Marcio Sotelo Felippe: O Pinheirinho e a banalidade do mal

Tempo de leitura: 5 min

por Marcio Sotelo Felippe

O livro que Hannah Arendt escreveu  sobre o  julgamento de Adolf Eichmann em Jerusalém tinha como subtítulo  “a banalidade do mal”. Eichmann foi sequestrado na Argentina pelo Mossad, o serviço secreto de Israel. Havia organizado o sistema de  transporte de judeus para os campos de concentração. Arendt viu um homem medíocre e raso. Um burocrata batedor de carimbos. Alguém que podemos  encontrar na rua levando o cachorro para passear, que nos cumprimenta gentilmente e  fala sobre o tempo. Nenhuma personalidade tonitruante. Mas agindo com carimbos no mesmo plano de Gengis Khan com a espada  ou Torquemada com a fogueira.

Alegava que cumpriu o seu dever, e o que o dever era o imperativo categórico de Kant. Ao afirmar isso, parecia a Arendt que ele era incapaz de imaginar que qualquer interlocutor imediatamente lhe responderia que roubar e matar milhões de pessoas são atos logicamente  incompatíveis com a categoria “dever”. E que não poderia haver tréplica  possível a este argumento. Que ninguém escolhe viver em uma sociedade de ladrões e assassinos, o que é uma implicação primária do imperativo categórico. Ou de  qualquer sistema inteligível de moralidade.

Arendt percebe que Eichmann é incapaz de raciocínio moral minimamente superior à noção de cumprimento de ordens. Que seus juízos são rudimentares. Que na sua “filosofia moral” as consequências das ordens recebidas são irrelevantes, mesmo que milhões de pessoas estejam morrendo. Podemos imaginar que um transporte bem sucedido de judeus para Auschwitz terá sido efusivamente festejado, e que Eichmann terá brindado com champagne seu sucesso funcional em vários momentos, com subalternos e superiores hierárquicos.

Eichmann tinha um intelecto que lhe permitia organizar o transporte compulsório de milhões de presos. Mas em sua defesa era incapaz de formular um raciocínio moral que fosse além do conceito de cumprimento de ordens.

“A acusação deixava implícito que ele não só agira conscientemente, coisa que ele não negava, como também agira por motivos baixos e plenamente consciente da natureza criminosa de seus feitos. Quanto aos motivos baixos, ele tinha certeza absoluta de que, no fundo de seu coração, não era aquilo que se chamava de innerer Schweinehund”, um bastardo imundo; e quanto à sua consciência, ele se lembrava perfeitamente de que só ficava com a consciência pesada quando não fazia aquilo que lhe ordenavam – embarcar milhões de homens, mulheres e crianças para a morte, com grande aplicação e o mais meticuloso cuidado. Isso era mesmo difícil de engolir. Meia dúzia de psiquiatras haviam atestado sua “normalidade” – “pelo menos mais normal do que eu fiquei depois de examiná-lo”, teria exclamado um deles, enquanto outros consideraram seu perfil psicológico, sua atitude quanto a esposa e filhos, mãe e pai, irmãos, irmãs e amigos, “não apenas normal, mas inteiramente desejável” (Eichmann em Jerusalém, Companhia das Letras, pag. 36/37).

Um homem normal. Dedicado à família, leal a seus amigos, cumpridor de seus deveres. A banalidade: sua máxima instância moral era o que lhe diziam ser o dever. Qual o sentido do dever que lhe impunham? Ele não ia até esse ponto. Desse dever resultariam mortes? Ele não ia até esse ponto. Mortes horrendas, pessoas dizimadas como moscas? Ele não ia até esse ponto. Algumas reações ao caso Pinheirinho invocam as lições de Hannah Arendt.

As banalidades: há  uma ordem social fundada na propriedade. Há regras sobre a propriedade. Onde vamos parar se todo mundo começa a invadir propriedades? Ordens devem ser cumpridas.  A juíza cumpriu seu dever. O presidente do Tribunal, que se empenhou pessoalmente a ponto de remeter para lá um assessor, cumpriu seu dever. A Polícia Militar cumpriu seu dever. O governador cumpriu seu dever. Mas impedir que 6 mil pessoas se vissem, de uma hora para outra, de surpresa e praticamente na calada da noite, arremessadas de suas casas para o nada, isto não era dever de ninguém.

