A Grécia, forçada a abandonar a zona do euro

Tempo de leitura: 4 min

A Grécia deve declarar moratória e abandonar o euro. O verdadeiro debate é como

A moratória grega e a saída do euro devem atender ao interesse público — não se pode deixar o processo nas mãos da União Europeia, do FMI e dos bancos

por Costas Lapavitsas, no jornal britânico Guardian, em 19.09.2011

A Grécia está diante de um desastre econômico e social, como resultado do assim chamado resgate pela troica da União Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu. A Grécia deve mudar de curso para evitar um futuro sombrio para seu povo: deve declarar moratória de sua dívida e sair da zona do euro.

Considerem primeiro a escala da crise. Depois das contrações de 2009 e 2010, o PIB caiu mais 7,3% no segundo semestre de 2011. O desemprego se aproxima de 900 mil pessoas e há projeção de que deve exceder 1,2 milhão de pessoas, numa população de 11 milhões. Estes dados nos fazem lembrar da Grande Depressão dos anos 30.

As causas claramente se encontram no programa econômico da troica. No início de 2010 a Grécia estava de fato falida. Com sua sabedoria, a troica impôs políticas de austeridade severa e desregulamentação consistente com a ideologia neoliberal da União Europeia. Previsivelmente, a demanda desabou e o crédito bancário se tornou escasso, resultando no esmagamento do coração da economia grega.

As implicações sociais são catastróficas. Comunidades inteiras foram devastadas pelo desemprego, com a perda dos meios de sobrevivência e a perda das normas, costumes e respeito trazidos pelo trabalho regular. O escambo é usado pelos pobres e pelos nem tão pobres. Nos serviços médicos em bairros da classe trabalhadora há falta de provisões básicas. Escolas e transporte estão se desintegrando. As pessoas estão abandonando as cidades e retornando à agricultura, um sinal claro de regressão social.

Com o aprofundamento da recessão, o programa da troica fracassou mesmo em atingir suas próprias metas. O déficit do orçamento de 2011 deve chegar aos 10% do PIB, quando a meta era pouco acima de 7%. A proporção dívida-PIB poderá atingir 200% em 2013, quando era de 115% em 2009. Mas a troica se nega a aceitar seu fracasso e no início de setembro chantageou a Grécia: adote novas medidas de austeridade ou não haverá novos empréstimos. O governo cedeu, introduzindo o equivalente a um pesado imposto sobre as propriedades. Um novo encontro com a troica foi marcado para hoje, a partir do qual haveria demissão maciça de servidores públicos, novos cortes de salários e aposentadorias, novo aumento de impostos indiretos e assim por diante.

Estas medidas provavelmente vão fracassar: vão intensificar a recessão e enfrentar oposição política. O governo de George Papandreou está isolado e o partido governista perdeu qualquer capacidade de gerar apoio popular. A oposição oficial, Nova Democracia, tem criticado as políticas da troica, esperando obter ganhos eleitorais. Os partidos da esquerda já pregam desafio aberto às políticas e moratória.

Na prática, a Grécia está à beira da moratória e de abandonar o euro. Esta é a dura realidade, embora nenhum dos principais partidos esteja preparado para admitir. A tragédia é que a Grécia tem agora uma economia muito mais fraca que em 2010. É possível, asim, que haverá grande revolta econômica e social, com resultados imprevisíveis.

Levando em conta o melhor interesse público, o que um governo deveria fazer? O primeiro passo seria a moratória, mas sem deixar o processo nas mãos dos banqueiros, da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional, pois temos provas do que isso significaria. Em julho passado a Grécia concordou em trocar a dívida antiga pela nova, o que reduziria seu passivo com os bancos em 21%. Mas a Grécia também precisou dar maciças garantias colaterais aos bancos, com o resultado final de que sua dívida com os bancos pode ter se tornado maior. Ainda assim, muitos bancos não aceitaram o acordo incrivelmente favorável, apostando em vez nisso que a Grécia pagaria a dívida sem desconto.

