João Paulo: Eleições, mudanças estruturais e reforma agrária

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João Paulo Rodrigues, da  direção nacional do MST

Eleições gerais, momento de debate das mudanças estruturais e Reforma Agrária

por João Paulo Rodrigues, no Escrevinhador

Chegaram as eleições e junto com elas um grande debate sobre os problemas do Brasil. As candidaturas iniciaram a apresentação dos programas de governo, com várias promessas de medidas para resolver as questões do país, desde os problemas nos bairros até o aquecimento global.

Esse é um dos momentos mais ricos da democracia para se debater sobre os vários problemas existentes no Brasil. É também uma oportunidade para criticarmos e apresentarmos propostas aos candidatos sobre o que nós, trabalhadores e trabalhadoras, queremos para a Brasil.

Hoje, temos uma população de aproximadamente 50 milhões de brasileiros que vivem no campo e nas pequenas cidades do interior, cuja renda principal tem origem na agricultura familiar camponesa. No entanto, infelizmente, o tratamento dado pelo Estado e pelos governantes está aquém do que precisamos para a melhoria da vida dos camponeses.

Às vésperas desse momento importante da democracia, com as nossas bandeiras erguidas nas lutas, queremos fazer um amplo debate com toda a sociedade sobre a necessidade da Reforma Agrária, como uma medida para democratizar o acesso a terra e, ao mesmo tempo, garantir que a agricultura brasileira não seja somente um depósito de venenos ou símbolo de produção de commodities para exportação – sem gente, sem animais e sem vegetação. Ou seja, um agricultura de máquinas.

A nossa tarefa, dos movimentos populares do campo, é fazer o bom combate nessas eleições: debater com a sociedade e com os candidatos qual é o melhor projeto para a agricultura brasileira.

Assim, vamos fazer a disputa das ideias junto aos trabalhadores do campo e da cidade, fortalecendo as candidaturas de deputados federais e estaduais, governadores e senadores que estejam comprometidos com o nosso programa de Reforma Agrária e com as reivindicações dos Sem Terra e dos camponeses.

Frente a essa conjuntura eleitoral, precisamos defender alguns pontos nestas eleições e apresentar as nossas propostas a todos os candidatos e candidatas do campo popular.

1- Luta por uma Constituinte exclusiva da reforma política

Não podemos admitir que o Congresso Nacional tenha 176 deputados que se intitulam como representantes do agronegócio. Por outro lado, somente 7 deputados se declaram representantes dos camponeses sem-terra e, do total, apenas 8% são mulheres. Essa realidade só mudará com uma reforma do sistema político, que não será feita por um Congresso que se sustenta no financiamento privado de campanhas. A sociedade precisa intervir nesse processo, por meio da construção de uma Assembleia Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político.

2- Democratizar a terra para os Sem Terra

Precisamos encampar a bandeira da democratização das terras brasileiras. Não podemos admitir que as melhores terras agricultáveis estejam a serviço das grandes transnacionais da cana-de-açúcar, eucalipto e da soja, em sua maioria sob controle do capital estrangeiro. Estão em disputa 60 milhões de hectares de terras agricultáveis no Brasil, que podem ser destinados para a Reforma Agrária ou ser comprados por estrangeiros a qualquer momento. É importante que o governo federal organize um plano de desapropriação de latifúndios e garanta terra para todas as famílias acampadas, além da demarcação das terras indígenas e garantia do direto dos quilombolas e de seus descendentes.

3-Por um plano de produção de alimentos sadios

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Os pequenos agricultores podem produzir alimentos de qualidade sem agrotóxicos para abastecer o mercado brasileiro, preservando a biodiversidade e garantindo uma diversificação de alimentos necessários para o equilíbrio alimentar. Diante disso, precisamos aumentar a capacidade da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para a aquisição dos produtos da Reforma Agrária e garantir que as prefeituras comprem esses alimentos para a merenda escolar.

A União, os estados e os municípios devem ser parceiros dos pequenos agricultores, por meio de um conjunto de políticas públicas, agroindústrias, políticas de crédito, proteção e desenvolvimento das sementes, assistência técnica e capacitação para contribuir na organização da produção de alimentos. Assim, propomos a criação de uma empresa estatal para atender essa demanda.

