamente ele produziria uma peça retórica para convencer seu público de que este artigo é um grande blá-blá-blá que no fundo tenta oferecer desculpas para aquilo que na verdade não passa de uma covardia disfarçada. Em suma, do ponto de vista de Safatle, eu seria um grande covarde.

Por isso, feita a crítica ao neoudenismo de Safatle, penso que é chegado o momento de afirmar algumas coisas. É possível governar sem o Congresso? Sim. E qual é a estratégia? Não há uma estratégia formulada. A esquerda tem condições de formular? Sim. Safatle contribui com essa formulação? Não só não contribui como atrapalha.

Aqui é que reside o grande desserviço de sua abordagem. A esquerda não tem conseguido formular uma estratégia à altura dos desafios impostos pela nossa formação social e as razões disso são muitas e são complexas. Não é porque a esquerda é viciosa. Mas uma das razões, que não é sequer a mais importante, é a persistência do moralismo em certas visões de política ainda presentes na esquerda. É o velho bordão “basta ter vontade política” renovado.

Safatle é um moralista convicto, mas seu moralismo não é ordinário, é radical. A visão moralista que Safatle faz da política é tal que ele interdita o debate sobre estratégia. Quem lê seus artigos e acredita no que ele escreve não só não vê razão alguma para tomar parte em debate algum sobre estratégia como, vendo nesse debate apenas um grande pretexto para justificar o injustificável, vê razões para atacar toda e qualquer estratégia e todos aqueles que se engajam nessa tarefa, em nome – que vergonha! – de um abstrato “bem comum”. É o que Safatle reiteradamente faz em seus artigos: sem citar nomes, ele ataca quem se dispõe a pensar.

Mais uma vez, Safatle não produziu uma crítica, mas uma caricatura.

Leia também:

Arthur Scavone: Antônio David vs Vladimir Safatle e o exemplo do professor Paul Singer 


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Comentários

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Eduardo

A política surgiu da corrupção ou a corrupção surgiu da política? São inseparáveis, uma só coisa, como uma cobra de duas cabeças! Apenas confundem quem as vê!

Molina

A política segundo o sábio Safatle: Tudo em nome da tal governabilidade, ou seja, não largar o osso, dividir para dominar, caricaturar e perseguir quem diverge

Marcos W.

Para se tirar a prova dos nove, o PSOL ganharia uma eleição majoritária, e o Safatle, não fosse o eleito, seria nomeado para ocupar um cargo importante no Poder Executivo.

Allex

Leia de novo o texto do Vladimir Safatle. Parece que por enquanto você não entendeu alguns pontos importantes.

Exemplo de um dos seus equívocos de mera interpretação textual (ou será que não é equívoco?):

VS escreve:
“Todos nós conhecemos bem esses raciocínios. Mas não, meus amigos, a corrupção do seu partido do coração não é ‘outra coisa’. Ela é a ‘mesma coisa’. É por pensar assim que estamos nesta situação. Ela só terminará quando o último corrupto petista for enforcado nas tripas do último corrupto tucano”.

Você interpreta:
“Ou seja, não são as instituições legadas por nossa formação social e enraizadas num país marcado por profunda desigualdade econômica e social o que, ao fim e ao cabo, produz a corrupção; o que produz a corrupção é o fato de “pensarmos assim”. “É porque pensamos assim que estamos nessa situação” (o destaque é meu). Supostamente, na Alemanha há menos corrupção porque os alemães pensam diferente.”

Reflita um pouco mais:
Quando afirma que é por “pensarmos assim”, Safatle não quer dizer que o nosso pensar gera a corrupção. Ele afirma que a crise atual tem essa cara porque pensamos que a corrupção dos outros partidos é deletéria e a (minha) do nosso partido é coisa menor, quiçá até justificável.

E ele está certo na parte mais importante: corrupção não tem cor, não tem partido, não tem meio termo, não tem justificativa, não tem melhor, nem pior. Corrupção se combate.

Por fim, ninguém precisa ter mandato de político para debater e fazer política. Aliás, no caso do Brasil, melhor é nem fazer essa política partidária imunda que aí está. Safatle e outros intelectuais podem e devem contribuir sem precisar se candidatar a coisa nenhuma.

    Antônio David

    Meu caro,

    Você diz: “E ele está certo na parte mais importante: corrupção não tem cor, não tem partido, não tem meio termo, não tem justificativa, não tem melhor, nem pior. Corrupção se combate”.

    O problema persiste. Se assim é, ou seja, se a corrupção se combate e ponto final, então nesse caso a esquerda deve 1) ou bem não governar, 2) ou bem governar contra o Congresso.

    Em um caso ou no outro, a esquerda precisa de uma ESTRATÉGIA. Esse é o ponto.