A juíza dá entrevista exultante com o resultado da operação:

“a operação me surpreendeu positivamente. A Polícia Militar se preparou, se planejou durante mais de quatro meses (…) desempenhou um serviço admirável que é motivo de orgulho pra todos nós (…) A Polícia Militar agiu com competência e com honra mesmo”

Quatro meses! Em nenhum momento desses 4 meses ela se deteve para pensar que, senhora da jurisdição, estava ao seu alcance dar ao caso uma solução que não resultasse naquela inominável violência, naquela barbárie? Que havia precedentes jurisprudenciais, que estão  sendo publicados  às dúzias nas redes sociais? No entanto, tudo que ela diz agora é que a Polícia Militar prestou um serviço “motivo de orgulho”: a Polícia Militar cumpriu seu dever. Ela cumpriu seu dever.

Na Folha de S. Paulo de 28 de janeiro, o advogado João Antonio Wiegerinck nos ensina – de forma tristemente banal –   quedireito à propriedade é um direito tão antigo quanto o direito à dignidade da pessoa humana na maior parte das constituições ocidentais. Como princípios constitucionais que são, inexiste uma hierarquia científica entre eles ou os demais princípios (…) a retirada de invasores de uma propriedade adquirida honestamente e pela qual se paga tributos ao Estado é um ato lícito e voltado à boa observância da ordem (…) o que todo cidadão de bem deseja é que a sociedade em que vive ofereça estabilidade na manutenção das regras a serem observadas por todos, sem favorecimentos ou discriminações. Quem tem consciência de estar vivendo ilegalmente sabe que um dia isso será cobrado. Tomara que de agora em diante com mais dignidade e prevenção.”

O que o articulista diz não vai além do conceito de ordem, legalidade e propriedade. A realidade social, a inexistência de habitações, a miséria de quem se vê obrigado a morar onde consegue e não onde quer,  tudo isso está ausente do juízo do articulista. A banalidade do seu juízo ignora a ideia de um sentido e de uma racionalização da propriedade. Na frase “o que importa para o cidadão de bem é a estabilidade e a manutenção das regras”, vejam a associação de ideias entre estabilidade, manutenção e bem.

Para denunciar a trivialidade dessa associação, basta perguntar: qual o sentido desta “estabilidade” e desta “manutenção”? Por que elas são, assim sem mais, o bem (sutilmente encaixado na expressão “cidadão de bem”)? Em outros termos: para ele, bem é igual estabilidade e manutenção de uma regra. Bem é cumprir o dever. O que resulta desse dever? Ele não chega a esse ponto.

A chave de ouro do articulista é: os culpados são os moradores. Viviam ilegalmente e deveriam saber que um dia seriam cobrados. Eu mesmo estaria louco de vontade de participar de uma invasão e viver “ilegalmente”. Não veria a hora de largar meu apartamento e invadir um terreno privado, construir um barraco e depois, com minhas próprias mãos, uns dois ou três cômodos de alvenaria e lá amontoar meus filhos. Mas eu e milhões de brasileiros  não fazemos isso porque somos “cidadãos de bem”. Os moradores do Pinheirinho são delinquentes. Como vivem na ilegalidade, agora foram cobrados. Bem feito. As pessoas que defendem a perversidade social não são burras. Elas são hegemônicas na estrutura social e política do país. Defendem interesses. São competentes e preparadas. Mas não há como defender perversidades sociais sem argumentos banais. O mal, na sua lógica intrínseca, é  moralmente burro, como percebeu Hannah Arendt.

Marcio Sotelo Felippe é procurador do Estado de São Paulo.


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Revista ConsciênciaNet: acesse a sua.

[…] No mais brilhante dos textos do procurador Márcio Felippe, ele compara o marco ideológico em que se inscrevem as atrocidades de Pinheirinho com os crimes do nazista Adolf Eichmann, coordenador do holocausto judeu. (Vide) […]

Murdok

Ai Azenha, olha só. Só hoje a folha teve a coragem de abordar o assunto do mal no pinheirinho, que vc ja colocou ontem para nosso deleite. Foi com o Helio Schwartsman da o nome ao artigo de " Divisão de irresponsablidades".

