Marcelo Zelic: CNV mantém filho de denunciado por violência contra indígenas

Tempo de leitura: 7 min

por Marcelo Zelic

Dia 7/04 aconteceu a reunião solicitada aos membros da Comissão Nacional da Verdade (CNV), pelos Grupos Tortura Nunca Mais da Bahia, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, Movimento de Justiça e Direitos Humanos e Comissão de Direitos Humanos da OAB do Rio de Janeiro, através da carta protocolada em 31/03, (ver abaixo).

Na pauta, o afastamento do assessor da CNV Inimá Simões, que atua no grupo de trabalho Graves Violações de Direitos Humanos no campo ou contra indígenas, coordenado por Maria Rita Kehl. Ele é apontado pelas entidades de direitos humanos como impedido de participar dos trabalhos por parentesco direto com pessoa a ser investigada, tanto por maus tratos e ameaças aos índios (no Relatório Figueiredo) como por ser chefe de posto onde funcionou cadeia clandestina nos anos 1960, portanto agente do estado passível de estar sob investigação na CNV.

Outro ponto: o pouco realizado pelo grupo de trabalho sobre a temática indígena, frente às muitas linhas de investigações já apontadas à CNV pela sociedade civil e sugestões para num esforço conjunto, no pouco tempo que resta, tornar mais abrangente e profundo os resultados no relatório final.

Entendemos que a CNV lavou as mãos sobre a existência ou não de conflito de interesse de um assessor que atua em seus quadros, comprometendo a lisura do processo de investigação realizado por esta comissão, caso se insista em sua permanência .

Durante a reunião foram levantadas as seguintes questões à CNV:

* Como a CNV vai ler e sistematizar as informações contidas em mais de 600 mil páginas de documentos já mapeadas de interesse à apuração das graves violações dos direitos humanos contra os índios no Brasil? Basta ler as 7 mil páginas do Relatório Figueiredo e recolher casos emblemáticos para realizar um trabalho aprofundado?

Porque a CNV não solicita ao Arquivo Nacional e demais órgãos públicos que digitalizem estes acervos, com a intensidade com que foi feita para a documentação em uso pelos demais grupos de trabalho? Porque a CNV não disponibiliza acesso às entidades que compõe a Comissão Nacional Indígena dos documentos de arquivo já reunidos pelo GT?

Até o mês de fevereiro de 2014, o trabalho do GT ficou com foco em violações contra camponeses. A pesquisa sobre violações contra indígenas aconteceu de forma intermitente, pontual e episódica (devido ao volume enorme de violações a apurar nos dois temas).

Como escrever um relatório parcial para daqui a 4 meses se o trabalho de pesquisa em documentos e sistematização, escuta da população indígena e de agentes do estado, está começando? Visitar algumas aldeias são suficientes para apurar o que de fato aconteceu entre 1946-1988 nas cinco regiões do país?

Em pesquisas preliminares, representando menos de 3% das fontes a estudar, foram tabulados os discursos realizados no Congresso Nacional somente pelos deputados federais e coleções de jornais da Biblioteca Nacional. Com base neles, levantamos um quadro cruel a ser investigado.

Violações registradas em jornais 

Violações registradas no Diário Oficial da União

É fundamental trazer essas informações ao conhecimento da sociedade, para criarmos mecanismos de não-repetição tão necessários nos dias atuais, onde somente no Mato Grosso do Sul entre 2003 e 2012 mais de 300 indígenas foram assassinados.

Reafirmarmos os pedidos de desligamento de Inimá Simões por conflito de interesse, bem como investimentos em contratação de pesquisadores ligados à temática indígena, digitalização de documentação para estudo coletivo, de integração metodológica com as entidades sociais envolvidas com o estudo e a Comissão Indígena da Verdade, para que um amplo e profundo estudo da documentação levantada aconteça, para que o esclarecimento das graves violações contra os povos indígenas aconteça nas cinco regiões do país.