    Sendo esse o ponto, a crítica à corrupção só é consistente se estiver contida em uma estratégia. Caso contrário, sem estratégia, será crítica moralista – tal como fez Safatle: como eu disse no artigo, e repito, ele simplesmente pressupõe, de maneira inacreditavelmente ingênua, que basta ter uma moral íntegra para governar sem a governabilidade.

    Reduzir tudo à moral e eliminar toda e qualquer discussão sobre a estratégia, como ele reiteradamente faz, é um enorme desserviço. Não é uma crítica séria.

    AD.

abolicionista

Acertou na mosca. Vladimir precisa decidir se é adorniano ou Psolista. Ou adepto do “nicht-mitmachen” (não-participação) ou alguém que quer governar.
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Ah, pessoal do site, apenas um reparo, tem um erro no título, o acento em crítica (“critica os que fazem”, não “crítica os que fazem).
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Parabéns por divulgarem esse texto. Vladimir deu uma tremenda bola fora.

Paulo Falcão

Já afirmei em outros momentos que o doutorando Antônio David é mais lúcido que o pós-doutor Safatle. Mas no fim, ambos militam entre aqueles que desprezam a democracia, e por democracia quero dizer o que existe e não fórmulas oníricas. No artigo anterior de Safatle na Folha ele defende claramente um golpe de estado (a crítica deste artigo chama-se VLADIMIR SAFATLE E A DEFESA DO GOLPE ( http://wp.me/p4alqY-fC ). Agora é Antônio David quem flerta com a ruptura do estado democrático e de direito ao dizer, textualmente : “É possível governar sem o Congresso? Sim. E qual é a estratégia? Não há uma estratégia formulada. A esquerda tem condições de formular? Sim. Safatle contribui com essa formulação? Não só não contribui como atrapalha.”

Caso haja alguma outra interpretação para “governar sem o congresso”, me contem. Até lá, deixo aqui a sugestão de outro artigo que me parece muito oportuno para o doutorando, para o pós-doutorado e para quem anda sonhando com alguma saída mágica: NOSSA DEMOCRACIA É UMA MERDA, MAS A ALTERNATIVA É PIOR ( http://wp.me/p4alqY-gf ).

    Lukas

    Não é que ele seja mais lúcido, é que você concorda com ele. Geralmente as pessoas com as quais concordamos são mais inteligentes, sagazes e lúcidas.