4-Educação e Cultura no campo, como um bom lugar de se viver

As áreas rurais brasileiras não podem ser somente um lugar de produzir. Não podemos tratar o campo como se fosse uma grande fábrica de grãos. Precisamos que as áreas rurais sejam um bom lugar de se viver e, para isso, o Estado precisa consolidar políticas públicas que garantam qualidade de vida no campo. De início, reivindicamos que se pare imediatamente o fechamento de escolas do campo. Nos últimos 15 anos, mais de 20 mil escolas foram fechadas. Precisamos de internet de qualidade, centros culturais, escolas infantis, transporte público, equipamentos e infraestrutura para práticas esportivas, além de políticas de publicidade para publicações com centralidade na vida do povo do campo.

5-Construir um projeto popular para Brasil

Na nossa avaliação, a disputa eleitoral principal está entre neodesenvolvimentismo e neoliberalismo. Não estamos representados por nenhum desses projetos, mas é importante derrotarmos o neoliberalismo e toda a direita conservadora que o apoia. Diante disso, precisamos debater e construir um campo político em torno de uma plataforma de reformas estruturais que seja dirigida e hegemonizada pelo campo popular, que permitirá resolver os problemas sociais da classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, acumular forças para as transformações profundas do Estado brasileiro e elevar o nível de consciência política e cultural da classe trabalhadora.

Acreditamos que o momento é propício para fazermos um bom debate com todas as forças populares e de esquerda, com os partidos que ainda acreditam na Reforma Agrária como forma de construir uma sociedade mais justa e igualitária. E por fim, independente de quem ganhar as eleições, precisamos nos preparar por que o próximo período será de muitas lutas.

João Paulo Rodrigues é integrante da  direção nacional do MST, formado em ciências sociais e membro do grupo de conjuntura da Fundação Perseu Abramo

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Comentários

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Elias

“Hoje, temos uma população de aproximadamente 50 milhões de brasileiros que vivem no campo e nas pequenas cidades do interior, cuja renda principal tem origem na agricultura familiar camponesa. No entanto, infelizmente, o tratamento dado pelo Estado e pelos governantes está aquém do que precisamos para a melhoria da vida dos camponeses.” João Paulo Rodrigues

50 milhões de brasileiros no campo é mais que a população de Uruguai, Paraguai e Argentina juntos. Se esse número não desperta uma mobilização urgente das autoridades municipais, estaduais e federal só demonstra o modelo tacanho de governar este país. Passa de 100 anos que as oligarquias deram terras aos imigrantes europeus para embranquecer o Brasil. Por que não fazem o mesmo agora? Quanto tempo ainda há de se reivindicar essa bendita reforma agrária? Uma reforma agrária explícita, revolucionária, que demonstre de uma vez por todas que todo brasileiro tem onde morar, onde plantar e desenvolver uma agricultura orgânica, sem veneno e com preços ao alcance do povo. E não basta apenas terra, os governos têm de oferecer meios de trabalhar a terra, instrumentos, maquinários, enfim, fazer uma reforma que sirva de exemplo para o mundo. Quando João Paulo Rodrigues diz: “E por fim, independente de quem ganhar as eleições, precisamos nos preparar por que o próximo período será de muitas lutas”, uma coisa podemos estar certos, com Dilma as “muitas lutas” podem se tornar poucas lutas. Com a direita, põe “muitas lutas” nisso.

Julio Silveira

O Brasil só terá condições de mudar quando as oligarquias que o dominam nas diversas frentes forem sendo paulatinamente derrotadas e seus conceitos sendo substituídos por outro menos egoísta e mais, muito mais agregador e integrador de uma cidadania que ainda é vista como utensílio para afirmação de poderes para alguns indivíduos, ficando para o país a retórica.

Urbano

Os bandidos da oposição ao Brasil transformaram a reforma agrária num palavrão dos mais horripilantes. Enquanto isso os latifundiários, em sua maioria grileiros, juntamente com as indústrias químicas assassinas, essencialmente as multinacionais, vão vilipendiando, deformando e exterminando vidas, inclusive a do solo

FrancoAtirador

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“A disputa eleitoral principal está
entre neodesenvolvimentismo e neoliberalismo.
Não estamos representados por nenhum desses projetos,
mas é importante derrotarmos o neoliberalismo
e toda a direita conservadora que o apoia”
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