Se a moratória for para assegurar um profundo cancelamento da dívida, deve ser conduzida pela Grécia e ser coercitiva em relação aos bancos credores. Mas também deve ser democrática, baseada numa auditoria independente para avaliar quanto da dívida pode ser ilegítima. A Grécia tem algumas vantagens neste ponto. A maior parte dos papéis públicos são sujeitos a leis domésticas quanto aos termos do pagamento, leis que podem ser alterados por um ato do Parlamento. Além disso, os empréstimos de resgate feitos pela União Europeia e FMI podem ser declarados ilegítimos por uma auditoria independente. O povo grego poderia, assim, reconquistar parte de sua auto-estima, destruída de forma selvagem durante os últimos anos.

O segundo passo seria a saída da zona do euro, mas de forma que trouxesse benefícios a longo prazo para os trabalhadores, não para os empresários e os bancos.

Contrariamente ao que se diz com frequência, a Grécia não vai entrar em colapso se abandonar o euro. Afinal, as uniões monetárias tem data de validade limitada e a da Europa é particularmente mal estruturada. O abandono do euro é a forma mais sensível para a Grécia restaurar sua competitividade e começar a recuperação. A alternativa é continuar com pacotes de austeridade que não funcionam e que vão levar a um declínio econômico de longo prazo.

Um governo progressista daria vários passos decididos: mudar para uma nova drachma rapidamente; nacionalizar os bancos; e impor controles de capital.

Seriam necessárias medidas administrativas para assegurar fornecimento de petróleo, alimentos e remédios, além de redistribuição de renda e riqueza para ajudar os mais pobres. A recuperação poderia começar em alguns meses, auxiliada pela desvalorização que ajudaria a indústria a aumentar as exportações e recapturar o mercado doméstico. Se as forças progressistas mostrassem determinação suficiente, seria possível, então, transformar a economia profundamente, mudando o equilíbrio do poder em favor dos trabalhadores.

A moratória e saída do euro causariam tumulto internacional. A dívida grega pode não ser suficientemente grande para ameaçar diretamente os bancos europeus, mas a situação dos bancos no mundo é frágil. A ação grega causaria distúrbio nos mercados secundários da dívida soberana, produzindo potencialmente uma grande crise. Mas as autoridades da União Europeia só teriam a si próprias para culpar,  já que as ações delas é que estão empurrando a Grécia para fora da zona do euro.

Tradução Luiz Carlos Azenha

PS do Viomundo: Os BRICs se propõem a ajudar países europeus, mas não querem saber de comprar papéis nem da Espanha, nem da Itália, dentre outros. Por que será?

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Comentários

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Matheus

Se eu soubesse grego, mandaria ao povo da Grécia uma sugestão relativamente simples, quando comparada com as complicadas e desastrosas receitas de "austeridade", isto é, de desregulamentação, privatização e corte de gastos públicos impostos pela tecnocracia financeira da UE:
-Romper com o euro e recriar a moeda nacional.
-Declarar uma moratória e uma auditoria da dívida pública.
-NACIONALIZAÇÃO DE TODOS OS BANCOS E DO COMÉRCIO EXTERIOR.

cronopio

Excelente texto! Todo apoio ao povo grego!

beattrice

E os gregos já comemoram por antecipação o fim do EURO, até no Canadá.

[youtube UhDgpXWkFHE&feature=player_embedded http://www.youtube.com/watch?v=UhDgpXWkFHE&feature=player_embedded youtube]

edv

A solução é "simples":
Façam um "New Dracma", com câmbio "apropriado"…
Liguem as rotativas do Olimpo e imprimam o "suficiente"…
Troquem dívida velha por dívida nova…
Perdoem (ou melhor, finjam que nem existem) os causadores…
Paguem os banqueiros…
Tais exemplos estão "por aí" desde 2008 (e antes)!
Prontchiu!
E o povo grego?!
Ora, o povo…
Tão querenu mutchiu, né?