FrancoAtirador

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Como em 1954, há uma Burguesia e uma Classe Média
que se sente ameaçada pela Ascensão Social
de Setores dos ‘de baixo’: esta é a Raiz dos Panelaços.
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Por Flavio Aguiar*, de Berlim para a Carta Maior
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Uma Amiga minha, Veterana Militante do Partido Socialista
no começo dos anos 50, me contou a seguinte historia.
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No dia 24 de agosto de 1954 ela se preparava, na cidade onde vivia, no interior paulista,
para sair à rua comemorando com outros militantes comunistas a queda de Vargas.
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Nesse momento, ela e todos os outros foram surpreendidos
pela notícia do suicídio e a leitura da Carta Testamento
no Repórter Esso.
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Ficaram perplexos, atônitos, nada fizeram.
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Enquanto isto, “as massas” saíam às ruas, notadamente no Rio de Janeiro e em Porto Alegre,
depredando os jornais e as sedes dos partidos conservadores.
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Militantes do PC tentaram assumir o controle das manifestações, em parte para “dirigi-las”,
em parte para evitar que suas sedes fossem igualmente empasteladas (na época o termo era este),
como foram rádios e jornais conservadores.
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A foto com uma caminhonete do jornal O Globo virada deveria servir de exemplo
para os aprendizes de golpe de hoje, mas certamente será em vão.
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A perplexidade de minha amiga dura até hoje.
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Sinal de que ela ainda não entendeu o que então estava acontecendo.
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Dá pra compreender.
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As esquerdas tinham um esquema na cabeça.
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E o que o primeiro período Vargas provocara fugia aos esquemas.
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Era mais fácil então sair pelo esquema moralista de se refugiar nas denúncias programadas
pelo grupo liberal – com Lacerda, ex-comuna à frente – do que tentar o vislumbre
do que acontecera nos últimos vinte e tantos anos, desde 1930.
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A partir de 30 duas coisas tinham se consolidado:
uma classe média ciente de seus direitos
– que consideravam privilégios –
e que se identificava com Lacerda,
e uma classe trabalhadora urbana,
recém ciente de seus direitos e de suas conquistas,
e que se identificava com as propostas de Vargas,
CLT, nacionalismo, etc.
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O conflito social se expressou através dos manifestos do estamento militar
– o famoso “dos Coronéis” à frente – e da pressão para que Getúlio caísse.
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O caso se resolveu à bala. Uma única, que postergou o golpe por dez anos,
apesar das novas tentativas contra Juscelino e a de 1961 [contra Jango].
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Por detrás da crise política havia de fato uma crise social
que não cabia nos manuais da esquerda de então.
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Supostamente, nos manuais comunistas,
o Brasil vivia uma crise de um sistema feudal pre-capitalista
que necessitava passar ao “estágio do capitalismo superior”.
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Nas teorias mais radicais, o conflito entre capital e trabalho
estava adormecido pelas políticas populistas de Vargas.
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E o que acontecera de fato,
a imersão de uma nova massa de trabalhadores
no mundo capitalista urbano, vinda de seus direitos,
passava desapercebido, ou era desconsiderado.
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A crise social ficava em segundo plano,
a crise política aparecia no primeiro
e a esquerda via tudo como uma crise moral
– como queria a propaganda lacerdista.
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Hoje acontece algo análogo.
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Há de fato uma crise política.
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Ressentidos se agrupam em torno de um candidato derrotado,
mas inapetente pela busca de vencer a eleição seguinte,
até por medo de seus correligionários.
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O governo, inepto em matéria de comunicação, comete erros atrás de erros,
como o de ter seu Chefe da Casa Civil fazendo um mea-culpa sem razão de ser
diante de inimigos que só querem sangue de pescoço.
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A extrema-esquerda, com seus braços acadêmicos, se esmera em tentar fazer
o Brasil retornar a seus esquemas teóricos insuficientes.
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Clama que os governos Lula, Dilma e FHC são braços do mesmo tronco.
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No meio disto um deputado em busca de uma corda de salvação
para o poço em que vai afundar promete um processo de impeachment
sem qualquer base legal, mas que satisfaz a seus anseios,
ao do candidato derrotado [do PSDB] que quer reverter o relógio da historia,
e ao ex-presidente [FHC] meio avariado pela ameaça de ver seu sonhado reino
submergir como um mero interregno entre a era Vargas e a era Lula.
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De quebra, vozes da mídia conservadora e esclerosada querem ganhar a medalha
do mérito lacerdista, contribuindo para ou derrubando um governo de esquerda.
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Mas ninguém presta atenção no pano de fundo que aduba esta crise política,
que é de fato uma crise de natureza social.
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Aliás, este sim é um erro que o PT – genericamente falando – cometeu.
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Qual seja, o de imaginar que a paisagem social brasileira poderia mudar sem conflitos emergindo.
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Como em 54, há uma burguesia e uma classe média que se sente ameaçada pela ascensão social
de setores dos “de baixo”, como dizia o saudoso Florestan Fernandes.
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A estrutura social não mudou, é certo, como quer a extrema-esquerda e seus porta-vozes acadêmicos,
que querem enquadrar o Brasil pleno – ou pós-PT – nos seus moldes nos quais ele não cabe mais.
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Mas a composição social da paisagem mudou,
com mais gente no convés do meio, menos no de baixo,
e o da turma da primeira-classe se sentindo ameaçada
pelo acesso crescente dos “de baixo” às escadas
até então de acesso privilegiado dos “de cima”:
de aeroportos a shopping centers e universidades,
nesta ordem de importância atribuída pelos usuários.
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Esta é a raiz dos panelaços: gente que não se sentia ameaçada agora se sente perdida.
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Ou sente que vai perder os anéis e os dedos.
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Este é o caldo de cultura em que os golpistas de hoje navegam.
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Vão se dar mal, ganhem ou percam.
Se perderem, vão amargar mais uma derrota.
Se ganharem, e conseguirem derrubar o atual governo,
vão herdar uma massa falida
– não a da esquerda ou a do governo –
mas a própria.
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As direitas hoje não têm qualquer projeto para o País.
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Alias, se há algo completamente estranho ao seu universo, é esta palavra: País.
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O que veem é um espólio de passado colonial à venda, sendo a questão mais importante
a de definir quem vai recolher o produto da venda, ou a mais valia decorrente do processo.
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À extrema-esquerda interessa revogar – como em 54 –
o “empecilho” de um governo que “adormece” as massas.
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E o Brasil que vá às traças.
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Melhor salvaguardar as teorias, para os acadêmicos,
do que se por mãos a obra e pesquisar o novo
para entender o que está se passando.
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É mais fácil desqualificar o que aconteceu – construir a saída
de milhões de pessoas da miséria e da pobreza –
do que tentar entender o que aconteceu,
por que acontece e o que a partir daí pode acontecer.
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Para as direitas só interessa morder o governo, desprezar a democracia e semear o caos.
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Há um senão nisso tudo.
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As direitas de hoje são muito mais díspares do que as de 64 ou de 54.
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Vão resistir ao próprio caos em que navegam? Não vão.
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Nem mesmo se sabe se conseguirão seu objetivo imediato,
tão frágil que ele é de qualquer ponto de vista que se olhe,
do jurídico ao moral, e sem apoio na caserna militar.
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O que pode lhes sobrar é uma tremenda ressaca,
que já houve no período entre abril e agora, agosto.
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Agosto, mês de desgosto…
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Cuidado, pode ser para todos…
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*Flávio Aguiar é Correspondente Internacional da Carta Maior, em Berlim, na Alemanha.
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(http://cartamaior.com.br/colunistas/41)
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    FrancoAtirador

