Safatle: Por que chamar de “bancos” o que se parece mais com instituições criminosas?

Tempo de leitura: 3 min

A HSBC logo is seen above the entrance to a HSBC bank branch in New York CityQuem nos governa?

Em 2013, Elisabeth Warren, senadora dos EUA, perguntou: “Quanto tempo ainda será necessário para se fechar um banco como o HSBC?”

 Vladimir Safatle, em CartaCapital 

Estamos em 1860. O Império Britânico acaba de vencer a famosa “Guerra do Ópio” contra a China, talvez uma das páginas mais cínicas e criminosas da história cínica e criminosa do colonialismo. Metade do comércio da Inglaterra com a China baseia-se na venda ilegal de ópio. Diante da devastação provocada pela droga em sua população, o governo chinês resolve proibir radicalmente seu comércio. A resposta chega por uma sucessão de guerras nas quais a Inglaterra vence e obriga a China a abrir seus portos para os traficantes e missionários cristãos (uma dupla infalível, como veremos mais à frente), além de ocupar Hong Kong por 155 anos.

Em 1860, guerra terminada, os ingleses tiveram a ideia de abrir um banco para financiar o comércio baseado no tráfico de drogas. Dessa forma apoteótica, nasceu o HKSC, tempos depois transformado em HSBC (Hong Kong and Shangai Bank Corporation), conhecido de todos nós atualmente. Sua história é o exemplo mais bem acabado de como o desenvolvimento do capitalismo financeiro e a cumplicidade com a alta criminalidade andam de mãos dadas.

A partir dos anos 70 do século passado, por meio da compra de corporações nos Estados Unidos e no Reino Unido, o HSBC transformou-se em um dos maiores conglomerados financeiros do mundo. No Brasil, adquiriu o falido Bamerindus. Tem atualmente 270 mil funcionários e atua em mais de 80 países. Sua expansão deu-se, em larga medida, por meio da aquisição de bancos conhecidos por envolvimento em negócios ilícitos, entre eles o Republic New York Corporation, de propriedade do banqueiro brasileiro Edmond Safra, morto em circunstâncias misteriosas em seu apartamento monegasco. Um banco cuja carteira de clientes era composta, entre outros, de traficantes de diamantes e suspeitos de negócios com a máfia russa, para citar alguns dos nobres correntistas. Segundo analistas de Wall Street, a instituição financeira de Nova York teria sido vendida por um preço 40% inferior ao seu valor real.

Assim que vários jornais do mundo exibiram documentos com detalhes de como a filial do HSBC em Genebra havia lavado dinheiro de ditadores, traficantes de armas e drogas, auxiliado todo tipo de gente a operar fraudes fiscais milionárias e a abrir empresas offshore, a matriz emitiu um seco comunicado no qual informava que tais práticas, ocorridas até 2007, não tinham mais lugar e que, desde então, os padrões de controle estavam em outro patamar. Mas não é exatamente essa a realidade.

Em julho de 2013, a senadora norte-americana Elisabeth Warren fez um discurso no qual perguntava: quanto tempo seria ainda necessário para fechar um banco como o HSBC? A instituição havia acabado de assumir a culpa por lavagem de dinheiro do tráfico de drogas mexicano e colombiano, além de organizações ligadas ao terrorismo. Tudo ocorreu entre 2003 e 2010. A punição? Multa irrisória de 1,9 milhão de dólares.

Que fantástico. Entre 2006 e 2010, o diretor mundial do banco era o pastor anglicano (sim, o pastor, lembram-se da Guerra do Ópio?) Stephen Green, que, desde 2010, tem um novo cargo, o de ministro do gabinete conservador de David Cameron, cujo governo é conhecido por não ser muito ágil na caça à evasão fiscal dos ricos que escondem seu dinheiro. Enquanto isso, os ingleses veem seu serviço social decompor-se e suas universidades serem privatizadas de fato. O que permite perguntas interessantes sobre quem realmente nos governa e quais são seus reais interesses.