O_Brasileiro

Ela deveria ser candidata a presidente, e não ao senado. Tem menos retórica do que o atual presidente, mas parece ter mais coragem!
Inteligência é importante, mas coragem é fundamental nos momentos difíceis!
E coragem não é bombardear países desarmados ou com exércitos falidos…

Quanto à Grécia, parece que o governo atual não habita naquele país. Como disse Churchill: "Não são os gregos que lutam como heróis, são os heróis que lutam como os gregos!"

P.S.: O Banco Central do Brasil vai lucrar uma fortuna em reais com o "derretimento" do real. Pra onde vai esse dinheiro?

Bancos franceses podem empurrar Europa de volta à crise total | Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] A Grécia, forçada a abandonar a zona do euro   […]

beattrice

A Grécia felizmente conta com um movimento sindical fortíssimo que não vai ceder frente aos intere$$e$ indecentes de Paris e Berlim.
Espero que a Grécia seja somente o primeiro país a abandonar essa canoa tão furada que mais parece um queijo suiço, uma "união econômica" que não respeita diversidade cultural, valores de cada sociedade, movimentos sindicais, ou seja, que só pretende representar e defender os intere$$e$ da banca internacional e das corporações transnacionais.

ricardo silveira

E se com mesma falta de alternativa os países que estão na mesma rota da Grécia, como Espanha, Portugal e Itália, por exemplo, resolvessem, a exemplo dos gregos, ficar com a defesa dos interesses da maioria da população? Longe de achar o quanto pior melhor, creio que seria a oportunidade até então nunca apresentada para que alguma coisa nova fosse inventada, muito diferente do liberalismo econômico e, quem sabe um mundo menos autofágico poderia iniciar uma nova história. Menos mal, a continuidade de neoliberalismo significa, simplesmente, babárie.

Rafael

E as teorias neoliberais como ficam?

Gerson

Dica lá do Nassif: Discurso da Pres. Cristina Kirchiner na ONU: http://youtu.be/5SjeCmXepXQ

"Me gustaría que Palestina tuviera este año el lugar 194 en la ONU", aseguró. También, afirmó que "la especulación financiera parece no tener freno", al reclamar mayor regulación al movimiento de capitales.

    beattrice

    Cristina, sempre imbatível.

    Marcio H Silva

    As mulheres na ONU estão dando show.

    Beto_W

    Cristina, assim como Dilma, não tem papas na língua:

    "Hemos venido reclamando que, en virtud de lo dispuesto por la justicia argentina, la República Islámica de Irán se someta a la jurisdicción y permita precisamente que quienes están acusados de haber intervenido, con algún grado de participación en el atentado de la AMIA, puedan someterse a la Justicia."

    "En el año 2013 se van a cumplir 180 años de que los argentinos fuimos desalojados manum militari de nuestras islas Malvinas, el año próximo se van a cumplir 30 años de un episodio sobre el cual pivoteó el Reino Unido, cometido por la más terrible dictadura de la que se tenga memoria y de la cual también fuimos víctimas los propios argentinos."

    "También pedir una vez más la reforma de esta importante organización que representa la multilateralidad, algo que hemos defendido consecuentemente siempre, la necesidad de un mundo más plural, más diverso y de democratizar los organismos políticos como Naciones Unidas y fundamentalmente su Consejo de Seguridad."

    Na íntegra (em castelhano): http://www.presidencia.gov.ar/discursos/25411-66o

Antonio

A lentidão nas decisões da União Européia não é tão ingenua. Afinal, eles querem criar uma situação para a Grécia, e talvez outro país, deixar a zona do Euro.

Marat

Antigamente eles tinham Zeus, Palas Atena, Afrodite etc…, hoje eles têm Alemanha, Inglaterra, EEUU, FMI… do céu ao inferno em poucos séculos!