Segue íntegra da carta das entidades de direitos humanos à CNV, protocolada em 31/03/2014, também como uma descomemoração do golpe de 1964.

À COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

A/C do Coordenador Dr. Pedro Dallari e demais comissionados:

As entidades abaixo que assinam este documento, vêm requerer um posicionamento frente ao conflito, no mínimo ético, existente no grupo de trabalho Graves violações de Direitos Humanos no campo ou contra indígenas, conforme entrevista e artigo publicados no site Carta Capital em 29/03/2014 (Anexos 1 e 2) e demais pontos abaixo. Diferente do exposto pela coordenadora do GT, entendemos que existe sim este conflito com a permanência do colaborador Inimá Simões na CNV, por ser parente direto (filho) de pessoa envolvida em denúncia a ser investigada pela Comissão Nacional da Verdade.

1. Seu pai, Itamar Zwicher Simões, foi acusado no Relatório Figueiredo, entre outras coisas, de praticar maus tratos e escravização de indígenas. Após o término das investigações foi solicitado seu afastamento do SPI a bem do serviço público e teve denúncia formalizada pelo estado brasileiro através do Processo nº 14857/68, que se encontrava em 28/05/1968 no Departamento de Polícia Federal, portanto dentro do prazo estipulado pela lei que criou a CNV e passível de investigação pela comissão.

2. As pesquisas voluntárias em desenvolvimento pela sociedade civil, apontam também a necessidade de investigação da existência de cadeia clandestina no Posto Indígena do antigo Serviço de Proteção ao Índio no estado de São Paulo em Tupã. Nesta época Itamar Zwicher Simões, exercia aí, função de CHEFE DE POSTO.

A interpretação de que o colaborador, por não receber recurso diretamente da CNV, mantenha com esta um vínculo meramante voluntário, não se sustenta no caso em questão, pois este atua sem remuneração por estar cedido pela Câmara dos Deputados, onde trabalha efetivamente e recebe seus proventos.

1. Desde 31 de Julho de 2012, seu nome está associado aos trabalhos da CNV, conforme publicado no site da instituição, como colaborador direto de um importante e estratégico grupo de trabalho, o de PESQUISA, GERAÇÃO E SISTEMATIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES. (Anexo 3)

2. Foi oficialmente vinculado ao grupo de trabalho destinado a apurar violações contra indígenas, através da Resolução nº 5 de 05 de novembro de 2012, publicada em Diário Oficial. (Anexo 4)

Nada há contra a pessoa de Inimá Ferreira Simões. Mas por uma questão ÉTICA e de coerência com os critérios adotados quando de sua instalação, onde foi definido que pessoas atingidas e/ou parentes de pessoas atingidas pela repressão, bem como de pessoas investigadas não poderiam ser indicadas como comissionadas ou mesmo compor o quadro de assessoria ou colaboração direta com os trabalhos dos GTs. Nada impede que sua colaboração, mesmo de forma voluntária, se dê a partir de qualquer iniciativa de forma pessoal, apresentando trabalho ou  por comitês da sociedade civil, como acontece com ex-­presos políticos e familiares.

Solicitamos o imediato desligamento deste colaborador dos trabalhos diretos em  que está envolvido nos dois GTs, para que não paire dúvidas sobre o trabalho da Comissão Nacional da Verdade.

Devido ao volume enorme de violações a serem apuradas, tanto no que diz respeito aos camponeses atingidos pela ditadura como aos indígenas, foi definido pela coordenadora do GT, que até fevereiro passado foi dada enfase ao estudo e sistematização das violações contra camponeses e que a partir de março de 2014 a prioridade seria para os povos indígenas. Considerando tais violações ocorreram de forma brutal e em quase todos os Estados do Brasil contra muitos povos, se faz necessário que:

1. A Comissão Nacional da Verdade estruture de forma urgente no grupo de trabalho Graves violações de Direitos Humanos no campo ou contra indígenas, uma equipe com assessores conhecedores e ligados à questão indígena, suficiente para atender as demandas de cada região do país, a fim de que o trabalho possa refletir no Relatório Final o que de fato aconteceu no país contra esta população durante o período investigado por lei e não só alguns casos emblemáticos, que por ventura puderem ser apurados no exíguo tempo que resta para a concretização dos trabalhos.