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    PROTESTO PELA ‘MUDANÇA’
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    (http://imgur.com/3lu1Idt)
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    Urbano

    Franco Atirador, as únicas coisas que a burguesia possui de fato, para sustentar o pseudo status que acredita ter, são o dinheiro e a informação; isso quando os tem. Daí que, em se ampliando os programas de distribuição de riqueza e da informação, como os Governos do PT estão a fazer nesses últimos doze anos, como que ficará essa pseuda supremacia da nossa burguesia de meia pataca? Até porque a burrice é o grande brasão dela. Ademais, a grande maioria é apenas a herança de uma burguesia virtual, pois a real condição já se esfumou há muito.

FrancoAtirador

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Para @s BraSileir@s que ainda têm Capacidade de Leitura e Compreensão de Texto:
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“Seria Ingenuidade não identificar Interesses Internacionais na Crise Política”
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O Impeachment interessa a Forças Externas e Internas
que querem retirar a Petrobras da Operação do Pré-Sal:
“Grandes Companhias de Petróleo e Agentes Nacionais que têm a ganhar
com a Saída da Petrobras” da Exploração da Jazida do Pré-Sal no Brasil
.
“Trata-se da segunda maior jazida do planeta.
Existem interesses geopolíticos de norte-americanos, russos, venezuelanos, árabes.
Só haveria mudança na Petrobras se houvesse nova eleição e o PSDB ganhasse de novo.
Nesse caso, se acabaria o monopólio de exploração, as regras mudariam.
O impeachment interessa às forças que querem mudanças na Petrobras: grandes companhias de petróleo, agentes nacionais que têm a ganhar com a saída da Petrobras da exploração de petróleo.
Não acredito em teorias internacionais da conspiração.
Mas não há dúvida que há financiadores desses movimentos de direita que chamam as pessoas para rua.
As faixas têm a mesma tinta, mesmos dizeres, as camisetas são iguais, os enfeites.
Alguém está bancando.
Interessa a determinadas forças internacionais a desestabilização política do Brasil.
O petróleo é um ativo num ambiente altamente explosivo, um recurso importante de poder.
O Brasil está se tornando independente em petróleo.
Daqui a pouco, será exportador.
É obvio que os EUA estão olhando para isso.
Não tem como não estar.”
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Entrevista: ADALBERTO CARDOSO, Sociólogo,
Diretor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos
da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
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26/04/2015 02h00 – Atualizado em 27/04/2015 às 11h09
Folha de S.Paulo
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Por Eleonora de Lucena, de São Paulo
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O CAPITALISMO NO BRASIL É INTEIRAMENTE CORRUPTO
.
E O IMPEACHMENT HOJE SERVE A CORRUPTORES E CORRUPTOS
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“A corrupção é uma prática empresarial antiga no Brasil, basta lembrar dos usineiros.
O que vivemos hoje é parte de um processo de limpeza e, espero, de correção dessa herança histórica de conluio entre o público e o privado.
As elites e vários agentes sociais não sabem separar o púbico e o privado.
O Estado sempre funcionou a serviço das elites econômicas.
Quando há um amplo combate à corrupção, o potencial de crise é muito grande.
O que a Lava Jato está expondo é a forma como o capitalismo se organiza no Brasil.
O capitalismo no Brasil é constituído de forças com capacidade de corromper os poderes públicos para que a sua atividade possa caminhar sem problemas.”
.
“A Lava Jato está mexendo com profundos interesses empresariais e políticos.
Aqueles que estão clamando pelo impeachment estão querendo impedir que essa limpeza continue.
O impeachment hoje serve aos corruptores e aos corruptos.
A história recente mostra que há um certo viés na ação anticorrupção, principalmente no Paraná.
Só petista ou próximo ao PT vai para cadeia.
Há uma profunda revisão do que é o nosso capitalismo e o agente desse processo é o governo.
Nenhum outro governo jamais fez isso.
Está agindo sobre o coração do capitalismo brasileiro, que é inteiramente corrupto.
É essa imbricação entre o público e o privado que está sendo desvendada hoje.
Infelizmente, pelo viés antigovernista dos agentes da PF, não se investigou nada da época do FHC.
Por um viés da radicalização política, está se colocando na cadeia membros do PT.
Esse processo vai ter um impacto de longo prazo no partido.”
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A visão é do sociólogo Adalberto Cardoso, 53,
diretor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos
da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
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Para ele, é ingenuidade não identificar
interesses externos na crise política.
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“O impeachment interessa às forças que querem mudanças na Petrobras:
