Álvaro dos Santos: Os sistemas de alerta em áreas de risco escondem crimes de omissão

Tempo de leitura: 3 min

Foto: Antonio Lacerda/Agência Estado

ÁREAS DE RISCO: SISTEMAS DE ALERTA ESCONDEM CRIME DE OMISSÃO

por Álvaro Rodrigues dos Santos, especial para o Viomundo

Diferentemente de países com vulcanismo ativo, terremotos, furacões, tempestades tropicais cíclicas e outros poderosos agentes da Natureza, no Brasil as áreas de risco estão inequivocamente associadas a erros humanos na ocupação de terrenos geológica, geotécnica ou hidrologicamente mais sensíveis e instáveis.

Por exemplo, no caso de deslizamentos são ocupados terrenos que por sua enorme suscetibilidade natural a esse tipo de fenômeno não poderiam de forma alguma ser ocupados.

Ou são ocupados terrenos de média e alta declividades perfeitamente passíveis de receber uma ocupação urbana, mas com o uso de técnicas construtivas e arranjos urbanísticos a eles tão inadequados que, mesmo nessa condição mais favorável, são transformados em um canteiro de áreas de risco.

Aliás, as áreas de risco a deslizamentos no país são em sua grande maioria dessa natureza.

Destaque-se que nessas duas condições, como também no caso de margens de córregos e várzeas sujeitas à inundação, a criação de áreas de risco está intimamente associada à busca de terrenos mais baratos por parte da população de baixa renda, que somente dessa forma consegue fugir de aluguéis e ter sua própria moradia.

Dessa constatação, ou seja, a responsabilidade humana na instalação de áreas de risco, deduz-se que, diferentemente dos países com terremotos e vulcanismo ativo, por exemplo, no Brasil a eliminação do problema áreas de risco depende, na esmagadora maioria dos casos, apenas da decisão humana em não mais cometer os erros que estão na origem causal do problema.

Daí a importância em se distinguir o diferente papel dos sistemas de alerta naqueles países onde os fatores de risco são realmente naturais e incontroláveis e em nosso país, onde os fatores de risco são antrópicos, e, portanto, controláveis.

No Brasil, o papel de um sistema de alerta deveria cumprir uma função nitidamente emergencial e provisória. Ou seja, é indispensável sua adoção enquanto ainda estejam sendo efetivadas as medidas verdadeiramente estruturais que podem e vão eliminar o risco detectado.

E quais seriam essas medidas estruturais voltadas à eliminação de riscos?

Podemos assim elenca-las concisamente:

• criterioso planejamento do crescimento urbano, impedindo-se a ocupação de terrenos com condições naturais de muito alto risco e adotando-se planos urbanísticos e técnicas construtivas corretas na ocupação de terrenos de alto e médio riscos;

• implementação de programas de habitação popular que atendam a demanda da população de baixa renda por casa própria, reduzindo assim a pressão pela ocupação de terrenos impróprios à urbanização;

• desocupação de áreas de muito alto risco já instaladas, com realocação dos moradores em novas habitações dignas e seguras;

• consolidação urbanística e geotécnica de áreas de alto, médio e baixo riscos já instaladas.

Desgraçadamente, por incúria, desvios éticos e total descaso com o ser humano, essas medidas estruturais destinadas à eliminação dos riscos não recebem a mínima atenção dos três níveis de governo, o federal, o estadual e o municipal.

À exceção do crescimento do número de mapeamentos de risco, com a produção de cartas de suscetibilidade, cartas de risco e cartas geotécnicas, ferramentas imprescindíveis para a gestão do risco urbano , mas apenas ferramentas, pode-se dizer que muito perto do absolutamente nada está sendo feito em matéria de implementação de medidas estruturais de real combate ao risco.

E é nesse cenário que se apresenta como um expediente oportunista de extrema crueldade humana a decisão de dotar sistemas de alerta ao risco de caráter permanente e como única medida de gestão de riscos que, pelos seus baixos custos financeiros e sua descomplexidade política, é de fato implementada.

Seria muito interessante ver como as autoridades públicas responsáveis por esse crime de omissão reagiriam se morassem em área de risco e fossem submetidas à brutalidade de, ao som de alucinante sirene ou torpedo no celular, terem que deixar suas casas de madrugada, sob chuva torrencial, carregando seus idosos, crianças, doentes e parentes com necessidades especiais para fugir da possibilidade de serem tragados pelo barro e pelas pedras de um deslizamento.

Geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos ([email protected]) foi diretor  de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas.  É autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”. É consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente

Leia também: 

Mesmo sendo dono de apartamento de 256 m² em Curitiba, Moro recebe auxílio-moradia de R$ 4.378


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Rogerio Belda

Trabalhou no Metro S.P. um padre (Amigo do Betinho) em um programa de orientação de menores. Anos depois, fiquei sabendo que havia mudado para uma “favela” em São Paulo e eu fui visita-lo. Lá havia uma residência de padres católicos que ajudavam a população local. Tomei conhecimento de histórias incríveis, como de uma senhora imobilizada por razões de saúde e que era cuidada pelos vizinhos. Porque esta “volta” toda? Para dizer que minha mulher, ainda solteira, dava aulas de alfabetização um uma famosa favela carioca. (Corta para outro aspecto : Uma área de proteção ambiental circundando toda Lisboa, em Portugal, foi exatamente onde as invasões construíram habitações precárias! ). Voltando para a Pindorama: Findada a “Guerra de Canudos” com a destruição do arraial do beato Antônio Conselheiro, as tropas federais da 4ª Expedição foram desarranchadas no Rio de Janeiro, perto de onde hoje está a estação principal da ferrovia Central do Brasil. Os contingentes recrutados em diferentes estados brasileiros, em lugar de retornar aos seus locais de origem, subiram no morro próximo à principal estação ferroviária do Rio-de-Janeiro. A este acampamento denominaram de FAVELA por ser a denominação do morro onde estiveram acampados durante o conflito na 4ª expedição de extermínio. E assim surgiu um novo substantivo no vernáculo brasileiro, deixando FAVELA de ser apenas uma arvore-do-agreste com favas…, para tornar-se uma nova palavra do vernáculo para designar ocupação urbana precária. Diversos outros comentários caberiam a respeito. Acrescentarei apenas mais um: O interior destas residências é mais bem cuidado que o seu exterior. Já os aspectos de segurança geológica nem tanto. ( Os primeiros aglomerados urbanos nas terras brasileiras, também foram erigidos em morros, com ruas tortas, por razões de segurança ).

a.ali

ótimo texto e de quem entende mas os governos não tem o mínimo interesse, afinal, quem se, digamos, se aventura a fazer uma moradia em local de risco são pessoas com baixo ou nenhum poder aquisitivo, portanto… mas se for um local, mesmo de risco, mas exuberante e acontecer um desmoronamento e atingir uma casa de alguem com $, podem ter certeza que vira notícia por dias!
contatarei com o autor sobre as obras escritas e mencionadas.

Deixe seu comentário

Leia também