Leider_Lincoln

Antigamente o último refúgio da canalha era o patriotismo, hoje é a imprensa…

Alan Carvalho

O que ocorreu no Pinheirinho foi uma limpeza étnica, semelhante ao que ocorre em Israel onde sionistas expulsam com extrema violência populações palestinas de suas vilas e constroem assentamentos judeus.[youtube tupTiNQmnSs http://www.youtube.com/watch?v=tupTiNQmnSs youtube]

Ramalho

A "obediência devida" foi alegada por militares argentinos quando julgados. Não convenceram os juízes, e foram condenados. Eichmann, também fez a alegação, e foi condenado igualmente. Agora é Alckmin a declarar que nada mais fez do que obedecer ordem judicial.

Hannah Arendt tem o grande mérito de provar que toda essa gente (incluídos os juízes que decretaram o despejo de Pinheirinho) em essência é a mesma coisa, mesmo os que não foram ainda condenados.

Samyra Lobino

Excelente texto. Direto, claro e objetivo.
Para a banalidade do mal e sua consequente obtusidade, nada melhor do que a amplidão de um pensamento inclusivo e questionador.

Luciana

Pinheirinho: Naji Nahas pode ter usado laranja para ser credor de si próprio
Jornal do Brasil
Jorge Lourenço
O empresário Naji Nahas pode ter usado um laranja para ser credor de si próprio no processo de remoção dos moradores do Pinheirinho, em São José dos Campos. A informação faz parte do relatório da Operação Satiagraha e foi relembrado pelo deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB-SP). O ex-delegado aponta um dos advogados de Nahas, Teófilo Guiral Rocha, é dono da empresa RS Administração e Construção, credora da Selecta.
Massa falida
O processo de reintegração de posse do terreno do Pinheirinho, parte da massa falida da Selecta, tem relação direta com os credores da empresa. Isso porque o terreno foi desocupado sob a justificativa de que precisava ser vendido para pagar dívidas.
Velho laranja
O relatório da Operação Satiagraha já apontava Teófilo Guiral Rocha como um dos responsáveis pela "legalização" dos negócios de Naji Nahas.
Tribunal amigo
O Pinheirinho não foi a única decisão favorável a Naji Nahas no Tribunal de Justiça de São Paulo. Recentemente, o empresário conseguiu a redução de uma de suas dívidas, que passou de R$ 6,5 milhões para… R$ 20 mil. Foi em junho do ano passado, durante o julgamento dos honorários advocatícios da Arbi Sociedade Corretora.

Fabio_Passos

"matéria sobre o protesto do cineasta e jornalista Pedro Rios Leão, que se acorrentou na frente da TV Globo e está em greve de fome ha 4 dias em protesto ao silencio da mídia quanto ao massacre/desocupação da comunidade PINHEIRINHO:"

GREVE DE FOME NA PORTA DA TV GLOBO

[youtube PMLiUjQUPo4 http://www.youtube.com/watch?v=PMLiUjQUPo4 youtube]

    Yarus

    veja o que Pedro diz neste outro vídeo:

    “Eu estou em frente a Globo, porque a Globo é o último ponto de resistência dos criminosos.”

    Sobrou pra todos os picaretas "financistas"…Pedro Rios está no lugar certo.

    Greve de Fome: Pedro Rios Leão. http://www.youtube.com/watch?feature=player_embed

Hiro

As revelações do julgamento em Nuremberg esclarecem o caso de Pinheirinho.
#Horror

Paulo Henrique

Dr. Marcio Sotelo Felippe, parabéns. O seu artigo nos devolve a fé na humanidade

Marco A Rodrigues

Assistam A Doutrina do Choque (The Shock Doctrine) de Naomi Klein, e estebeleçam um paralelo entre este documentario e o Pinheirinho.

Leo V

Belo artigo. Impressionante é que veio de um procurador. Coisa raríssima.

Alberto

"Deve o cidadão desistir da sua consciência, mesmo por um único instante ou em última instância, e se dobrar ao legislador? Por que então estará cada homem dotado de uma consciência? Na minha opinião devemos ser em primeiro lugar homens, e só então súditos. Não é desejável cultivar o respeito às leis no mesmo nível do respeito aos direitos. A única obrigação que tenho direito de assumir é fazer a qualquer momento aquilo que julgo certo. Costuma-se dizer, e com toda a razão, que uma corporação não tem consciência; mas uma corporação de homens conscienciosos é uma corporação com consciência. A lei nunca fez os homens sequer um pouco mais justos; e o respeito reverente pela lei tem levado até mesmo os bem-intencionados a agir quotidianamente como mensageiros da injustiça."