grandes companhias de petróleo, agentes nacionais que têm a ganhar
com a saída da Petrobras da exploração de petróleo”, diz.
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Doutor pela USP, Cardoso afirma que o projeto sobre terceirização
leva as relações de trabalho para o século 19.
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Na sua análise, as mobilizações da semana passada mudaram a qualidade do debate
sobre o tema, e votar a favor da mudança na CLT é suicídio político.
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Autor de dez livros – entre eles “A Construção da Sociedade do Trabalho no Brasil” (FGV, 2010)
e “Ensaios de sociologia do mercado de trabalho brasileiro” (FGV, 2013)-,
ele avalia que o projeto sofrerá mudanças.
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A seguir, trechos da entrevista concedida por telefone desde o Rio.
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FSP: Como o sr. avalia os desdobramentos da crise política após a prisão do tesoureiro do PT?
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ADALBERTO CARDOSO: O combate à corrupção é necessário.
A corrupção é uma prática empresarial antiga no Brasil, basta lembrar dos usineiros.
O que vivemos hoje é parte de um processo de limpeza e, espero, de correção dessa herança histórica de conluio entre o público e o privado.
As elites e vários agentes sociais não sabem separar o púbico e o privado.
O Estado sempre funcionou a serviço das elites econômicas.
Quando há um amplo combate à corrupção, o potencial de crise é muito grande.
O que a Lava Jato está expondo é a forma como o capitalismo se organiza no Brasil.
O capitalismo no Brasil é constituído de forças com capacidade de corromper os poderes públicos para que a sua atividade possa caminhar sem problemas.
Há uma burocracia infernal, os custos operacionais são grandes.
A cada passo a empresa tromba com uma agência estatal.
Aí corrompe essa agência para que sua atividade possa continuar.
É a maneira mais fácil e rápida.
Existe uma simbiose muito grande entre agências estatais e grandes corporações e grupos econômicos, que usam o Estado como agente seu.
.
A Lava Jato está mexendo com profundos interesses empresariais e políticos.
Aqueles que estão clamando pelo impeachment estão querendo impedir que essa limpeza continue.
O impeachment hoje serve aos corruptores e aos corruptos.
A história recente mostra que há um certo viés na ação anticorrupção, principalmente no Paraná.
Só petista ou próximo ao PT vai para cadeia.
Há uma profunda revisão do que é o nosso capitalismo e o agente desse processo é o governo.
Nenhum outro governo jamais fez isso.
Está agindo sobre o coração do capitalismo brasileiro, que é inteiramente corrupto.
É essa imbricação entre o público e o privado que está sendo desvendada hoje.
Infelizmente, pelo viés antigovernista dos agentes da PF, não se investigou nada da época do FHC.
Por um viés da radicalização política, está se colocando na cadeia membros do PT.
Esse processo vai ter um impacto de longo prazo no partido.
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FSP: Como o sr. analisa as posições que apontam interesses externos nesse ambiente, especialmente em relação à Petrobras e ao pré-sal?
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ADALBERTO CARDOSO: Seria ingenuidade imaginar que não há interesses internacionais envolvidos nessa questão.
Trata-se da segunda maior jazida do planeta.
Existem interesses geopolíticos de norte-americanos, russos, venezuelanos, árabes.
Só haveria mudança na Petrobras se houvesse nova eleição e o PSDB ganhasse de novo.
Nesse caso, se acabaria o monopólio de exploração, as regras mudariam.
O impeachment interessa às forças que querem mudanças na Petrobras:
grandes companhias de petróleo, agentes nacionais que têm a ganhar com a saída da Petrobras da exploração de petróleo.
Parte desses agentes quer tirar Dilma.
Esse tema vai voltar como o mais importante da eleição de 2018.
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FSP: Há uma ação coordenada vinda de fora?
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ADALBERTO CARDOSO: Não acho. Não acredito em teorias internacionais da conspiração.
Mas não há dúvida que há financiadores desses movimentos de direita que chamam as pessoas para rua.
As faixas têm a mesma tinta, mesmos dizeres, as camisetas são iguais, os enfeites.
Alguém está bancando.
Interessa a determinadas forças internacionais a desestabilização política do Brasil.
O petróleo é um ativo num ambiente altamente explosivo, um recurso importante de poder.
O Brasil está se tornando independente em petróleo.
Daqui a pouco, será exportador.
É obvio que os EUA estão olhando para isso.
Não tem como não estar.
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FSP: Como o sr. analisa a ação do Congresso?
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ADALBERTO CARDOSO: Eduardo Cunha está agindo como manda Maquiavel: fazendo maldades de uma vez.
