André Rocha: “Maquiavelismo” de Cunha choca-se com realidade e Câmara rejeita “distritão” e financiamento empresarial

Tempo de leitura: 4 min

reforma política votação 2

Foto: Luís Macedo/Câmara dos Deputados

Um dia histórico para a democracia brasileira

Câmara rejeita o “distritão” e o financiamento empresarial das campanhas

por André Rocha, especial para o Viomundo 

Pareciam passos táticos de uma manobra muito bem calculada o cancelamento da reunião que faria a avaliação do relatório final produzido pela Comissão Especial e a imposição da votação da Reforma Política para ontem, terça-feira, 26 de maio.

O texto do relator Marcelo Castro (PMDB-PI) que seria a base para a votação da Câmara foi invalidado pela decisão tomada por Eduardo Cunha de levar a votação diretamente para a Câmara. No texto, o relator concluía que a proposta do voto majoritário, chamada “distritão”, acentuaria a crise de representatividade da democracia brasileira, incentivaria o personalismo, enfraqueceria os partidos, acirraria as disputas intrapartidárias e tornaria as campanhas eleitorais muito mais caras.

O “distritão” seria o modelo perfeito para os deputados que trabalham como comerciantes de votos: utilizando os partidos a que são filiados apenas como fachada para entrada e permanência do Poder Legislativo, trabalham como lobistas de grupos de interesses e precisam dos serviços de marketing da grande mídia para ocultar seus reais vínculos de representação e construir uma imagem de políticos “republicanos”.

O modelo majoritário generalizaria a pulverização partidária e acentuaria os problemas de representação e “governabilidade” que resultam da multidão de pequenos partidos que funcionam como fachada para comerciantes de votos. A pulverização possibilita a prática sistemática de venda de votos de parlamentares para a aprovação e reprovação de propostas do Poder Executivo, prática que, diga-se de passagem, registra-se na votação da emenda da reeleição no governo FHC e que atravessa os governos de Lula e Dilma.

O “distritão” destruiria os grandes partidos e acabaria com a possibilidade de pautar a disputa nas eleições pelas diferenças entre programas partidários. Seria a festa dos “indivíduos” alçados à condição de “personalidades” pelas grandes empresas de comunicação de massa.

O autoritarismo de Cunha já é notório, mas pelo filtro das crônicas da grande mídia ele aparece como uma espécie de político hábil, capaz de formar e liderar uma maioria na Câmara e impor derrotas a Dilma e Temer; aparece como um estrategista que sabe manobrar as regras como se estivesse as seguindo; numa palavra, aparece como um “maquiavélico”.

O fato de que seu comando tem como base o alinhamento dos políticos da chamada “bancada do BBB” e os vendedores de votos avulsos não levou os “democratas” tucanos da grande mídia a nenhuma reflexão sobre os descaminhos da democracia brasileira após as eleições de 2014.

De fato, certas lideranças do PSDB acreditavam que poderiam se aproveitar de Cunha para fazer passar o impeachment na Câmara. Outros percebiam, porém, que uma ascensão meteórica de Cunha não apenas ameaçaria o poder de Temer no PMDB: no longo prazo, na medida em que pudesse se blindar contra as acusações da Lava Jato, Cunha poderia ocupar confortavelmente a posição de centro-direita das lideranças tucanas com amplo apoio da direita e da extrema-direita.

Mas alguns “maquiavélicos” do PSDB imaginam que podem usar Cunha como uma espécie de fantoche para tentar fazer passar o impeachment de Dilma e destruir o PT explorando o racha no PMDB…

“O “maquiavelismo” na maioria das vezes é pequena política que não reflete em nada a grande política e, por isso, choca-se contra a realidade, se interverte no seu contrário.

Cunha atropelou a Comissão Especial na esperança de aprovar o seu modelo de reforma política pela ânsia de aparecer nos jornais como vitorioso e grande líder da oposição? Teria ele se apressado por perceber que o relatório da Comissão Especial influenciaria nas deliberações dos deputados? Ou teria ele expectativas de queconseguiria votos suficientes para aprovar as propostas do voto majoritário e do financiamento empresarial das campanhas?

De toda maneira, seria interessante uma apuração mais rigorosa para saber se ele mesmo revelaria os motivos lhe fizeram atropelar a Comissão Especial e colocar a votação diretamente na Câmara.

Na votação sobre o sistema eleitoral as propostas do sistema majoritário e do distrital misto foram derrotadas. Antes de passar às votações sobre o financiamento das campanhas, muitos deputados pediram ao presidente da Câmara que adiasse as votações para a quarta-feira, dia 27 de maio. Mas o deputado Cunha foi inflexível, respondeu com palavras ríspidas, manteve o teto para 01h00 da manhã e a votação avançou madrugada adentro.

Foi o suficiente para uma única votação: aquela que rejeitou a proposta de financiamento empresarial das campanhas. A votação que decidirá se o financiamento será misto (público + pessoa física) ou apenas público ocorrerá hoje, quarta-feira, 27 de maio.