"Desobediência Civil" (Henry David Thoreau)

FrancoAtirador

.
.
Criminalidade de colarinho-branco: conversações entre Lassale, Hesse e o direito penal de papel

Por Juliana Pinheiro Damasceno e Santos

A IMAGEM DO FUNCIONAMENTO (DES)IGUALITÁRIO DA JUSTIÇA CRIMINAL

(…)
O imenso fosso que separa ricos e pobres, no Brasil, também é retratado por seus tantos contrastes, como refere Darcy Ribeiro:
“No Brasil as classes ricas e as pobres se separam umas das outras por distâncias sociais e culturais quase tão grandes quanto as que medeiam entre os povos distintos. Ao vigor físico, à longevidade, à beleza dos poucos situados no ápice – como expressão do usufruto da riqueza social – se contrapõem a enfermidade, o precoce, a feiúra da imensa maioria – expressão da penúria em que vivem. Ao traço refinado, à inteligência – enquanto reflexo da instrução – aos costumes patrícios e cosmopolitas dos dominadores, corresponde o traço rude, o saber vulgar, a ignorância e os hábitos arcaicos dos dominados”.
“Os presos são quase exclusivamente originários das classes mais pobres, sem educação e politicamente impotentes, à margem da sociedade. […] Devido à pobreza e antecedentes à margem da sociedade, eles e seus familiares possuem pouca influência política, o que se traduz em poucas chances de obter apoio para colocar um fim nos abusos cometidos contra eles”.
As origens da desigualdade na administração da justiça penal remontam, pois, às abismais distâncias que há entre as classes sociais brasileiras, como explica Darcy Ribeiro:
“A estratificação social gerada historicamente tem também como característica a racionalidade resultante de sua montagem como negócio que a uns privilegia e enobrece, fazendo-os donos da vida, e aos demais subjuga e degrada como objeto de enriquecimento alheio. Esse caráter intencional do empreendimento faz do Brasil, ainda hoje, menos uma sociedade do que uma feitoria, porque não estrutura a população para o preenchimento de suas condições de sobrevivência e de progresso, mas para enriquecer uma camada senhorial voltada pata atender as solicitações exógenas”.
A ineficácia da punição dos criminosos de colarinho-branco resulta, em muito, do funcionamento estruturalmente seletivo do sistema punitivo…
Celso Antônio Três, reconhecendo a existência de um Direito Penal de Castas, ao cotejar o furto, delito próprio do descamisado, com a sonegação fiscal, típico delito de colarinho-branco, assevera o caráter explícito como o legislador costura a lei penal consoante o traje (status) do infrator, mencionando que “[…] o furto mantém sua redação original emprestada pelo Código Penal de 1940. Draconiana, repressiva, refletindo o exacerbado patrimonialismo (coronelismo feudal) que marcava a Sociedade Brasileira na primeira metade do século XX, ainda sob a flagrância da escravatura, temerosa pelo assédio da choldra excluída, mesmo na forma simples, prevê pena superior ao homicídio culposo.”.
…as freqüentes e visíveis confusões entre os domínios do público e do privado, contribuíram para formação de uma cultura em que se transplantam, por vezes, as relações de parentesco ou de camaradagem ao exercício das funções públicas; a cultura da solicitação de favores, os pedidos de vantagens pessoais pelos amigos das autoridades.
Evidentemente que partiram das classes dominantes espraiando-se por todo o tecido social, nas mais diversas esferas de coexistência humana, inclusive no âmbito da aplicação das normas penais…
Por tudo isso é que se torna mais fácil entender o porquê de ser quase nula a possibilidade de os agentes da macrodeliqüência serem tachados de “desviados”, “delinqüentes” ou “perigosos”, mormente, no Brasil, em razão de seu status social, do seu específico estilo de vida.
Os agentes dessa espécie requintada de criminalidade detêm um forte poder econômico, são influentes no mundo político, fruindo de certa imunidade ao controle penal. São indivíduos que gozam de honorabilidade e prestígio, o que dificulta a formação de uma imagem negativa acerca da prática delitiva perpetrada. Por vezes, em vez da execração pública, admira-se-lhe a inteligência refinada, a sagacidade, a astúcia e a dinâmica da atividade desenvolvida para perpetrar o crime.
As estruturas de poder social, portanto, sustentam-se mediante o próprio ocultamento do controle social.
Meios de comunicação em massa, religião, política, arte, família, ciência são meios pelos quais se exerce tal controle.
O sistema penal é apenas uma parte do sistema de controle social.