Em parte porque não sabe se há sustentabilidade para essa agenda que resolveu abrir: redução da maioridade penal, terceirização, armas.
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FSP: Mas os protestos na semana passada contra o projeto de terceirização não provocaram um recuo, com o adiamento da votação?
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ADALBERTO CARDOSO: Eduardo Cunha percebeu que cometeu um erro no caso da terceirização.
Uma coisa é tirar da gaveta temas conservadores da agenda dos costumes – proibição do aborto, redução da maioridade penal.
É diferente de mexer em direito das pessoas, principalmente no direito do trabalho.
A CLT, que tem 72 anos, faz parte do que o Brasil é.
Foi uma conquista dos trabalhadores, fruto de lutas, greves ao longo de décadas.
Os trabalhadores nascem sabendo que terão direito.
Cunha tocou num ponto muito sensível de uma maneira muito atabalhoada e gerou a reação que gerou.
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FSP: Por que houve recuo no amplo apoio recuo ao projeto?
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ADALBERTO CARDOSO: É um suicídio político para qualquer partido [apoiar a terceirização].
No caso do PMDB é mais grave porque ele foi o patrono da Constituição de 1988.
O projeto da terceirização é um tiro no peito da Constituição de 88, pois destrói direitos sociais e do trabalho no Brasil.
O custo para os partidos será muito alto se isso passar e isso foi percebido.
[O Deputado Federal do Partido Solidariedade e Líder da Força Sindical]
Paulo Pereira da Silva deu um tiro na cabeça com esse projeto.
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FSP: Com as manifestações da última quarta o projeto tem menos chance de passar?
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ADALBERTO CARDOSO: Não tenho dúvida.
Houve uma mudança na qualidade do debate.
A sociedade reagiu ao projeto.
A CUT, os sindicatos e partidos conseguiram botar mais gente na rua no que nos protestos de 12 de março.
Os políticos que não levarem isso em consideração estão dando um tiro no pé.
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FSP: Essa mobilização pode virar o jogo e galvanizar a esquerda?
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ADALBERTO CARDOSO: No parlamento, essa é uma possibilidade real.
Não sei se uma reentrada no debate das posições de esquerda.
Existe a possibilidade de pacificação no parlamento, principalmente na Câmara.
O presidente do Senado disse que a lei como está não passa na casa.
O PMDB não é só o que se diz na mídia.
É um partido de alguma maneira comprometido com as causas sociais.
Ele, em parte, herdou a história da luta contra a ditadura e da construção da democracia.
Ainda que dois de seus líderes estejam sob investigação judicial, não quer dizer que o partido tenha abdicado inteiramente da sua história de apoio às lutas sociais.
Abrir mão disso é um risco muito alto para esse partido também.
Outros movimentos por parte de Dilma, como chamar Michel Temer e flexibilizar o ajuste fiscal, podem ajudar na pacificação.
Não vai pacificar Cunha, que tem uma agenda conservadora do lado dos costumes e vai continuar tentando implementá-la.
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FSP: O projeto da terceirização vai fracassar?
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ADALBERTO CARDOSO: Metade da Câmara é composta por empresários,
que apoiam o projeto e têm muito a ganhar com ele, sem exceção.
Ele precariza as relações de trabalho e gera redução de custos.
Vai haver uma pressão muito grande por parte do lobby empresarial e financeiro.
Mas haverá também povo na rua fazendo barulho.
Político preocupado com sua sobrevivência ouve a rua.
Político preocupado com sua reeleição ouve quem paga a campanha.
Isso vai criar uma tensão séria no Congresso.
Suspeito que vai haver uma amenização do projeto, mas não acho que a questão da terceirização foi para o brejo.
Foi para o brejo tal como está. A regulamentação da contratação de terceiros vai passar com algum outro formato.
Esse formato do atual projeto leva as relações de trabalho no Brasil para o século 19, um momento na história do mundo ocidental que não havia proteção para o trabalhador.
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FSP: A presidente deveria ter anunciado que vetará o projeto?
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ADALBERTO CARDOSO: Ela já deveria ter feito isso.
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FSP: Por que não o fez? Faz pare da guinada da presidente?
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ADALBERTO CARDOSO: Não chamaria de guinada.
Muitos se esquecem das maquiagens feitas nos anos anteriores.
A contabilidade criativa foi aceita pelos agentes econômicos porque eles estavam ganhando com isso.
O governo estava emprestando muito dinheiro via BNDES, injetando muitos recursos na economia para ver se estimulava o investimento.
Desonerou a folha de pagamento e deu subsídio a empresas.
O governo perdeu R$ 28 bilhões por conta da desoneração da folha.