2. Uma vez que a CNV entrou em fase de produção dos relatórios parciais dos GTs e o estudo da questão indígena ainda está por ser estruturado e sistematizado, sendo pouquíssimos os casos apurados, solicitamos também a flexibilização dos prazos para a entrega de relatório parcial, pois até junho é impraticável realizar o trabalho que não foi feito de forma contínua em ano e meio.

3. A liberação de recursos para a imediata indexação de 350 mil páginas de documentos já localizadas em arquivos, que podem auxiliar e agilizar os estudos do grupo citado acima (sob coordenação da Drª Heloisa Sterling, conforme declaração da comissionaria Maria Rita Kehl), abrindo acesso à documentação digitalizada para a pesquisa, também à Comissão Nacional Indígena. Ao final dos trabalhos, em si, este acervo digital, já é uma ferramenta de reparação para uso pedagógico e educacional nas escolas e universidades, sob guarda do Arquivo Nacional como determina a lei.

Solicitamos por fim a viabilização de um processo de continuidade de apuração das graves violações contra os povos indígenas brasileiros, para além do Relatório Final de dezembro de 2014, onde a produção de um relatório complementar possa ser apresentado até final de 2015, para que tenhamos um trabalho amplo, que garanta uma efetiva ferramenta de reflexão à sociedade sobre as violências praticadas contra estes povos, muitos dos quais ainda hoje vivem invisíveis, sofrendo das mesmas agressões e praticas violentas que lhes negam seus direitos, ossibilitando pela exposição da verdade sobre as violências sofridas por estes povos entre 1946­1988, a criação de mecanismos de educação da sociedade envolvente, bem como e fundamentalmente de mecanismos de não­repetição destas violências.

A CNV acertou ao acolher a demanda das instituições de direitos humanos, em maio de 2012, pela necessidade de inclusão nos seus trabalhos de investigação das violações contra os   indígenas, buscando pautar de forma definitiva a temática no âmbito da justiça de transição e fundamentalmente apoiada também na busca de reparação da dívida que o Estado brasileiro e nossa sociedade têm para com estes brasileiros.

Entendemos porém, que a não exposição dos volumosos casos de violações de direitos praticados contra a pessoa do índio e seus direitos, não contribuí para a democratização do país e apequenará os resultados do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade tão necessários ao desenvolvimento do Nunca Mais em nossa sociedade.

Assinam:

Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Sessão RJ

Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia

Grupo Tortura Nunca Mais do Paraná

Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro

Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo

Movimento Tortura Nunca Mais de Pernambuco

Movimento de Justiça e Direitos Humanos

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Comentários

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Urbano

Como nunca demos a menor importância com o que sempre fizeram contra os índios, o escopo para esse massacre está se ampliando assustadoramente; portanto, deveremos inquirir sobre quais de nós poderiam se considerar livres de idêntico destino?

    Urbano

    Os fascistas, pós hitler principalmente, sempre eliminaram os seus antigos apaniguados; que o digam o da Líbia e o do Iraque. Portanto, os panacas tupiniquins, que vivem ovacionando os crápulas da oposição ao Brasil, nem pensem que serão poupados. E isso independentemente de cor, raça, religião e da quantidade de bufunfa possuída; até porque eles vão querer mais dinheiro mesmo, portando dispensar o dono é uma ótima ideia para se livrarem de dívidas.

    Urbano

    Corrigindo duas situações, substituo ‘portan?o dispensar’ por ‘daí que dispensar o dono’.

Mardones

Comissão da 1/1000 da Verdade. Piada bem ao estilo nacional.

Aliás, não vejo a hora de ler o relatório final da bendita comissão.

Será a nova Lei da Anistia.

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