Íntegra em:

http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?…

FrancoAtirador

.
.
"as leis são teias de aranha,
em que as moscas grandes passam
e as pequenas ficam presas".

(Honoré de Balzac)
.
.
"reprovar com a mesma intensidade pessoas que ocupam situações de privilégio
e outras que se encontram em situações de extrema pobreza
é uma clara violação do princípio da igualdade corretamente entendido,
que não significa tratar todos igualmente,
mas tratar com isonomia quem se encontra em igual situação…
…o entorno social, portanto, deve ser levado em consideração na aplicação da pena,
desde que, no caso concreto, o magistrado identifique uma relação razoável entre a omissão estatal
em disponibilizar ao indivíduo mecanismos de potencializar suas capacidades e o fato danoso por ele cometido.
O postulado é decorrência lógica da implementação, em nosso país, pela Constituição de 1988,
do Estado Democrático de Direito, plus normativo ao Estado Social
que estabelece instrumentos dos direitos sociais, econômicos e culturais"

(Salo de Carvalho)
.
.
"Se é a situação de classe que predominantemente
provoca a queda do crime e o uso da pena,
deduz-se que não o direito penal, mas,
de acordo com a palavra de Franz von Liszt,
'política social é a melhor política criminal',
sendo a tarefa duvidosa do direito reparar, contra o 'criminoso',
o que a política social deixou de fazer por ele.
Pensamento amargo esse,
de quantas vezes as custas do processo e da execução,
se empregadas antes do 'crime', teriam bastado para evitá-lo!"

(Gustav Radbruch)
.
.
“propensão para o crime tem é o Estado que permite
a carência, a miséria, a subnutrição e a doença,
em suma, que cria a favela
e as condições sub-humanas de vida”.

(Nilo Batista)
.
.
"…a aplicação de um Direito Penal justo, o juiz criminal deve ser mais que um autômato que anda à procura do tipo legal para determinada conduta típica, antijurídica e culpável.
Seu trabalho deve ir além disso, e o princípio da co-culpabilidade emerge aqui como uma importante ferramenta para a humanização do Direito Penal, a fim de atenuar os efeitos deletérios da exclusão social e econômica de determinadas camadas, em grande parte pelo absenteísmo estatal.
A busca da justiça penal, principalmente na adequada aplicação do princípio da co-culpabilidade, não é tarefa fácil, porém não é impossível. Sem embargo disso, qualquer aplicação da pena que enxergue no criminoso uma pessoa com dignidade a ser respeitada, já é uma tentativa de se chegar a um direito penal mais justo."

(Bruno Carrijo Carneiro)
.
.
"E essa liberdade pode ser limitada pelas condições sócio econômicas do agente, impondo-se à sociedade e ao Estado certo grau variável de co-responsabilidade pela conduta típica perpetrada (em parte) pelo agente, impelido por condições adversas, recomendando o abrandamento da resposta penal nesses casos.

Esse princípio tem sua sustentação nos princípios da igualdade (máxime em seu aspecto material) e da dignidade da pessoa humana. Em suma, a idéia de Cabette é que “o Direito Penal, perpassado pelo mesmo fio de oura da ética, deve reconhecer em seu bojo o Princípio da Co-Culpabilidade, compreendendo a considerável perda de liberdade de autodeterminação imposta a relevante parcela da população”.

Posto isso, temos que a obediência ao princípio da Co-Culpabilidade representa o respeito pelos valores da dignidade humana, igualdade e justiça, merecendo ser interpretada conjuntamente com o disposto no art. 66 do CP, no sentido de ser reconhecida a atenuante inominada quando circunstâncias adversas causadas pelas inércia do Estado contribuírem para diminuir a autodeterminação do agente no cometimento de infrações penais.

