Alexandra Mello: Que lugar de fala a criança tem tido na escola, na família ou no consultório?

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Lugar de fala

por Alexandra Mello, especial para o Viomundo

Lugar de fala, ao que parece, é o termo que define a legitimidade de um discurso. Só tem legitimidade o discurso de quem fala, do lugar a respeito do qual está falando.

Garante o protagonismo daquele que tem a vivência da discriminação e opressão. O opressor só tem voz, na ausência do oprimido, para defendê-lo.

Caso contrário, sua fala é uma apropriação da fala de quem tem a propriedade para. De tão calado que foi por tantos anos, o oprimido quer ter a garantia de que é dele o lugar da fala.

Fico pensando se, ao lutar tanto por essa apropriação, as minorias sociais não acabam subtraindo da luta pelos seus direitos, aqueles que fazem parte de grupos privilegiados, mas que mesmo sem a vivência da opressão poderiam contribuir.

Já ouvi, por exemplo, homens dizendo, “sei que é árdua a batalha pela afirmação do papel da mulher na nossa sociedade. Reconheço e apoio. Mas não é meu o “lugar da fala””.

O que isso significa exatamente? Que não cabe a ele discurso algum em defesa da mulher? Será que ao tirar dele o lugar da fala, não o colocamos no lugar da indiferença? Se está do lado do opressor, será que não é hora de trazê-lo para o nosso? De chamá-lo para o debate?

Não há debate quando um lado tem a fala e ao outro, resta apenas a escuta. Não me sinto nada acolhida quando escuto “reconheço e apoio, mas não é meu o lugar da fala”. Seria muito melhor escutar algo como, “reconheço, apoio e conte comigo”.

Isso tudo me leva a pensar também nas crianças. Será que elas também não estão oprimidas, num modelo de vida em poder do outro (adulto)?

Só que sem lugar algum de fala. Porque quando tentam, logo trabalhamos para enquadrá-las. Não sendo escutadas, acabam gritando por meio de comportamentos considerados inadequados, que muitas vezes acabam sendo abafados por ritalinas e concertas. Ignoramos o fato de que outras tantas inadequações vindas do mundo que tentamos impor podem ter sido a origem do “problema” que acaba sendo atribuído a elas.

Por que há tão pouca escuta ao que têm a dizer? Por que temas ligados às suas necessidades são tão pouco compartilhados em redes sociais? Ainda não está claro que elas é que poderão mudar o mundo lá na frente? Mas como farão isso se continuarem sendo submetidas a um modelo que não contribui para a formação de seres autônomos, moral e intelectualmente?Que lugar de fala ela tem tido na escola? Na família? Ou, às vezes, no consultório do psiquiatra?

Espera-se delas obediência e disciplina em primeiro lugar. E como prêmio para o bom comportamento, o direito a brincar. Ou o contrário: tira-se o brincar como punição. Quando é que vamos entender que é o inverso disso?

Quanto mais direito a brincar ela tiver, mais “comportada” será. Por uma razão simples: não terá que lutar tanto por um direito que é tão básico como comer. E também porque é no espaço do brincar (livremente), que se expressa e elabora conflitos. É no brincar que está o seu lugar de fala.

Apesar da discussão toda em torno de a quem pertence esse lugar, as lutas contra todas as opressões têm ocupado um enorme espaço nas redes sociais e, no entanto, a defesa pelos direitos da criança permanece restrita aos profissionais da área.

Esse é um barulho que todos deveríamos fazer. Não vejo a possibilidade de uma sociedade verdadeiramente democrática, se não dermos o devido valor à infância e aos professores da Educação Básica. Eles são muito mais determinantes para a formação de cidadãos conscientes do seu papel do que imaginamos.

Essa luta precisa ganhar espaço e cabe a cada um de nós olhar pra isso com um pouco mais de seriedade. A Finlândia fez isso.

Lá as crianças são preparadas para a vida e não para as provas, que são muito raramente aplicadas. Também são raros os deveres de casa.

Optaram por estimular que pais e filhos visitem museus, por exemplo, ao invés de usarem o tempo com as tarefas. Crianças podem escolher se ficam sentadas em mesas ou num tapetinho no chão. Descalças ou com sapato. O conforto é mais importante que a disciplina. E isso, ao contrário do que se pensa aqui, não cria crianças “sem limites”. Mas crianças felizes e motivadas.Não se escolhe uma escola para o filho. A melhor é a do bairro, já que todas oferecem esta mesma qualidade. E a profissão de professor é extremamente valorizada e desejada.

É claro que no Brasil, o desafio é enorme. Mas já existem várias escolas que tiveram a coragem de passar por essa transformação.

Talvez, espalhar essas ideias pelas redes seja uma boa maneira de contribuir. Quem sabe um dia, crianças pequenas voltem a ser cultivadas em jardins de infância, onde brincar seja o seu trabalho mais sério.

Alexandra Mello é psicóloga/psicopedagoga

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