Mas votação no dia de ontem foi histórica para a democracia brasileira e merece uma boa, longa e serena comemoração. Para aqueles intelectuais à direita e à esquerda, “sublimes” intelectuais dos jornalões e da academia, que têm cedido à ideologia da denegação da política, dos partidos existentes, e, em suma, da própria democracia brasileira, a questão a se resolver na roda de chope poderia ser o paradoxo da votação da reforma política no dia 26 de maio de 2015: se a democracia, como julgam os denegadores da política, consiste numa mera “forma”, num comitê da burguesia, num jogo de cartas marcadas, como a composição atual da Câmara dos Deputados foi conduzida a deliberar pela rejeição do sistema majoritário e pela proibição do financiamento empresarial das campanhas?

André Rocha é doutor em filosofia pela USP e pós-doutor em filosofia pela USP e pela Université Paris I –Pantheon Sorbonne.

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Comentários

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wendel

Para atender a sugestão dada, aquí vai:

“DEVOLVE GIMAR “!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Elias

Enfim, O Rei Esta Nu. Melhor, o rei ficou nu. A vaidade e arrogância de Eduardo Cunha não o fez enxergar a realidade. Contou com o ovo na galinha e colheu apenas titica. Cunha pensa que pode tudo e faz tudo para atrasar o Brasil diante de outras nações. Não vingou.

FrancoAtirador

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Eduardo Cunha, PSDB, DEM e Gilmar Mendes
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Eis os grandes derrotados na manobra que tentou aprovar uma reforma
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que constitucionalizaria os piores vícios do sistema eleitoral brasileiro.
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Por Antonio Lassance, na Carta Maior
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(http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Cunha-PSDB-DEM-e-Gilmar-Mendes-derrotados/4/33587)
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Urbano

Prezado Dr. André Rocha,

No atual contexto político por que estamos passando é, sem dúvida, fato merecedor de bastante comemoração – e de alguma esperança!

Acredito que o 3º parágrafo do texto trace um perfil fidedigno de uma parcela significativa – lamentavelmente – não somente dos Deputados Federais “comerciantes de votos”, mas dos políticos brasileiros, caracterizados pela [permita-me a modesta ampliação abaixo]:

(1) utilização do partido político ao qual mantêm filiação (não por genuínas convicções político-ideológicas e, por vezes, de forma transitória) somente como fachada para ingresso e permanência no Poder Legislativo;

(2) atuação parlamentar como lobistas de grupos de interesses empresariais, nacionais e estrangeitos, em detrimento dos interesses públicos;

(3) necessidade de serviços de marketing “da grande mídia”* para ocultar seus reais vínculos de representação (dos mesmos grupos de interesses empresariais, nacionais e estrangeitos) e construir uma imagem de político “republicano”.

[*Leia-se: “do GAFE” (Globo, Abril, Folha e Estadão), com os créditos ao jornalista Azenha por essa feliz acrossemia].

Abraços,
Urbano.

FrancoAtirador

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Ainda assim, 264 Mercenários votaram ‘Sim’
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ao Financiamento Eleitoral por Empresas.
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Orientação dos Partidos às Bancadas:
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Sim = PSDB – DEM – SDD – PSD – PMDB – PP – PTB – PSC – PR – PHS – PEN
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Não = PT – PSOL – PCdoB – PDT – PPS – PV – PRB – PTN – PMN – PRP – PSDC – PRTB – PTC – PSL – PTdoB
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Liberado = PSB – PROS
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(http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/chamadaExterna.html?link=http://www.camara.gov.br/internet/votacao/mostraVotacao.asp?ideVotacao=6354&tipo=partido)
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antonio sebastião de lima

O que não se compreende é como até agora ninguém promoveu no Senado o impeachment de Gilmar Mendes. Será porque ele é do PSDB?

Marcelo

Azenha, a chamada da matéria na página principal está errada, está 26 de Abril, e não de Maio.

    Conceição Lemes

    Marcelo, obrigadíssima. Corrigido. abs

Roberto

Pronto, agora o Gilmar Dantas já pode levantar seu traseiro sujo de sobre a ADI que acaba com o finanacimanto privado de campanhas eleitorais e devolvê-la ao Plenário do STF.

Julio Silveira

Queiramos ou não o Cunha é a cara do congresso, afinal é seu presidente.

ricardo silveira

Seria esperar demais se neste dia 27 a Câmara completasse o que começou ontem e aprovasse o financiamento público exclusivo para as campanhas eleitorais. Mas, o que é improvável não é impossível, como se viu.

Carlos

Ficam perguntas: Por que cunha tinha tanta pressa em tentar a aprovação destas propostas? E GM, o que fará agora, já que ainda sentado sobre o “perdido” de vistas da proibição das doações empresariais?

    Wladimir

    Ele contava exatamente com isto, Carlos, ou seja, com a aprovação do financiamento empresarial das campanhas eleitorais; e é por isso, num jogo combinado, mantém os autos há mais de um ano sob sua “Ilustre Buzanfa”! Cabe agora, a todo o povo brasileiro, uma nova rodada do “Devolve Gilmar”!!! Abraços

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