Marcelo

O governo grego tem que se decidir , ou governa para os gregos ou para o FMI .

ps : azenha hj fiz um post e o coloquei na materia errada , me desculpe .

Gerson

Relaxem, isso é só o fim.

Aqui vai um sonzinhho para os europeus

Plebe Rude – Até quando esperar http://youtu.be/KANFfwHX4xU

ZePovinho

EUSABIA !!!!!!!!!!!!!KKKKKK!!!!!!!!!!

Francisco

Lembro de Lula aconselhando a Grécia a ficar eperta com os conselhos neo-liberais. Na época, se insinuou que Lula falava sobre coisas que não entendia.

De fato, ninguém entende como ainda se anda atrás das idéias desses "jênios"…

Paulo

A Grécia é apenas o primeiro país europeu a entrarem bancarrota. Com a exceção da Alemanha – e isso por enquanto – todos os demais países europeus estão à beira da bancarrota também. Aqui no Brasil a mídia conservadora esconde esse fato, que a própria mídia conservadora européia já não consegue mais ocultar.
A novidade é a reação popular intensa e organizada de todos os povos europeus contra os pacotes neoliberais que os governos estão querendo impor aos povos, seguindo as orientações do FMI.
depois da "primavera árabe" vem aí o öutono europeu".
E aqui no Brasil a direita vai tentando armar uma "primavera brasileira" mas está difícil, pois Dilma Rousseff rouba a cena em Nova York, encantando o mundo com sua inteligência, firmeza e savoir faire. Presidenta para ninguém botar defeito.

    beattrice

    A Alemanha desfruta temporariamente do ledo engano de que desta vez é a Europa que vai à ruína e ela vai ter sua vendetta.
    Quem viver verá.

Marcos

Espero que os próximos entre logo em moratória, sem passar pelo purgatório grego. É bom que os agiotas percam de vez em quando.

    Fabio_Passos

    E o povo grego não tem de pagar nada mesmo.

    Quem tem de pagar são as oligarquias financeiras do mundo todo.
    Os ricos. São eles que tem de pagar!

    multiplus

    achar q apenas os "agiotas" saem perdendo em situação como esssa, é prova da sua ingenuidade!

    só mesmo a ignorancia explica a sua "torcida"…

    beattrice

    Se possível, de vez em sempre.

Leider_Lincoln

Cadê os trolls mocozões que arrotavam choco sobr eo neoliberalismo e suas virtudes?

    Marcio H Silva

    Estão internados em tratamento, porque neoliberalismo na veia é droga das fortes e mata.

Fabio_Passos

Quem mais vai seguir as regras de austeridade impostas pelas oligarquias financeiras?
As receitas destes neoliberais só levam do fracasso para a completa ruína.

Nós já aprendemos(será mesmo?) desde 2008 que o caminho é outro.

SILOÉ-RJ

A Grecia retribuirá as ambições da Europa com o verdadeiro presente de grego.
CALOTE!!!
Bem feito para COMUNIDADE EUROPEIA, achando que só com a valorização do "euro", sem controle e sem investimentos sociais, dominaria o mundo.
Deram com os burros n'agua!!!.

Renan Baptista

A utopia européia de colocar sob o mesmo ordenamento econômico países como, de um lado Alemanha, França e Reino Unido, e de outro Portugal e Grécia demonstrou-se insano. Os caminhos naturais de gastança descontrolada, até mesmo pela falta de uma cultura de responsabilidade e austeridade monetária dos últimos, são dois: (i) miséria, exclusão e abandono da maioria causada objetivamente pela mão pesada de uma elite econômica e financeira nacional (entendam-se, banqueiros, grandes empresários e especuladores de títulos) que nunca perdem nessas horas; (ii) os últimos serem engolidos pelos primeiros.

A Europa unificada é uma utopia. A Europa em guerra generalizada já foi realidade por duas oportunidades. E pelos exatos mesmos motivos de hoje.

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