(Manuel Sabino)

Íntegra em:

http://defensorpotiguar.blogspot.com/2010/09/dial

    guga

    ótima resposta

FrancoAtirador

.
.
Crítica da razão técnico-jurídica

Por Paulo Queiroz (*)

…decisões tecnicamente corretas não são necessariamente decisões justas,
assim como decisões tecnicamente incorretas, não são necessariamente decisões injustas.
…o subsistema penal está assentado sobre uma estrutura econômica e social profundamente desigual,
e, por isso, é arbitrariamente seletivo e assim recruta a sua clientela entre os grupos mais vulneráveis,
a revelar que a pretensão de justiça está grandemente comprometida desde a sua concepção.
Em sua majestática igualdade, dizia Anatole France,
a lei proíbe tanto ao rico quanto ao pobre
dormir embaixo das pontes, esmolar nas ruas e furtar pão.
E isto sem falar na descontextualização e despolitização dos conflitos que resultam da tecnicização.
Assim, pode ocorrer inclusive de ser aconselhável não apenas ignorar determinada regra,
por mais racional, mas adotar a regra oposta.
É que a questão fundamental não reside em produzir decisões tecnicamente perfeitas,
mas decisões minimamente justas e razoáveis.
Afinal, e conforme assinala Castanheira Neves, uma boa interpretação
não é aquela que, numa perspectiva hermenêutico-exegética,
determina corretamente o sentido textual da norma;
é antes aquela que numa perspectiva prático-normativa
utiliza bem a norma como critério da justa decisão do problema concreto.
Quanto às decisões tecnicamente incorretas, mas nem por isso injustas, bastaria lembrar certas decisões do Tribunal do Júri, formado que é por leigos, e cujos jurados são chamados a decidir, não segundo a lei, mas conforme “a consciência e os ditames da justiça” (CPP, art. 464)
Também por isso (distinção entre técnica e justiça), segue-se que uma boa formação técnico-jurídica não constitui garantia de profissionais (juízes, promotores, advogados etc.) justos, mesmo porque podem ser, não obstante a excelência técnica, corruptos, preguiçosos, insensíveis etc.
E uma boa interpretação, na arte como no direito, além de técnica e razão, requer talento e sensibilidade.
É que tais atividades demandam habilidades que estão muito além da simples técnica…
Numa confusão mais ou menos consciente entre lei e direito, ignora-se que o direito, assim como justiça, ética, estética etc., é, em última análise, uma metáfora associada ao que julgamos bom e razoável, e que por isso tem conteúdo grandemente indeterminado;
afinal, o direito e o torto não preexistem à interpretação, mas é dela resultado.
Pressupõe-se enfim que a interpretação depende da lei e do direito e não o contrário, que é a lei e o direito que dependem da interpretação.
Exatamente por isso, a lei, por mais clara, pode ser interpretada de formas diversas e, portanto, conduzir a diversos resultados.
É certo ainda que as decisões estão de um modo geral predeterminadas ou pré-condicionadas por preconceitos, e, portanto, na sua origem prescindem da formação técnico-jurídica, de sorte que um conhecimento formal do direito parece servir apenas para justificar decisões tomadas a partir de certas experiências e pré-juízos, que independem da técnica e que lhe precedem necessariamente.
Enfim: a interpretação é o resultado do seu resultado;
o meio interpretativo e, pois, a forma técnico-jurídica,
só se escolhe depois do resultado já estabelecido;
decide-se, primeiro; classifica-se depois.

(*) Paulo de Souza Queiroz é Procurador Regional da República, doutor em Direito (PUC/SP), Professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB)

Íntegra em:

http://pauloqueiroz.net/critica-da-razao-tecnico-

nicolas

"Mas impedir que 6 mil pessoas se vissem, de uma hora para outra, de surpresa e praticamente na calada da noite, arremessadas de suas casas para o nada"
como assim do nada? parece uma grande injustiça pensar que os moradores foram pegos de surpresa, mas ignora-se os anos seguidos em que houve negociações e que todas as alternativas apresentadas foram negadas pelos pseudo-representantes dos moradores. quantas vezes foi oferecido apoio e programas habitacionais, e ninguem quis arredar o pé da área? há meses a questão estava sendo discutida e divulgada, inclusive a restauração da posse foi cancelada mais de uma vez, o que fez com que os moradores se armassem para esperar a policia. Dizer que foram pegos de surpresa, é no minimo ironia.