Alguns fatos são bastante evidentes para qualquer interessado em juntar os pontos. Você poderia colocar seus filhos em boas escolas públicas e ter um bom sistema de saúde público, o que o levaria a economizar parte de seus rendimentos, se especuladores e rentistas não tivessem a segurança de que bancos como o HSBC irão auxiliá-los, com toda a sua expertise, na evasão de divisas e na fraude fiscal. Traficantes de armas e drogas não teriam tanto poder se não existissem bancos que, placidamente, oferecem seus serviços de lavagem de dinheiro com discrição e eficiência. Se assim for, por que chamar de “bancos” o que se parece mais com instituições criminosas institucionalizadas de longa data?

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Comentários

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FrancoAtirador

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Os Descaminhos do Dinheiro: Uma Visão Sistêmica
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O Estoque de Dinheiro Depositado em Refúgios Fiscais
é da ordem de 21 Trilhões de Dólares, 1/3 do PIB Mundial.
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O Brasil participa generosamente com cerca de 520 bilhões de dólares,
um pouco mais de um trilhão de reais, cerca de um quarto do nosso PIB.
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São dados obtidos através de cruzamento de informações dos grandes bancos,
do BIS de Basiléia, do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional,
de Bancos Centrais e de várias instituições de pesquisa ou de controle.
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Por Ladislau Dowbor
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(http://cartamaior.com.br/?/Especial/HSBC-suicalao/Os-descaminhos-do-dinheiro-5-os-paraisos-fiscais-/193/26239)
(http://dowbor.org/2012/12/os-caminhos-da-corrupcao-uma-visao-sistemica-dezembro-de-2012-25-p.html)
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O Mar da Silva

“Traficantes de armas e drogas não teriam tanto poder se não existissem bancos que, placidamente, oferecem seus serviços de lavagem de dinheiro com discrição e eficiência. Se assim for, por que chamar de “bancos” o que se parece mais com instituições criminosas institucionalizadas de longa data?”

Isso precisa ser repetido a exaustão.

Moraes

Tá certo, mas… acho que muita coisa precisaria ser renomeada. O Goldman Sachs é um banco? O Citi? E por ai vai. Tem mais: por que chamar de jornal aquela organização que publica os artigos de Safatle? Quando é que eles pagaram “multa” por contratar mercenários que sequestravam, torturavam e matavam?

abolicionista

Vladimir Safatle acertou a mão nesse texto. Muito bom.

Leandro_O

Creio que a multa foi de 1,9 bilhão, e não milhão. Mas para mim não muda o fato de que é uma corrupção legalizada, pois a punição parou na multa.

Julio Silveira

Respondendo o questionamento, enquanto eles tiverem recursos para pagarem por propagandas. Recursos para comprarem aliados e conciencias. Recursos para sustentarem no inconsciente coletivo de que são prestadores honestos de serviço.
Para isso deixar deixar de acontecer eles terão que virar cachorros mortos por que os grandes difusores de cultura preferem chutar cachorros mortos.

FrancoAtirador

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A SONEGAÇÃO DOS RICOS É A MAIOR CORRUPÇÃO
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Especial Carta Maior (http://imgur.com/DhRzUar)

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Por que o ‘suíçalão’ do HSBC quase não aparece nos noticiários da velha mídia?
De que maneira são executadas as operações de sonegação fiscal?
O Especial que preparamos sobre sonegação e paraísos fiscais visa esclarecer os leitores das artimanhas e da falta de regulamentação mundial que permitem que os impostos que deveriam ser investidos em infraestrutura sejam escondidos em instituições tidas como “legítimas.” (http://cartamaior.com.br/?/Especial/HSBC-suicalao/193)
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HSBC: cinco perguntas para um banco fora de controle
(http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/HSBC-cinco-perguntas-para-um-banco-fora-de-controle/7/32916)
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SwissLeaks: HSBC, o banco de todos os escândalos
(http://cartamaior.com.br/includes/controller.cfm?cm_conteudo_id=32913)
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SwissLeaks: revelações sobre um sistema de fraude fiscal internacional
(http://cartamaior.com.br/includes/controller.cfm?cm_conteudo_id=32903)
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Informante do caso HSBC diz que ainda há ‘um milhão’ de dados por vir
(http://cartamaior.com.br/includes/controller.cfm?cm_conteudo_id=32905)
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Colunista abandona jornal denunciando ‘fraude’ na cobertura do caso Swissleaks
(http://cartamaior.com.br/includes/controller.cfm?cm_conteudo_id=32897)
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