Isso significou a transferência líquida de R$ 28 bilhões da mão do Tesouro para as empresas.
O déficit gerado nas contas foi para sustentar a economia e transferir recursos públicos para o empresariado.
Para ver se investiam; nem assim investiram.
As empresas entesouraram o dinheiro, aplicaram no mercado financeiro e ficaram esperando para ver se ela iria perder a eleição.
O que o Joaquim Levy fez foi acabar com a maquiagem das contas públicas.
O ajuste era inevitável.
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FSP: A presidente não fala sobre terceirização para não se indispor com o empresariado?
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ADALBERTO CARDOSO: Não acho. Ela sabe que, em alguns setores da economia, o trabalho terceirizado dá mais eficiência e pode ser necessário.
O que é inaceitável – e deveria ser inaceitável para um governo do PT – é a terceirização das atividades fim.
Há um ponto central.
Um artigo no fim do projeto anistia os empresários que hoje estão em situação ilegal.
Ficam anistiados todos que hoje contratam ilegalmente mão de obra terceirizada, inclusive os que têm trabalho escravo.
Se o projeto for aprovado, no dia seguinte esses contratos vão ser rescindidos sem que os contratados tenham direito a qualquer tipo de recurso.
Isso é um descalabro tão claro que qualquer um diz que o projeto está querendo destruir o Brasil.
Dilma deve ter claro que o projeto como esta é inaceitável.
No meu mundo ideal, não haveria terceirização.
Haveria proteção do trabalhador, e os empresários que busquem redução de custos em outro lugar.
Não naqueles que produzem a riqueza, que são os trabalhadores.
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FSP: Como explicar a queda abrupta na aprovação da presidente?
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ADALBERTO CARDOSO: O ajuste fiscal é profundo, mas ainda não atingiu o cotidiano das pessoas.
O que atingiu foi a inflação e a queda na popularidade tem mais a ver com isso e com a construção de um ambiente político que diz que o Brasil acabou.
Estrangeiros que chegam aqui não entendem esse clima de fim de mundo.
A população não é imune a esse tipo de propaganda.
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FSP: Qual a responsabilidade no governo nesse quadro?
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ADALBERTO CARDOSO: Existe uma incapacidade de liderança política do governo, que poderia estar tentando liderar a construção de uma visão alternativa.
Mas hoje, nesse ambiente de fim de mundo, a possibilidade de fazer isso é muito pequena.
Tudo a Dilma diz cai nesse ambiente e é triturado.
A voz dela não é ouvida.
Se fala em ‘petralhas’, ladrões, esse é o clima.
A mídia tem uma importância brutal e central nisso.
O clima pós eleitoral ainda não acabou e a oposição ainda não aceitou que perdeu a eleição.
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FSP: Como o sr. analisa o futuro do PT?
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ADALBERTO CARDOSO: Tudo vai depender do que vai acontecer nos próximos meses.
Se a questão do impeachment evoluir – o que não considero o cenário mais provável – o PT vai sofrer um revés que levará anos para se refazer.
Há um outro cenário de sangramento contínuo de Dilma, com ela ficando totalmente submissa ao Congresso, um esvaziamento da presidência.
O cenário mais provável é de uma crise este ano, estabilização em 2016, retomada em 2017 e o Brasil chegar bombando em 2018, como aconteceu em 2010.
Isso com o ajuste produzindo os efeitos que os economistas dizem que ele vai produzir:
mudança da expectativa dos empresários, retomada de investimentos pelo Estado, mais infraestrutura, retomada do emprego, de melhoria dos salários, inflação mais controlada.
Um governo mais bem avaliado, com possibilidade de fazer sucessor.
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FSP: Com Lula?
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ADALBERTO CARDOSO: A tentativa hoje é destruir o governo, o PT e o Lula.
Destruir essa alternativa eleitoral.
O que está em jogo no país é um processo de desconstrução de uma alternativa eleitoral de esquerda.
Querem destruir o PT como alternativa de poder no Brasil.
O PT paga um preço alto por fazer o que os partidos de esquerda fazem:
distribuição de renda, melhoria de vida para os mais pobres, redução da desigualdade social.
Uma parte do Brasil está reagindo de forma muito pesada contra isso.
São empresários, os que votaram na oposição e não aceitam o resultado eleitoral, e a Imprensa.
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FSP: O PT não agiu contra si próprio?
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ADALBERTO CARDOSO: O PT tem culpa nisso. Isso decore dos paradoxos do sucesso de qualquer organização que chega ao poder central.
O PT foi efetivo ao dar ao capitalismo condições mais dignas de funcionamento, proporcionando melhores condições de vida para as pessoas.
O PT nunca foi partido revolucionário.
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FSP: A liderança de Lula foi abalada?