    Marcio

    Nicolas, você pode documentar o que está afirmando? Eu posso documentar o que estou dizendo. Tenho cópia da petição da massa falida concordando com o adiamento da execução. Três dias depois veio a invasão da polícia. Mostre os documentos que comprovam que "alternativas apresentadas foram negadas pelos pseudo-representantes". Chutar na internet, falar de orelha, meu caro, é fácil.

    Leider_Lincoln

    Pode não, Márcio. É um covarde anônimo, e só…

    Eddie

    Então, por que não mostra logo?

Celso Carvalho

Acho que recorrer ao nazismo e às analises de Arendt (recorrente na imprensa) não é o caso para ilustrar a invasão desumanitária do Pinheirinho e o que ocorre no Brasil . A Alemanha estava em uma ditadura fundamentada nas idéias de Hitler e que tinha muitos simpatizantes nas democracias ocidentais. Deixando de lado a questão jurídica, o Brasil ainda se encontra em situação similar aos dos EUA segregacionista. Um país democrático, onde todas as instituições funcionavam, e o mal estava presente na questão racial e sindical, este último anterior à 2ª guerra. O mal no Brasil persiste nos corações e mentes da população e do poder. Em todos os niveis. Os sacos de maldades da direita esquerda (!) atual é muito grande. Não vou enumerar e nem detalhar, mas ele está presente no cotidiano de todo brasileiro.

    Leo V

    Ele não fez analogia com o nazismo. O autor mostrou como a desculpa, ou justificativa de um nazismo é a mesma dos que executaram e apóiam o que houve em Pinheirinho. E por sinal o autor mostrou isso de forma impecável.

    Leo V

    quis dizer "de um nazista" e não "de um nazismo".

    Moacir Moreira

    Você acredita mesmo que vivemos em uma democracia ou está brincando?

    Julio Silveira

    Comparar com o Nazismo é pertinente sim. A analogia que se faz é com a virulencia de ambos os metodos, onde o desrespeito ao direito humano vira o elo de ligação nos princípios. Poderíamos fazer analogia com outros grupos que desrespeitam os DH na história, mas há uma sintonia desses atos com os praticados pelo Nacional Socialismo de Hitler. Ora, sabemos que assumir posturas nazistas é hoje politicamente incorreta, e até criminalizada, por isso disfarces ideológicos, mas que ao final, depois de filtrados os atos chega-se ao mesmo modus operandi. Devemos estar alertas, somos uma nação de mestiços. Existem um grande passivo social que foi negado durante o transcorrer da história. Mestiços, aqui geralmente vivem abaixo da linha de dignidade socioecomica. Existe uma clara tendencia de nossa Aristocracia em pender para o lado comodo dos preconceitos, mas como forma de negar a equiparação de direitos, ficam bem acomodados em seus conceitos, na verborragia politicamente correta, para isso se associam a qualquer discurso, desde ue o sangue derramado continue sendo o dos que lhes cobrem a divida, mantendo incolume o sistema. Mantendo como desnecessária a exposição de suas faces e seus disfarces. É, a cidadania está aprendendo está se conhecendo e a sua aristocracia. Já não era sem tempo. Talvez ainda consigamos construir uma verdadeira nação.

    João-PR

    Vou ser direto: os alemães quiseram Hitler!! Pelo menos a maioria dos alemães.
    Assim como a maioria dos paulistas vota no PSDB há 17 anos.
    Você acha que um funcionário, mesmo batedor de carimbos, responsável pelo envio de milhares de judeus aos campos de concentração, seria um funcionário de carreira normal??? Nâo! O batedor de carimbos era no mínimo alguém de confiança dos nazis.

FrancoAtirador

.
.
"Em sua igualdade majestática a lei proíbe, tanto ao rico quanto ao pobre,
dormir embaixo da ponte, esmolar nas ruas e furtar pão,
e nela vale também para o direito penal a palavra amarga:
deixais ao pobre tornar-se culpado, em seguida o entregais à dor."

( Anatole France)
.
.

Deixe seu comentário

Leia também