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ADALBERTO CARDOSO: Ninguém está imune ao processo de desconstrução.
Mas Lula é o Lula.
Hoje ele sofre as consequências do dessoramento do projeto político do PT em função da crise econômica e política.
Se o cenário da retomada se concretizar, Lula pode voltar a ser o que era.
Ele estará no segundo turno de qualquer eleição e tem muito o que mostrar.
Se for candidato, é um dos mais fortes em 2018.
A única alternativa da oposição é continuar batendo no impeachment.
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FSP: Qual sua visão sobre Aécio?
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ADALBERTO CARDOSO: Aécio voltou com a agenda do impeachment, que parte do PSDB estava abandonando, por duas razões.
Primeiro, porque Eduardo Cunha tomou a dianteira da agenda da oposição e de direita de maneira muito eficiente nos últimos meses.
Em segundo lugar, porque os que foram às ruas no domingo começaram a chamar Aécio de “cagão”, porque ele não vinha [pessoalmente].
A única bandeira que ele tem nesse debate é a do impeachment.
No PSDB já foi dito que eles não podem cometer o mesmo erro de 2005, quando não levaram adiante o processo. Estão escaldados. Perderam em 2006 e em 2010.
Acharam que o Lula iria sangrar até o final, mas o Brasil voltou a crescer e o Lula saiu com 80% de aprovação.
Isso pode acontecer de novo.
Eles olham para traz e dizem que cometeram um erro.
Dizem que Dilma não é o Lula, que o congresso não vai sustentar Dilma como sustentou Lula e querem levar até o fim esse negócio.
A agenda do impeachment, que o Aécio diz que não é golpista, nesse caso é.
É uma agenda de quem ainda não aceitou o resultado do processo eleitoral.
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FSP: Como o sr. define esse momento historicamente. Há paralelos?
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ADALBERTO CARDOSO: O momento é único.
Comparam com Jango, mas é muito diferente.
Lá havia paralisia decisória no Congresso, com uma presidência muito fraca,
e com os militares sendo a força de oposição mais importante.
Hoje não há isso. Não temos conspiração militar.
O clima hoje é de fim de mundo em razão da corrupção. Isso matou Vargas.
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É um momento de muita incerteza.
É único também porque nunca tivemos instituições democráticas tão sólidas.
Temos um Judiciário é autônomo como nunca tivemos, um parlamento que é representativo do que é o Brasil, que é conservador.
Temos uma crise desse tamanho – com perda da capacidade do PT de liderar o centro político, com pedidos de impeachment – e ela não está desestabilizando o sistema político.
Pelo contrário, a crise reforça os aspectos virtuosos da nossa democracia.
Isso também é uma novidade.
Antes, crises assim levavam a golpismo militar.
Agora se tem golpismo, mas institucional.
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Nesse ambiente contaminado, o PT e a esquerda perderam a capacidade de liderar o centro.
Lula conseguiu fazer isso.
Dilma o fez até 2013, quando ela perdeu o centro, capturado pela direita.
Cunha puxou o centro para o seu lado.
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FSP: Como chegamos até aqui?
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ADALBERTO CARDOSO: Essa situação de radicalização decorre, em parte, de um processo mais longo de desgaste, não só eleitoral, mas da capacidade de condução política do PT.
Começou há mais tempo, mas os movimentos de junho de 2013 são emblemáticos e mudaram a pauta do Brasil.
Até ali, o governo tinha uma aprovação acachapante e o controle da agenda política.
O caldeirão continuou fervendo em 2013 e 2014 e explodiu na eleição.
Os temas continuaram se radicalizando nas redes sociais.
O caminho do meio, de conciliação de políticas contrárias, foi perdido.
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FSP: Por quê?
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ADALBERTO CARDOSO: As mídias sociais permitem um certo tipo de radicalização que na esfera política não tinha como prosperar no Brasil.
As mídias sociais e a imprensa abdicaram da construção de um caminho do meio, tomaram partido, e isso ajudou no processo de radicalização.
O governo foi se sentindo mais acuado; suas forças de apoio também radicalizaram suas posições, o que levou a uma campanha eleitoral muito radicalizada.
Não esperava que a agressividade de ambos os lados chegasse ao nível que chegou, de ameaças à própria democracia.
Foi exagerada a forma como a campanha de Dilma destruiu a Marina.
Aécio também fez uma campanha radicalizada para a direita, porque o centro foi ocupado pela Marina.
Chegamos a 1º de janeiro saídos de uma campanha eleitoral muito sangrenta.
O Congresso foi impondo à Dilma seguidas e grandes derrotas.
A primeira foi a eleição de Eduardo Cunha, um inimigo declarado do PT.
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(http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/04/1621134-entrevista-eleonora.shtml)
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